Outra mesma guerra, há 170 anos atrás

Camilo Domingues analisa a atuação da Rússia na Guerra da Crimeia (1853-1856) e suas similaridades com o atual conflito na Ucrânia.

Por Camilo Domingues

O século XVIII marcou o longo processo de entrada da Rússia no rol de grandes impérios europeus em constituição à época. O esforço modernizador e dito civilizatório de sucessivos czares e czarinas, a começar por Pedro I, foi coroado com a vitória de Alexandre I sobre Napoleão em 1812 e com o seu protagonismo no Congresso de Viena em 1815. No entanto, apesar do crescente prestígio que o Império Russo adquiria entre os impérios europeus, o seu sucesso militar sobre a Grande Armée, a sua liderança diplomática no Congresso de Viena e a constituição da Santa Aliança também alimentaram a suspeição a respeito de suas ambições expansionistas. A sua fulminante entrada no Concerto da Europa (Grã-Bretanha, França, Áustria e Prússia) não eliminou de imediato o preconceito ocidental a respeito de seu caráter semiasiático e semibárbaro. De modo que o êxito militar e diplomático da Rússia marchava ao lado da desconfiança em relação ao que almejavam e seriam capazes os russos.

Após 1812, a chamada “ameaça russa” pôs em alerta as novas lideranças políticas que passaram a surgir na Europa. Em 1831, após o czar Nicolau I suprimir o Levante de Novembro (guerra de libertação da Polônia), o líder da insurreição, o príncipe Czartoryski, refugiou-se na Inglaterra. Ali se organizaram inúmeras manifestações em protesto contra a intervenção russa. O movimento cartista, por exemplo, declarou em seu jornal: “A menos que a nação inglesa se levante, veremos o espetáculo condenável de uma frota russa armada até os dentes e repleta de soldados ousar navegar no Canal da Mancha!”

Entre 1847 e 1849, durante a Primavera dos Povos, a Rússia agiu novamente a fim de conter os movimentos revolucionários que despontaram na Europa e de salvaguardar o princípio legitimista da Santa Aliança. Dessa vez, Nicolau I enviou 190 mil soldados para auxiliar a coroa austríaca a suprimir a Revolução Húngara. Seria Karl Marx quem daria voz à campanha contra a Rússia, considerada inimiga da liberdade, o “gendarme da Europa”: “A Rússia é decididamente uma nação conquistadora, e assim foi por um século, até que o grande movimento de 1789 trouxe à atividade um antagonista de natureza formidável. […] Desde aquela época há na realidade apenas duas potências no continente europeu – a Rússia e o Absolutismo, a Revolução e a Democracia”.

Aos poucos, principalmente na Grã-Bretanha e na França, constituiu-se uma imprensa identificada com valores fossem liberais, fossem revolucionários, mas intensamente russofóbica. Na Grã-Bretanha, o principal porta-voz daquela tendência foi o jornalista David Urquhart (para cujos jornais o próprio Marx enviou contribuições). Na França, além dos periódicos católicos, o principal expoente seria o Marquês de Custine, que publicou La Russie en 1839, relato de viagem que se tornou um bestseller continental, popularizando a expressão com que cunhou a Rússia:  “império de fachadas”.

Nos limites daquele império, o risco de que a imprensa noticiasse os acontecimentos da Primavera dos Povos e alvejasse o próprio regime fez com Nicolau I intensificasse a ação dos órgãos de censura a partir de 1848. Em abril daquele ano, o Comitê Miénshikov, que coordenava a ação da censura no império, alertou sobre o caráter “repreensível e ambíguo” dos jornais Anais da Pátria e O Contemporâneo. Na mesma ocasião, o czar inaugurou o “Comitê Supremo de Supervisão do Caráter e Orientação das Publicações Privadas na Rússia”, ou Comitê Buturlín, nova instância supervisora da censura política, concorrendo com a Terceira Seção e com o Ministério de Instrução Pública. As perseguições e o denuncismo constituíram o clima de terror na limitada esfera pública do império. Nem mesmo os principais escritores eslavófilos, como Konstantín Aksákov, foram poupados pela censura: a sua exaltação da naródnost e do campesinato russo aproximava-se, perigosamente, dos ideais democráticos de 1848.

A censura seria ainda mais acirrada nos anos seguintes, durante a Guerra da Crimeia. Naquela que seria a primeira “guerra moderna” e de intensa cobertura da imprensa ocidental, com as novidades da fotografia, do telégrafo e das estradas de ferro, o czar proibiu que periódicos não-oficiais enviassem correspondentes ao front. Na Rússia, apenas os jornais militares noticiaram os acontecimentos da guerra (com a exceção do periódico civil Abelha do Norte). Não fossem os registros do jovem Conde Liév Tolstói, que serviu durante a guerra, os russos teriam ficado sem nenhuma versão não-oficial dos eventos.

Para Nicolau I, as medidas internas e externas desde 1830 dirigiam-se apenas à preservação do princípio legitimista da Santa Aliança e à prevenção para que as rebeliões ocidentais nacionalistas não servissem de exemplo a outras minorias sob domínio turco, russo ou austríaco, como os sérvios, búlgaros e romenos. Agia como árbitro de uma Europa que percebia como decadente, dividida e em vias de desagregação, devido às perturbações sociais e políticas provocadas pela ascensão de ideais liberais, democráticos e revolucionários. Os arroubos nacionalistas também afrontavam as pretensões expansionistas da ortodoxia russa, causa em nome da qual o czar não poupava esforços diplomáticos, nem soldados.

A questão religiosa, de fato, foi o estopim para o início da Guerra da Crimeia, que opôs o Império Russo aos impérios aliados Turco-Otomano, Britânico e Francês. Em novembro de 1852, após pressão francesa, os turcos garantiram aos católicos o direito de também possuírem uma chave de acesso à Basílica da Natividade. A decisão do Sultão de prover o acesso à Natividade, antes exclusivo dos cristãos ortodoxos, também aos católicos, foi interpretada como uma afronta pelo czar.

Em fevereiro de 1853, Nicolau I deslocou mais de 120 mil soldados para a Bessarábia e para os principados do Danúbio (onde alguns dos súditos otomanos já haviam recebido passaporte russo), e enviou o príncipe Miénshikov para que este ultimasse o Sultão a restabelecer os privilégios da Igreja Ortodoxa na Terra Santa. Apoiado pelos impérios britânico e francês, o Sultão recusou o ultimato. Em junho daquele ano, o czar ordenou a invasão dos principados semiautônomos do Danúbio (Valáquia – atual Romênia – e Moldávia). Simultaneamente, publicou manifesto no qual garantia que a Rússia não possuía pretensões expansionistas, mas que apenas visava a preservar os privilégios religiosos: “Estamos dispostos a estacionar as nossas tropas se a Porta garantir os direitos invioláveis da Igreja Ortodoxa”.

França e Grã-Bretanha deslocaram as suas frotas para as proximidades do Estreito de Dardanelos, como demonstração de apoio militar aos turcos. A Áustria, por sua vez, deslocou 25 mil soldados para a sua fronteira sul, temendo que a Rússia instigasse os sérvios a sublevarem-se contra a coroa. Enfim, no final de setembro de 1853, não obstante a indecisão das demais potências, o Sultão Abdul Mejide I decidiu declarar guerra à Rússia.

Apesar da campanha militar em nome da Ortodoxia, os próprios soldados russos ignoravam os motivos – até mesmo o território – de sua mobilização. Mal treinados, mal armados e mal alimentados, a maioria dos soldados morreria fora do campo de batalha, devido a doenças e a ferimentos. Os oficiais corrompiam as redes de abastecimento das tropas, fazendo com que os soldados fossem obrigados a providenciarem a sua própria ração alimentar, a roubarem ou a saquearem. Segundo o testemunho de Tolstói: “Não temos exército, temos uma horda de escravos intimidados pela disciplina, comandados por ladrões e mercadores de escravos […] Tudo o que possui são, por um lado, paciência passiva e descontentamento reprimido e, por outro, crueldade, servidão e corrupção”. Apesar de ser o maior exército do mundo à época, a organização e a condição da soldadesca russa eram menos precárias apenas que aquelas do Império Turco-Otomano.

A Rússia havia partido para a guerra com fragilidades também do ponto de vista estratégico. Em primeiro lugar, o czar errou ao acreditar que a Áustria seria sua aliada natural. Os austríacos também suspeitavam das pretensões expansionistas da Rússia e optaram por uma neutralidade armada. Em segundo lugar, Nicolau I duvidou que as rivalidades históricas entre britânicos e franceses pudessem ser deixadas de lado em nome de uma aliança contra a Rússia e a favor dos turcos. Em terceiro lugar, demonstrou demasiada confiança em sua diplomacia, na superioridade de suas forças armadas e na sagrada proteção que a Igreja Ortodoxa conferiria ao império. Por último, não contou com a resistência das forças turcas (Nicolau I repetia que o Império Turco-Otomano era o “homem doente da Europa”). No entanto, no primeiro ano da guerra, os turcos defenderam-se praticamente sozinhos das investidas russas na Valáquia e na Moldávia. Como sintetizou Marx, em julho de 1854: “Todos podem ver agora que ele [o czar] começou a guerra de maneira imprudente e inadequada”.

No final de julho de 1854, as forças turcas derrotaram os russos e retomaram o controle sobre os principados danubianos. O conflito, portanto, estaria terminado, não fossem as declarações de guerra dos britânicos e franceses contra a Rússia no final de março. Certamente, os seus objetivos não se limitavam à defesa territorial do Império Turco-Otomano. França e Inglaterra nutriam interesses expansionistas e econômicos em relação aos domínios turcos. A Grã-Bretanha interessava-se, sobretudo, pela abertura financeira e de mercados para as suas manufaturas. A França, por sua vez, almejava reconquistar o controle do Mediterrâneo e impingir uma revanche contra as forças russas. Ambas, finalmente, reagiam em nome das religiões cristãs ocidentais e em prevenção à propalada “ameaça russa” que agitava a imprensa ocidental.

A entrada efetiva dos dois maiores impérios europeus na Guerra Russo-Turca foi o que a transformou, de fato, na Guerra da Crimeia, pois as potências aliadas definiram como objetivo comum destruir a frota russa no mar Negro, estacionada em Sevastópol. Tratar-se-ia, a partir de então, de uma verdadeira guerra europeia, a maior até então em poder destrutivo. Em janeiro e fevereiro de 1854, o publicista russo Aleksándr Herzen já havia alertado sobre o perigo daquela nova guerra Russo-Turca se transformar numa efetiva guerra continental: “o imperador Nicolau soa o alarme ao iniciar uma guerra inútil, religiosa, fantástica, uma guerra que pode muito bem ultrapassar as margens do Mar Negro até as margens do Reno”.

Entre 1854 e 1855, o cerco dos aliados a Sevastópol foi o responsável pelo maior número de perdas durante a guerra, em ambos os lados do conflito. A cidade foi completamente destruída e, após a rendição e evacuação das tropas russas, no início de setembro de 1855, em torno de 750 mil militares e civis haviam sido mortos, quase dois terços deste total, russos. Apesar de ter havido crimes e atrocidades de ambas as partes, impressionavam os soldados aliados os milhares de corpos de soldados russos abandonados por suas tropas.

A partir de então, as conversações diplomáticas arrastaram-se até o início de 1856, quando, em 30 de março, foi assinado o Tratado de Paris. Este previa fortes punições à Rússia, os chamados “quatro pontos”: a renúncia dos seus direitos especiais sobre os principados danubianos e sobre a Sérvia; a liberação da navegação no Danúbio a todas as nações; a abertura da navegação comercial no mar Negro e o impedimento de que a Rússia estabelecesse ali nova frota militar; a renúncia da sua tutelagem sobre os povos cristãos em território turco que, a partir de então, seria realizada pelo conjunto dos impérios europeus.

Apesar de ter cedido quase nenhum território – apenas uma região da Bessarábia à Áustria – tratou-se de uma fragorosa derrota militar e moral para a Rússia, que se viu temporariamente isolada do novo Concerto da Europa. A Alexandre II, o novo czar, havia ficado claro que as causas da derrota russa iam além de questões militares: tratava-se do relativo atraso social, econômico e tecnológico-militar do império em relação aos britânico e francês. A partir de então, dar-se-ia impulso a uma nova grande reforma do Estado russo, com vistas à sua modernização, a qual previa a sua restruturação militar e econômica, e o fim da servidão. Feitas pelo alto, tais reformais não poderiam colocar em risco a aristocracia. Apesar disso, por força de tais reformas e de sucessivas rebeliões populares, a tricentenária dinastia Románov seria destituída do poder 60 anos depois, e a Rússia retornaria a gozar do mesmo poder – e temor – em relação às potências europeias apenas após 1945.

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Em janeiro de 1853, o jornal Gazeta Renana, editado por Marx, publicou um artigo crítico à monarquia russa. O czar Nicolau I intercedeu junto ao imperador prussiano, que suprimiu o jornal em 1º de abril. Em março, Marx afastou-se da sua redação e exilou-se na França. Já Herzen partiu com a sua família para uma viagem à Europa em 1847, de onde não mais retornaria à Rússia. Escapou de repetidas detenções, exílios internos e da constante ameaça czarista a fim de poder exercer, na Europa Ocidental, as suas atividades de publicista e militante. Em 1863, detido na Fortaleza de São Pedro e São Paulo, outro publicista russo, Nikolai Tchernychévski, tentou publicar uma tradução da obra A Invasão da Crimeia, do inglês Alexander Kinglake. A publicação foi impedida pela censura, sendo permitida apenas no ano de 1890. Em nome desses três publicistas perseguidos, censurados e detidos pelo regime czarista, eu presto a minha solidariedade a centenas e milhares de jornalistas e demais trabalhadores(as) russos(as) que, corajosamente, se opõem à atual invasão russa à Ucrânia. Não raro, são ameaçados(as), detidos(as), processados(as), obrigados(as) a pagar pesadas multas, quando não são forçados(as) ao exílio. Estima-se que mais de uma centena de milhares de russos(as) já tenham deixado o seu país desde o último 24 de fevereiro.

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A Ucrânia também tem uma história própria e independente do Império Russo, da União Soviética e da atual Federação Russa. Em defesa de sua existência, de sua história e de sua soberania, e em solidariedade aos milhares de mortos(as) vitimados(as) pela atual invasão russa, e milhões de refugiados(as) obrigados(as) a deixarem o seu país, eu termino com as palavras apaixonadas e, no limite, ufanistas, de Herzen: “A Ucrânia era uma república cossaca e agrícola, organizada militarmente em bases completamente democráticas e comunistas. Sem centralização, sem governo forte, governando-se por costumes que não aceitavam nem a supremacia do czar de Moscou, nem a do rei da Polônia. Não há vestígios de aristocracia nesta república rudimentar; todo homem adulto era um cidadão ativo, todos os cargos eram eletivos, do decurião ao Hetman. Observe que esta república existiu do século XIII ao século XVIII, defendendo-se continuamente contra os moscovitas, os poloneses, os lituanos, os turcos e os tártaros da Crimeia”.

Fontes: A. Herzen, C. Ruud, I. Tarle, K. Marx, L. Tolstói, M. Malia, N. Tchernychévski e O. Figes


Margem Esquerda #39 | 2° semestre de 2022

A última edição da revista da Boitempo tem como tema central a guerra, eixo que atravessa não apenas as análises sobre o conflito na Ucrânia, como a reflexão sobre a extrema-direita brasileira, a radiografia da tensa dinâmica de forças na Amazônia hoje, e o debate marxista sobre a inteligência artificial e a crise do trabalho. Colaboram com este número Marly Vianna, David Harvey, João Quartim de Moraes, Paulo Arantes, Alex Callinicos, Tomasz Konicz, Marcos Barreira, Angelo Segrillo, Marcelo Ridenti, Douglas Barros e muitos outros…


Não perca o lançamento da Margem Esquerda #39, com Paulo Arantes comentando as eleições do fim do mundo, mediação de Silvia Viana. Dia 14 de outubro às 19h, ao vivo na TV Boitempo:

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Camilo Domingues é pós-doutorando em História (PPGH-UFF/FAPERJ) e membro do LEA-USP e NEC-UFF.

3 comentários em Outra mesma guerra, há 170 anos atrás

  1. Yordan Michellinus // 14/10/2022 às 9:01 pm // Responder

    Não exista guerra boa, nem terrorismo bom. Contudo, parece estranha e seletiva essa solidariedade manifestada ao povo ucraniano, ignorando milhares de mortes no Donbass desde o golpe de Estado que o Ocidente promoveu na Ucrânia em 2014: talvez porque a partir da revolução colorida armada pelos EUA tenham sido basicamente ucranianos de etnia russa as pessoas massacradas pelos ‘ucronazis’, vidas desprezadas, não “passíveis de luto” (Butler), como no Iraque, Afeganistão, Síria, Líbia, Iêmen, Somália… Claro, quando os refugiados são brancos, loiros, de olhos azuis, há que se comover e ter empatia.
    Solidariedade muito seletiva, que mais parece uma apologia facciosa da russofobia, com escolha ‘ad hoc’ das citações, como se Marx se opusesse mais ao despotismo na Rússia que ao escravagismo racista e imperialista da Grã-Bretanha e da França! Afora o fato de o próprio Marx ter passado por repetidos exílios para escapar às ameaças de detenção na civilizada Europa, que Borrell define como um “jardim a ser defendido da selva”. Tem-se a impressão de que só os russos malvados perseguiam pensadores, enquanto os “jardineiros” espalhavam flores pelo mundo dos selvagens.
    Lamentar a censura a jornalistas na Rússia é outra tendenciosidade, desconsiderando que o credo do ‘Otanismo’ instituiu censura muito mais ampla no oligopólio midiático do Ocidente – inclusive punindo parentes de jornalistas e silenciando mídias dissidentes. Quem renega tal fé e revela atrocidades do Estado é preso, se não fugir: Julian Assange, Sarah Harrison, Edward Snowden, Chelsea Manning, Katharine Gun… Conseguiram assim convencer muita gente de que os ucranianos são nazistas do bem (sic), que os russos além de maus são estúpidos, pois bombardeiam a si mesmos em uma usina nuclear e explodiram seus próprios gasodutos, em vez de apenas fechar as torneiras do gás.
    Fico imaginando que quando os EUA e seus cúmplices genocidas da OTAN enfim atacarem à China – em nome da democracia e dos direitos humanos – será possível contar com uma descrição edificante das civilizadoras Guerras do Ópio, e a história continuará a ser instrumentalizada para servir à dominação imperialista, claro, repleta de solidariedade com quem sofre.

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  2. Yordan Michellinus // 14/10/2022 às 9:15 pm // Responder

    Em tempo: onde aparece no comentário anterior (e nesse) Yordan Michellinus, leia-se Jordan Michel-Muniz. Agradeço pela correção!

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  3. Jordan Michel-Muniz // 17/10/2022 às 4:45 pm // Responder

    Não existe guerra boa, nem terrorismo bom. Contudo, parece estranha e seletiva essa solidariedade manifestada ao povo ucraniano, ignorando milhares de mortes no Donbass desde o golpe de Estado que o Ocidente promoveu na Ucrânia em 2014: talvez porque a partir da revolução colorida armada pelos EUA tenham sido basicamente ucranianos de etnia russa as pessoas massacradas pelos ‘ucronazis’, vidas desprezadas, não “passíveis de luto” (Butler), como no Iraque, Afeganistão, Síria, Líbia, Iêmen, Somália… Claro, quando os refugiados são brancos, loiros, de olhos azuis, há que se comover e ter empatia.
    Solidariedade muito seletiva, que mais parece uma apologia facciosa da russofobia, com escolha ‘ad hoc’ das citações, como se Marx se opusesse mais ao despotismo na Rússia czarista que ao escravagismo racista e imperialista da Grã-Bretanha e da França! Afora o fato de o próprio Marx ter passado por repetidos exílios para escapar às ameaças de detenção na civilizada Europa, que Borrell define como um “jardim a ser defendido da selva”. Tem-se a impressão de que só os russos malvados perseguiam pensadores, enquanto os “jardineiros” espalhavam flores pelo mundo dos selvagens.
    Lamentar a censura a jornalistas na Rússia é outra tendenciosidade, desconsiderando que o credo do ‘Otanismo’ instituiu censura muito mais ampla no oligopólio midiático do Ocidente – inclusive punindo parentes de jornalistas e silenciando mídias dissidentes. Quem renega tal fé e revela atrocidades do Estado é preso, se não fugir: Julian Assange, Sarah Harrison, Edward Snowden, Chelsea Manning, Katharine Gun… Conseguiram assim convencer muita gente de que os ucranianos são nazistas do bem (sic), que os russos além de maus são estúpidos, pois bombardeiam a si mesmos em uma usina nuclear e explodiram seus próprios gasodutos, em vez de apenas fechar as torneiras do gás. Fico imaginando que quando os EUA e seus cúmplices genocidas da OTAN enfim atacarem à China – em nome da democracia e dos direitos humanos – será possível contar com uma descrição edificante das civilizadoras Guerras do Ópio, e a história continuará a ser instrumentalizada para servir à dominação imperialista, claro, repleta de solidariedade com quem sofre.
    ( Jordan Michel-Muniz )

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