Edyr Augusto: prosa feroz à altura das urgências do presente
É da realidade que fala a ficção de Edyr Augusto: da deterioração da vida nas metrópoles; da aliança firmada entre o crime, o dinheiro e a política; do sexo e da morte. Uma prosa feroz, à altura das urgências do presente.
Por Ruan de Sousa Gabriel
Quem já teve a sorte de topar com a prosa de Edyr Augusto reconhecerá, nas dezessete histórias de Eu já morri, as paisagens, os personagens, as obsessões e a dicção tão particulares do autor de Pssica e Belhell. Está tudo ali: a rua Riachuelo e seus arredores, onde prostitutas de várias gerações convivem com “crackeiros” e flanelinhas evangélicos; a polícia corrupta, os pequenos delinquentes, a elite bandida que vive à custa de velhos sobrenomes e da proteção de políticos; aquela violência tão abundante em programas policiais vespertinos, mas quase ausente na literatura; as “delícias do sexo” que conduzem os personagens à ruína; e, é claro, a inconfundível fala belemense (“foló”,“caraxué”, “tédoidé”).
Mais que um inventário de obsessões, os contos de Eu já morri são um convite à oficina do autor, em que se revelam os truques de seu estilo afiado, assentado em frases muito curtas e ritmo frenético. Em “Anjo” e “Caraxué”, o desejo move os protagonistas: um adolescente se encanta por uma mulher que só dá à luz filhos mortos, um homem temente a Deus não resiste à beleza de uma moça recém-chegada às calçadas da rua Riachuelo. A prosa começa lenta e descritiva, seduzindo o leitor para depois derrubá-lo. A cadência muda de repente, e os fatos passam a se desenrolar com uma rapidez alucinante. Cada informação é um soco na cara do leitor, um aviso para se manter alerta, pois não está diante de uma história qualquer.
Edyr Augusto exibe ainda outros artifícios. Em “Motel Firenze”, o narrador quase não abre a boca. O leitor acompanha a história pelos diálogos de várias pessoas mais ou menos envolvidas na morte de uma prostituta idosa no motel da família Valadão: a matriarca, o filho playboy, os funcionários, um secretário estadual, um policial que não quer encrenca e um repórter apelidado de Urubu, que junta as peças do crime e dá o furo em seu programa radiofônico. Em vários contos, manchetes de jornal encharcadas de sangue conferem agilidade à trama e funcionam como enxertos de realidade na ficção. Porque é da realidade que fala a ficção de Edyr Augusto: da deterioração da vida nas metrópoles; da aliança firmada entre o crime, o dinheiro e a política; do sexo e da morte. Uma prosa feroz, à altura das urgências do presente.
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Eu já morri é o oitavo livro do paraense Edyr Augusto. Em 17 histórias, o autor mais uma vez retrata com olhar ferino personagens singulares da cidade de Belém. São moradores de rua, figuras humildes, prostitutas, viciados, compondo um caleidoscópio de um submundo descrito em relatos ágeis e diretos, que prendem a atenção do leitor de forma quase magnética.
Edyr Augusto tem uma carreira consolidada como autor de histórias ácidas e cruas, situadas na Amazônia, mas que poderiam se passar em qualquer grande centro urbano. Ler seus livros é sofrer um tratamento de choque: a velocidade brutal aliada à barbárie potencializa ao extremo o realismo presente em cada frase seca e cortante de suas narrativas. O estilo implacável, mordaz e direto é como um soco no estômago: “Meus livros falam sempre sobre pessoas. Pessoas que são atingidas por golpes de violência, pessoas que são atingidas em seu âmago e precisam reagir”, conta o autor em vídeo para a TV Boitempo.
Edyr Augusto tem cinco romances publicados na França: Os éguas, em 2013, Moscow, em 2014, Casa de caba (Nid de vipères), em 2015, Pssica, em 2017, e Belhell, em 2020, este lançado simultaneamente no Brasil. Pssica teve seus direitos comprados pela 02 Filmes e sua transposição para cinema terá direção de Quico Meirelles.
Não perca o lançamento antecipado de Eu já morri, hoje às 18h30 no perfil do Instagram da Boitempo e da Livraria Solar do Leitor, com a participação de Edyr Augusto e Alonso Jr. e apresentação de Tulio Candiotto:
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Ruan de Sousa Gabriel é repórter do jornal O Globo e colunista do site da revista Época.
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