Independência do Brasil: a história que não terminou

Rodrigo Ricupero comenta "Independência do Brasil: a história que não terminou", obra organizada por Antonio Carlos Mazzeo e Luiz Bernardo Pericás, destacando a contribuição do livro para a superação de uma visão simplificadora de nosso processo de independência.

Imagem: arte sobre ilustração de Angelo Agostini, Revista Ilustrada, anno 11, n. 439, Rio de Janeiro, 1886, p. 1.

Por Rodrigo Ricupero

A Independência do Brasil é uma questão bem resolvida, pelo menos na perspectiva dos setores que dominaram a nação ao longo dos tempos. A prova desse fato seria a comparação com as demais nações latino-americanas. No Brasil, o processo teria sido menos traumático: a monarquia e a preservação da escravidão e do poder na mão dos latifundiários teriam garantido uma estabilidade maior, assim como a unidade territorial; ao passo que nas demais nações, além de um processo muito mais intenso, o desenlace da luta teria resultado em Estados mais frágeis, castigados por conflitos internos e guerras, que haveriam contribuído para a fragmentação territorial.

Não surpreende que a questão da Independência tenha até hoje muito maior importância para os nossos vizinhos. Exemplos dessa permanência seriam a reivindicação do ideário de Simón Bolívar por Hugo Chávez na Venezuela ou ainda a homenagem aos libertadores no nome da copa sul-americana de futebol, fato que aqui passa totalmente despercebido.

Nossa historiografia crítica também contribuiu para o esvaziamento da Independência ao desmistificar o processo, visto, numa perspectiva simplificadora, apenas como um arranjo entre D. Pedro e seu pai D. João VI, com a chancela inglesa. A Independência acabaria sendo percebida como resultado de uma marcha sem heróis, sem lutas e sem participação popular.

Longe disso, ela foi um processo muito mais complexo, marcado pela crise do antigo sistema colonial e pelos abalos que o Antigo Regime sofreu na Europa. E constituiu um resultado direto da Revolução Liberal do Porto de 1820, etapa final da “Era das revoluções”, que ao atravessar o oceano colocou em xeque o absolutismo, obrigando o retorno de D. João VI e a imposição da ordem constitucional até 1823. As Cortes portuguesas, contudo, ao questionarem a situação do Brasil no pós-1808, fortaleceram a posição de D. Pedro, que pôde liderar o processo, derrotando todos os outros projetos alternativos.

A relativa facilidade da vitória não impediu que as contradições aflorassem. A abdicação de D. Pedro em 1831 e as revoltas do período eram expressão desses outros projetos. A grande diferença com nossos vizinhos não foi a ausência de conflitos, mas o fato de o governo monárquico, centralizador, ter derrotado todas as outras opções que se colocaram, garantindo a vitória do projeto hegemônico.

Independência do Brasil: a história que não terminou, organizado por Antonio Carlos Mazzeo e Luiz Bernardo Pericás, apresenta uma importante e necessária retomada dos estudos sobre a Independência do Brasil, contribuindo para superar uma visão excessivamente simplificadora.

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Independência do Brasil: a história que não terminou, obra organizada por Antonio Carlos Mazzeo e Luiz Bernardo Pericás, oferece ao leitor, duzentos anos após o grito do Ipiranga, uma discussão abrangente e elucidativa sobre um processo que até hoje desperta controvérsias e mal-entendidos.

Reunião de 12 artigos de autores especializados no tema e no período, o conjunto apresenta visões diversas sobre o processo político e econômico da época (crise do antigo sistema colonial, formação do Estado brasileiro, estrutura de classes) ao lado de estudos mais detidos de interpretações clássicas, bem como de temas como o mapeamento do território, a formação do mercado livreiro, a estrutura tributária da colônia e Império, rebeliões populares do período.

Ao mesmo tempo em que divulga algumas das pesquisas mais aprofundadas sobre o assunto, o livro contribui para que se tenha uma visão panorâmica do processo de Independência do Brasil. Trata-se, portanto, para os especialistas, de peça de atualização e discussão, e, para o público geral, de obra de informação e reflexão sobre um processo importantíssimo, mas de certa forma ainda inconcluso.

“Este livro revela quanto a historiografia da Independência tem avançado no país, com autores clássicos ao lado das novas e mesmo novíssimas gerações, que demonstram a pujança de um pensamento original. O próprio conceito de Independência mereceu uma revisitação crítica, que aprofunda a noção de descolonização. Autores e personagens citados compõem uma verdadeira ciranda interpretativa com graça, força e visões críticas renovadas. Surge assim uma Historiografia com H maiúsculo, que polemiza com prudência e rigor. Talvez seja esse o prenúncio de uma nova era historiográfica, mais serena e densa, distante de visões pós-modernizantes. Nota-se que, para além da tradição sob influência marxista, vicejam cepas originais de pensamento, robustas e arejadas. Estava na hora! Janelas abertas, finalmente, para os clássicos, sem deixar de lado perspectivas mais amplas sobre as ambiguidades de ‘nossa’ Independência.”
CARLOS GUILHERME MOTA


 

Independência do Brasil: a história que não terminou tem organização de Antonio Carlos Mazzeo e Luiz Bernardo Pericás, artigos de Fernando A. Novais, Herbert S. Klein, Francisco Luna, Vera Ferlini, Pablo Oller Mont Serrath, Sérgio Guerra, Iris Kantor, Pérola Maria Goldfeder de Castro, Marisa Midori, Camila Scacchetti, Guilherme Grandi, Luciana Suarez Galvão, Lincoln Secco, Alexandre de Freitas Barbosa, Alexandre Saes, Roberto Pereira Silva, Osvaldo Coggiola, Antonio Carlos Mazzeo e Luiz Bernardo Pericás, texto de orelha de Rodrigo Ricupero, quarta capa de Carlos Guilherme Mota e capa de Maikon Nery.


Amanhã (06/09), às 15h, teremos o debate de lançamento de Independência do Brasil: a história que não terminou com Antonio Carlos Mazzeo e Pérola Castro, mediação de Gabriel Bastos, na TV Boitempo:

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Rodrigo Ricupero é professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo.

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