Jodi Dean e uma nova teoria do partido comunista
Em "Multidões e partido", não é o retorno a formas organizativas passadas que se apresenta como solução aos dilemas atuais. Abre-se um debate sobre os limites das estruturas organizativas em moda, sobre a relação entre o indivíduo e a coletividade, a multidão e a luta de classes, tudo isso permeado pelo questionamento de quem poderíamos ser e vir a ser como partido revolucionário internacional em nosso tempo.
FOTO: BRASÍLIA, JUNHO DE 2013. DOUGLAS AGUM.
Por Jones Manoel
Jodi Dean, pensadora e militante comunista, tem uma obra inovadora. Produz um marxismo com capacidade de responder a novos fenômenos e relações que surgem no capitalismo e na luta de classes. Multidões e partido é um belo exemplo dessa competência.
A crise do partido como forma de mobilização, forjada ao fim do século XIX e dominante em boa parte do século XX, é inegável – no neoliberalismo, por exemplo, o movimento operário e popular enfrenta profunda dificuldade organizativa. Ao mesmo tempo, as alternativas à forma partido, em especial ao “modelo leninista”, não se mostram satisfatórias quando se trata de enfrentar os desafios da luta pela emancipação.
Em Multidões e partido, não é o retorno a formas organizativas passadas que se apresenta como solução aos dilemas atuais. Abre-se um debate sobre os limites das estruturas organizativas em moda, sobre a relação entre o indivíduo e a coletividade, a multidão e a luta de classes, tudo isso permeado pelo questionamento de quem poderíamos ser e vir a ser como partido revolucionário internacional em nosso tempo. Ou seja, Jodi Dean pensa a base para “uma nova teoria do partido comunista”.
Não vemos aqui o partido de forma institucional, tampouco o debate se dá em termos psicodinâmicos, inquirindo sobre a função e o propósito do partido comunista. Não vemos a multidão como a negação do ser de classe. Não há apologia da horizontalidade abstrata.
A multidão é tratada pela autora com concretude histórica, considerando suas potencialidades e seus limites. O leitor tem em mãos um caso raro na literatura crítica contemporânea, que o instigará a pensar não apenas no que fazer, mas também em como fazer. Existe uma música da banda Nação Zumbi que passa a ideia de que organizando podemos desorganizar, e é com isso em mente que penso que Multidões e partido chega ao Brasil no momento ideal: nunca precisamos tanto pensar a forma política de um desejo de ser coletivo que se transforme em ação para a conquista do poder político, isto é, a revolução!
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Como agrupamentos de pessoas viram movimentos organizados? Rejeitando a ênfase em indivíduos e multiplicidades, Multidões e partido reitera a necessidade de repensar o sujeito coletivo da política e demonstra a importância de ver o partido enquanto organização capaz de revigorar a prática política.
Partindo de exemplos como o Occupy Wall Street, Jodi Dean destaca uma contradição interna desses movimentos: o individualismo de correntes ideológicas democráticas, anarquistas e horizontalistas acaba por minar o poder coletivo que de início se almejava. Citando outros acontecimentos da mesma época, a autora argumenta que discussões anteriores deixaram de considerar as dimensões afetivas da forma partido, bem como a maneira pela qual esta viabiliza a formação de vínculos entre as pessoas: “A celebração da individualidade autônoma nos impede de colocar em primeiro plano o que temos em comum e, assim, nos organizar politicamente”, escreve.
Ensaio sintético com recorte e análise bastante originais, reabilita tradição e prática comunistas clássicas sem apelo a tradicionalismo ou nostalgia, mobilizando linguagem, abordagem e arcabouço teórico ancorados na atualidade política e na filosofia e teoria social contemporâneas.
Multidões e partido, de Jodi Dean, tem tradução de Artur Renzo, texto de orelha de Jones Manoel e capa de Camila Nakazone, a partir de projeto de Porto Rocha & No Ideas.
“Um argumento poderoso: os movimentos políticos precisam ir além da expressão imediata (a multidão) e abraçar a organização de longo prazo (o partido).”
— Matt Ray
“Neste livro envolvente, Jodi Dean demonstra que, ao contrário do que aponta o clichê neoanarquista, a organização partidária e a luta de classes de forma alguma são fenômenos ultrapassados. O renascimento do partido político viabilizou uma onda de entusiasmo na política de esquerda contemporânea – um entusiasmo que Multidões e partido explica e instiga.”
— Mark Fisher
“Aqui Jodi Dean rejeita o investimento no indivíduo ou no coletivo per se e incentiva um novo e mais subversivo sujeito coletivo na política. Abordando desde multidões reais, como o movimento Occupy, até teorias consolidadas sobre o assunto, a autora questiona o papel da multidão e do partido como organização na tentativa de iluminar um caminho político.”
— Alfie Bown
Hoje (05/10), às 17h, não perca o debate de lançamento antecipado de Multidões e partido, de Jodi Dean, com Jones Manoel, Juliane Furno e Vladimir Safatle, mediação de Bárbara Krauss, na TV Boitempo:
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Jones Manoel é pernambucano, filho da Dona Elza e comunista de carteirinha. Começou sua militância na favela onde nasceu e cresceu, a comunidade da Borborema, construindo um cursinho popular, o Novo Caminho, junto com seu amigo Julio Santos (ele, Julio e outro amigo, Felipe Bezerra, foram os primeiros jovens da história de Borborema a entrar em uma universidade pública). Depois de dois anos com o cursinho popular, passou a militar no movimento estudantil em paralelo ao seu curso de história na UFPE. Pouco tempo depois, ingressou nas fileiras da UJC (a juventude do PCB). Ativo no movimento estudantil até 2016, hoje atua no movimento sindical e na área da educação popular. Mestre em serviço social, atualmente é professor de história, mantém um canal no YouTube e participa do podcast Revolushow. Segue militante do PCB. Organizou pela Boitempo o livro Colonialismo e luta anticolonial: desafios da revolução no século XXI (2020), coletânea com artigos, transcrições de palestras e entrevistas de Domenico Losurdo.
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