O dia em que o morro descer e não for carnaval

Os comunistas compreendem o papel fundamental da politização no processo eleitoral, sem sucumbir ao possibilitismo oportunista das alianças que ajudam a destruir o futuro quando dão protagonismo às frações burguesas que procuram uma melhor posição para controlar o bloco no poder.

Por Milton Pinheiro

Wilson das Neves, com sua música “o dia em que o morro descer e não for carnaval” nos apresenta, a partir da sabedoria popular, uma consigna fundamental. O bloco político de caráter proletário e popular não deve se determinar pela lógica da democracia formal burguesa, restrita na sua conformação institucional, objetivamente excludente, que vê nas eleições o fim da política, ou seja, a resolução das questões que afligem a sociedade.

Esse bloco político, proletário e popular, não pode integrar o campo da frente ampla onde o discurso da conciliação de classe não tem força concreta para barrar o neofascismo e enfrentar a forma-governo do partido da ordem. Até porque o sentido da conciliação, no Brasil, colocou sob a bandeira das “mudanças” na governabilidade um vago enfrentamento ao neofascismo e uma capitulação ao projeto do mercado. A eleição, nos termos colocados por aquele que lidera o processo eleitoral, ao chegar ao governo não terá como fazer o devido enfrentamento ao neofascismo, não terá como contribuir para a organização da classe trabalhadora, assim como pouco tem se manifestado sobre o conjunto deletério das contrarreformas que estão destruindo o Brasil para aumentar a extração de mais-valia e fomentar grandes fortunas.

Estamos, portanto, aproximando-nos do pleito eleitoral que ocorrerá no dia 2 de outubro. É um momento importante para se examinar o grave quadro socioeconômico que está destruindo de forma deliberada a população brasileira e a cena política nos apresenta uma situação atentatória aos interesses da classe trabalhadora. Apesar de metodologias equivocadas para contabilizar o emprego, que não dão conta da real situação, temos um grande desemprego estrutural e um desalento que colocam em risco a sobrevivência da população que depende do trabalho para sobreviver.

Para além da violência do desemprego estrutural, um contingente muito expressivo de pessoas entrou para a situação de fome no Brasil. São mais de 33 milhões brasileiros/as que estão passando pela desagregação da insegurança alimentar em nosso país. A estrutura social submergiu na mais degradante condição humana. O mínimo arcabouço das políticas públicas que, mesmo com parcos recursos, tentava preservar a população da fome, miséria social, etc., foi destruído nos últimos 6 anos de governos de radical postura neoliberal.

A violência cresceu nas cidades e no campo, com mortes em profusão; o Estado associou-se em alguns lugares ao crime organizado (vulgarmente chamado de milícias) e ficou indistinto na relação com a população preta e proletária das mais diversas periferias. As polícias dos estados (Civil e, principalmente, Militar) são responsáveis por um conjunto enorme de assassinatos dessa população criminalizada pelo Estado brasileiro. A execução do pobre, preto e periférico é televisionada, sem nenhuma medida efetiva dos governos para conter essas chacinas. Pelo contrário, isso é visto como uma forma de combate ao crime organizado.

A política de proteção ao trabalho e o sistema de proteção social foram destruídos a partir do governo Temer, e essa destruição foi levada ao extremo no governo do agitador fascista, Jair Bolsonaro. O Estado brasileiro tomou para si o papel de combate aos pobres e proletários como uma ação para contribuir com a concentração de renda e da riqueza no país.

O sistema de saúde aprofundou sua crise, o SUS está sendo perseguido e garroteado pela falta de recursos. O Brasil está na fila sem fim da falta de atendimento médico. Ao lado dessa questão prioritária da vida social; o governo federal e governos estaduais, a exemplo de Rui Costa na Bahia, tentam desarticular todo o sistema público de educação, ao tempo que tentam privatizar por dentro a universidade pública brasileira, consolidando, assim, um amplo ataque à ciência & tecnologia, à pesquisa científica, à extensão de caráter social e à permanência estudantil em nossas universidades. É a política de cortes severos no orçamento e contingenciamentos criminosos que colocam a educação em risco.

Esse projeto de destruição social é a perene contrarrevolução permanente da classe dominante (independente de qual fração da burguesia comande o bloco no poder), tendo como eixo central a acumulação de capital, extração de mais-valia e o ataque sem trégua ao fundo público. O Estado burguês tem em seu comando no Brasil personagens dos mais variados tipos: políticos que representam as hordas neofascistas, neopentecostais do comércio da fé, parlamentares do balcão de negócios, empresários da mídia corporativa, milicianos dos pequenos negócios e representantes da socialdemocracia tardia, de corte neoliberal, que operam na parceria integrada ao sistema da ordem.

Nessa densa conjuntura, a parceria sem princípios dos grupos políticos que integram esse comando burguês operou um conjunto de contrarreformas e modificações internas ao Estado  que tem esgarçado o tecido social no país: lei do teto de gastos, lei de (i)responsabilidade fiscal, novas leis de destruição do trabalho e da seguridade social, privatização do Banco Central (tornando-o comitê executivo do sistema financeiro), privatizações de empresas do parque estratégico brasileiro, confisco dos recursos da educação-saúde-proteção social e meio ambiente para o chamado orçamento secreto, que se configurou no mais completo modus operandi da corrupção pública na atualidade.

O país está sendo devastado, a mineração predatória avança nas áreas de preservação e nas terras indígenas; a Amazônia está ardendo em chamas para atender à grilagem dos latifundiários e dos saqueadores da terra que apoiam o agitador fascista, Jair Bolsonaro. Populações indígenas, quilombolas e ribeirinhos estão sendo caçados em suas terras. Queimadas, pesca predatória, mineração criminosa, grilagem e assassinatos dos povos originários e camponeses têm atacado gravemente o ecossistema brasileiro.

Apesar desse quadro societal e do apassivamento social construído durante 13 anos de governos burgo-petistas, é tempo de lutar, é tempo de enfrentar a ordem do capital, é tempo de apresentar o projeto da nossa classe e afirmar o Poder Popular. Durante esse processo eleitoral, não podemos e não devemos ficar encurralados entre o projeto burguês-militar de Bolsonaro e o projeto da parceria conflitiva com a ordem do capital, que utiliza o fetichismo da democracia formal para reforçar o modelo despolitizado da eleição de caráter plebiscitário. Trata-se de uma eleição em dois turnos, a esquerda que não apresenta seu projeto nessa quadra histórica capitula diante da ordem.

Existe uma parte da esquerda revolucionária que tem projeto, coloca a mediação tática subordinada ao programa estratégico e apresenta uma candidatura. Trata-se dos comunistas brasileiros (PCB), que lançaram esse projeto para enfrentar a ordem do capital no Brasil e suas variantes neste momento histórico, a candidatura da economista e professora SOFIA MANZANO encarna esse projeto do Poder Popular.

Em linhas gerais, esse projeto de mediação tática propõe a reestatização do parque de empresas estratégicas do Brasil; coloca a Petrobras a serviço do desenvolvimento social, torna sem efeito as contrarreformas trabalhistas e previdenciárias; cria a lei de responsabilidade social; torna sem efeito a lei do teto de gastos; avança em investimentos para a completa estatização da saúde, educação e transporte públicos; apresenta a jornada de trabalho de 30 horas como uma grande medida para estimular o emprego; reforma agrária estrutural; investimentos na pesquisa, ciência & tecnologia; políticas sociais que contribuam para enfrentar o machismo, racismo, a LGBTQfobia; polícia unificada e de caráter cidadã, com o fim da PM; legalização do aborto como política pública de proteção às decisões das mulheres; legalização da maconha; gestão ambiental comunal; um denso plano de construção de moradias populares; criação de frentes permanentes de trabalho; e a implantação do princípio das decisões coletivas a partir do projeto de Poder Popular e sua democracia direta, com propostas de socialização da produção e socialização do poder político.

Assim, os comunistas compreendem o papel fundamental da politização no processo eleitoral, sem sucumbir ao possibilitismo oportunista das alianças que ajudam a destruir o futuro quando dão protagonismo às frações burguesas que procuram uma melhor posição para controlar o bloco no poder.

Portanto, votar em SOFIA MANZANO, nos comunistas e em seus aliados, é um passo à frente na organização da classe trabalhadora e na defesa do PODER POPULAR.

 Avante!


Ditadura: o que resta da transição

Organizada pelo cientista político Milton Pinheiro, a coletânea enfrenta o desafio de reinterpretar uma história em que vários aspectos estão ainda por decifrar, desde o contexto por trás do golpe até a campanha pelas Diretas Já. Com ensaios inéditos de pensadores como João Quartim de Moraes, Anita Prestes, Lincoln Secco, Décio Saes, Marco Aurélio Santana, entre outros, o livro traça um rico panorama das continuidades e rupturas na história contemporânea brasileira, abrangendo temas como as mutações da ideologia, o lugar dos intelectuais, dos sindicatos, a mobilização comunista, as políticas econômicas e a presença dos partidos políticos.


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Milton Pinheiro é professor titular de história política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), editor da revista Novos Temas, cientista político e autor/organizador de uma dezena de livros, entre eles, Ditadura: o que resta da transição (Boitempo, 2014).

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