Cultura inútil: Coisinhas do padre Antônio Vieira (…e outras sem a menor importância para a vida da gente)

Mouzar Benedito faz uma seleção de curiosidades na coluna "Cultura inútil": de histórias do Padre Antônio Vieira a Charles Dickens e Emily Brontë, passando pelo surgimento dos supermercados e da expressão "Xiririca da Serra".

Por Mouzar Benedito

Quando Portugal conseguiu se separar da Espanha, em 1640, depois de 60 anos em que foi anexado aos vizinhos, Dom João IV assumiu o trono português e tinha como principal confidente o padre Antônio Vieira, que se tornou diplomata mas durou pouco nessa função: ele defendia que em vez de guerrear com a Holanda, que ocupava Pernambuco e vizinhanças desde 1630, devia-se fazer um bom acordo, deixando a Holanda ficar com Pernambuco – pois considerava impossível derrotar os holandeses numa guerra.

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Outra missão de Antônio Vieira como diplomata foi propor o casamento do jovem Teodósio, herdeiro do trono português, com uma sobrinha do rei da França, que teria como missão combater os holandeses. Em troca, dom João IV abandonaria Lisboa e se mudaria para Salvador ou São Luís do Maranhão e se tornaria rei do Brasil, que seria declarado independente, e Portugal seria governado pela França por 5 anos, até que Teodósio atingisse a maioridade. Se o rei francês aceitasse a proposta, o Brasil teria ficado independente muito antes de 1822. Mas não aceitou o abacaxi.

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Até meados dos anos 1950, não existiam supermercados no Brasil. O que hoje se compra neles era comprado em armazéns e outros estabelecimentos varejistas. Pedia-se a um vendedor, ele pegava as mercadorias que você queria, embrulhava, entregava e você pagava. Esse negócio de pegar o que você quer nas prateleiras, gôndolas e refrigeradores, que ganhou o nome supermercado, surgiu nos Estados Unidos. Em meados dos anos 1950 foi aberto o primeiro supermercado em São Paulo, aliás, o primeiro da América Latina. Chamava-se Sirva-Se. Mais tarde, foi criada a rede Peg-Pag, com algumas lojas, e o nome “peg-pag” passou a ser usado para esse sistema de vendas, em que o próprio cliente pega a mercadoria e paga no caixa. Essa rede, assim como as lojas do Sirva-Se, foi comprada pelo Pão de Açúcar, o nome Peg-Pag não existe mais, e a palavra deixou de ser usada.

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Poucos anos depois da abertura do Sirva-Se em São Paulo, houve uma tentativa de abrir uma loja de supermercado no Rio de Janeiro. Anunciaram que seria uma loja em que o próprio cliente pegava a mercadoria e pagava no caixa. Quando abriu para inauguração, uma horda invadiu a loja, pegou as mercadorias todas e passou pelos caixas… sem pagar. Foi um saque, e demorou para criarem supermercados na cidade. E não foi só lá… Até por volta de 1970, pouquíssimos lugares tinham supermercados. E mesmo na cidade de São Paulo eles não eram muitos.

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“Xiririca da Serra” é uma expressão pouco usada hoje em dia, mas era frequente para se falar de um lugar muito longe, distante e inacessível; onde o Judas perdeu as botas. Quase todo mundo achava que era um lugar inexistente, uma expressão inventada. Mas existia e existe ainda, só que agora com o nome de Eldorado Paulista, cidade bonitinha onde nasceu a poetiza Francisca Júlia, mas também é terra de um sujeito que nem falo o nome, que chegou à presidência da República para mostrar que existem mais brasileiros bestas do que a gente imagina, pois ele foi eleito por voto direto. Bom, a cidade mudou de nome e continuou sendo sinônimo de lugar no fim do mundo. Na Bahia, chamam lugares assim de caixa-pregos. É que no extremo da ilha de Itaparica, foi instalado um estaleiro para reformas de embarcações que, por isso, recebeu o nome de Cacha-Pregos (na grafia antiga, mas que permanece até hoje no povoado que pertence ao município de Vera Cruz). Enquanto os paulistas diziam “lá em xiririca da serra” os baianos diziam (e dizem até hoje) “lá no caixa-pregos”. Em Minas e outros lugares, inclusive alguns do estado de São Paulo, chamam de “cafundó” lugares assim, principalmente lugares entre montanhas e pouco povoados. Às vezes falam “cafundó do Judas”. Há muitos bairros rurais chamados Cafundó, inclusive um antigo quilombo no município de Sorocaba (SP).

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Em alguns lugares de Minas Gerais, se alguma tagarelava demais, falava sem parar, dizia-se que “parece que comeu língua de chanchã”, por causa de um passarinho muito “falador” chamado chanchã. É que quando uma criança demorava para começar a falar, passava de um ano e meio e continuava calada, uma simpatia para ela soltar o palavrório vitimava o coitado do passarinho: caçava-se um chanchã, tirava-se a língua dele e fazia a criança engolir. E, garantiam, o ex-calado destampava a falar sem parar. No Nordeste, diziam que criança que falava demais era porque “bebeu água de chocalho”.

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O escritor inglês Charles Dickens, autor de David Copperfield, entre outros livros famosos tinha uma estranha compulsão mórbida. No necrotério de Paris ficavam expostos ao público cadáveres não identificados, geralmente de pobres, e num certo período ele ia lá quase diariamente ver os corpos. E também gostava de visitar lugares em que ocorreram crimes famosos.

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A autora de O morro dos ventos uivantes, Emily Brontë morreu com 30 anos de idade, em 1848. Ela tinha duas irmãs, também escritoras, Charlotte e Anne. Anne morreu com 29 anos e Charlotte foi quem viveu mais, mas não tanto: morreu um pouco antes de completar 49 anos. Duas irmãs delas morreram quando crianças, e o único irmão, era alcoólatra problemático e morreu com 31 anos. Emily tinha umas esquisitices, como a de passar horas na janela, olhando para o vazio.

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Nestes tempos de radicalismos, Jean Paul Sartre seria excomungado por militantes antitabagistas (entre outros): além de usar drogas pesadas, fumava cachimbo, muito, dava muitas cachimbadas, complementando o vício com dois maços de cigarro por dia.

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Assim disse Franz Kafka: “O sentido da vida é que ela acaba”.


O Boitatá e os boitatinhas

Em O Boitatá e os boitatinhas, Mouzar Benedito questiona o “progresso” que destrói a natureza e expulsa as comunidades tradicionais. As ilustrações vibrantes de Hallina Beltrão mostram aos pequenos leitores os encantos da fauna e flora.

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2021, Editora Limiar). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente.

1 comentário em Cultura inútil: Coisinhas do padre Antônio Vieira (…e outras sem a menor importância para a vida da gente)

  1. Paulo Cavalcanti // 12/08/2022 às 5:12 pm // Responder

    Arrasou Mourzar, já não se fazem mais jornalistas como antigamente. Quanta falta de cultura entre seus colegas, enquanto você esbanja conhecimento. Muito bom mesmo, muito obrigado por nos brindar com esse texto. Abs

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