O fascismo no Brasil destes dias

A extrema-direita, que depois do fim à brasileira da ditadura, envergonhava-se ou permanecia em silêncio, agora está com os demônios soltos.

IMAGEM: VITOR TEIXEIRA

Por Urariano Mota

Parece incrível, mas o Brasil é hoje o país no mundo onde mais cresce o número de grupos de extrema-direita, segundo pesquisa da Anti-Defamation League (ADL). Michel Gherman, membro do Observatório da Extrema Direita (formado por acadêmicos de mais de dez universidades brasileiras e de outros países) afirma que a eleição de Bolsonaro criou no Brasil uma Disneylândia do neonazismo, pois os que o defendem “passaram a se sentir mais à vontade”. É verdade. Há muito, temos notado: a extrema-direita, que depois do fim à brasileira da ditadura, envergonhava-se ou permanecia em silêncio, agora está com os demônios soltos, peitando a democracia, matando democratas, porque se acha protegida pelo indivíduo na presidência e pelos comandos policiais.  

Para esse estado a que chegamos, bem vale a pena a leitura do livro Passageiros da tempestade: fascistas e negacionistas no tempo presente, dos professores Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schuster Sousa Leão. Editado pela Cepe, a segunda maior e melhor editora pública do Brasil, nele podemos conhecer a história do fascismo na Itália, Alemanha e Japão, que não ficou no passado, pois os fascismos (assim mesmo no plural) trabalham até hoje sobre as grandes massas com a irracionalidade, a mentira, o implausível e o medo, segundo os autores. Durante a pesquisa no livro chegamos ao Brasil deste 2022:

“O atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, corrobora a autorização do uso indiscriminado de violência, construindo e utilizando dispositivos sociais como uma ferramenta política. Quando utiliza as mídias sociais para afirmar que ‘repórter tem que apanhar mesmo’, sendo replicado por seus apoiadores, segundos depois, com as afirmações ‘jornalista folgado tem mais é que apanhar’ e ‘jornalista vagabundo merece TOMAR PORRADA SIM’, ele instrumentaliza a política por meio de um mandonismo pessoal, autoritário e carismático que estetiza a sociabilidade com a normalização do uso da força”.

De fato, além das páginas do livro podemos ver. Logo na campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018, ele declarou: “Vamos fuzilar a petralhada”. E depois vieram os assassinatos, o cumprimento infame das ameaças. Recolho, sem qualquer esforço de pesquisa, alguns dos muitos homicídios:

Em um domingo, no dia 18 de outubro de 2018 em Salvador, o mestre de capoeira Moa do Katendê foi morto com 12 facadas pelas costas por defender o voto no PT e se declarar contrário a Bolsonaro. 

Em 2019, Antônio Carlos Rodrigues Furtado, de 61 anos, em Balneário Camboriú, Santa Catarina foi morto por ser de esquerda, com socos e pontapés por Fábio Leandro Schwindlein, bolsonarista.

Em julho de 2022, Marcelo Aloizio de Arruda, de 50 anos, foi morto a tiros na própria festa de aniversário pelo policial penal federal Jorge Guaranho. Bolsonarista, o assassino invadiu a festa privada de Marcelo – que tinha como tema o PT e imagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva –, gritando “aqui é Bolsonaro”. E assassinou o petista com três tiros.

A poucos dias desta eleição, de acordo com a Polícia Civil do Mato Grosso, um homem identificado como Benedito dos Santos, 42 anos, eleitor de Lula, foi morto a golpes de faca e machado por Rafael de Oliveira, 24, apoiador de Bolsonaro. O ódio foi tamanho, que o assassino desejou cortar a cabeça do “inimigo” com um machado.

Antes dessa onda de crimes políticos cometidos por bolsonaristas sob inspiração do ídolo deles, o fascismo brasileiro apresentava uma ordem para a agressão contra a democracia. Como bem lembra o livro Passageiros da tempestade: fascistas e negacionistas no tempo presente em outra página:

“Em 2020, foi apontado que 35% dos oficiais e 41% dos praças das polícias de todo o Brasil interagem em redes sociais apoiando o presidente Jair Bolsonaro. Seus posicionamentos a favor do presidente, que há pelo menos dois anos discursa abertamente contra vários governadores, tendo o Nordeste como foco, tornam a questão ainda mais politizada e instrumentalizada”.

Assim tem sido no Brasil. A história geral do fascismo no mundo não se repete, como já observou Marx em outro contexto, que se tornou universal: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Mas se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Para os brasileiros, depois da trágica ditadura iniciada em 1964, vivemos a segunda fase apontada na frase de Marx, de duas maneiras: na primeira, hoje, ela é tanto trágica pela destruição de vidas pela covid-19, para as quais o presidente dizia não ser coveiro, quanto pela destruição da Amazônia de todas as maneiras.

Neste 2022, fala-se que o garimpo “perdeu a vergonha”. Sob a barbárie Bolsonaro, abertamente favorável aos interesses dessa atividade ilegal nos domínios, ou ex-domínios da floresta, os defensores do garimpo estão circulando nos corredores do poder nas capitais da Amazônia e em Brasília, e pretendem voar ainda mais alto: ocupar cargos eletivos nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, além dos palácios dos governadores.

É trágico, ainda, o esvaziamento da educação, a perseguição aos artistas, às artes e imprensa, além das mortes matadas por opinião política. Mas é uma farsa, ao mesmo tempo, o ridículo do “imbroxável”, os gritos e falas do presidente. Que até imita a fala. Chegamos ao ponto em que no Brasil os animais falam. Isso é trágico e farsa em união, de um cômico mais baixo e grosseiro.

Numa das suas últimas falas ou farsas, ele tentou uma de historiador, acreditem: “Quero dizer que o brasileiro passou por momentos difíceis, a história nos mostra. 22, 65, 64, 16, 18 e, agora, 22. A história pode repetir. O bem sempre venceu o mal”.

O que é isso? A que primeiro 22 ele se refere? Não deve ser à Semana de Arte Moderna, porque ele nem sabe o que é isso. Mas como o bem sempre venceu o mal?! Com assassinatos, torturas e execuções frias na ditadura, ou com as guerras e holocaustos, o bem sempre venceu o mal? Ou com a bomba sobre Hiroshima e Nagasaki? Ou com os recentes assassinatos de Bruno e Dom na Amazônia? Ou será que o bem vence o mal quando a floresta é devastada? Ah, bom, entendemos a nova língua, uma absoluta inversão de valores: o bem é o mal, e o mal deve ser a esperança e luta da resistência.

Por enquanto, sabemos que a farsa bárbara pode virar em superação, um terceiro momento desta vez. Nós, unidos, temos o bonde, o navio, a nave da futura democracia, cujo nome é Lula vencedor no primeiro turno. Se não for Lula, afundaremos nas trevas do fascismo à brasileira.  


Soledad no Recife, de Urariano Mota

O livro Soledad no Recife percorre as veredas dos testemunhos e das confissões ao reviver a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e a traição que culminou em sua tortura e assassinato pela ditadura militar. Delatada pelo próprio companheiro Daniel, conhecido depois como Cabo Anselmo, Soledad morre com um grupo de candidatos a guerrilheiros, na capital pernambucana, pelas mãos da equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury. O episódio ficou conhecido como “O massacre da chácara São Bento” e revelou-se mais um extermínio do que um confronto armado. A trama real inspira o romance em que Urariano Mota – com a propriedade de que viveu e sobreviveu aos anos pós 1964 – resgata os vestígios da traição arquitetada contra Soledad e contra o país naqueles tempos, com o olhar reflexivo de quem volta ao passado. 


Na TV Boitempo, Urariano Mota comenta a vida de Cabo Anselmo, agente duplo e delator responsável pela morte de militantes de esquerda durante a ditadura militar e fala sobre o seu livro Soledad no Recife:

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Urariano Mota  é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. É colunista do Vermelho. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, de O filho renegado de Deus (Bertrand Brasil, 2013), uma narração cruel e terna de certa Maria, vítima da opressão cultural e de classes no Brasil, do Dicionário Amoroso do Recife (Casarão do Verbo, 2014), e de A mais longa duração da juventude (Editora LiteraRUA) que narra o amor, política e sexo dos militantes contra a ditadura.

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