Helena Hirata: referência para a reflexão sociológica de hoje

A articulação de conceitos como classe, gênero e raça/cor da pele realizada por Helena Hirata nos ajuda a reinterpretar os diferentes modos como homens e mulheres, brancos e negros, europeus, americanos ou asiáticos, vivenciam o trabalho em suas diferentes modalidades.

Por Liliana Segnini

Como filósofa, Helena Hirata contribui para a intelecção da relação entre ação humana e trabalho, demonstrando o papel decisivo dessa categoria para compreendermos a sociedade. Como socióloga, analisa os contextos sociais concretos nos quais o trabalho capitalista está inscrito. Assim, somando as miradas filosófica e sociológica, seu pensamento constitui-se em importante ferramenta para decifrarmos as condições, sentidos e impactos da modernização do trabalho nas formações contemporâneas.

O reconhecimento de que, quase em toda parte, o sujeito do trabalho é apresentado como um sujeito universal, abstrato, possibilitou à autora evidenciar em O cuidado: teorias e práticas as lacunas analíticas e a insuficiência dos paradigmas sociológicos quando submetidos à categoria gênero: abstrair essa dimensão empobrece a tentativa de captar o social. A articulação de conceitos como classe, gênero e raça/cor da pele realizada por Helena – resultado de longa elaboração, durante uma trajetória de pesquisa sociológica frequentemente partilhada com colegas e discutida em eventos acadêmicos e políticos – nos ajuda a reinterpretar os diferentes modos como homens e mulheres, brancos e negros, europeus, americanos ou asiáticos, vivenciam o trabalho em suas diferentes modalidades.

Além disso, processos como a mundialização e a hegemonia neoliberal produzem modificações substanciais no modo como os indivíduos trabalham, e lançam desafios decisivos à pesquisadora, que os enfrenta com criatividade e competência teórica. A adoção do enfoque comparativo, que põe em paralelo experiências de Brasil, França e Japão, abrangendo desde o trabalho industrial até o trabalho de cuidado, e que captura a longa passagem da organização fordista da produção até as formas mais contemporâneas, flexíveis e precárias, de estruturação do trabalho, dá especificidade e fôlego à obra de Hirata.

Por fim, e em especial, a centralidade dada à questão do cuidado em contraponto com as desigualdades sociais revela grande atualidade social e científica. Se levarmos em conta a perspectiva palpável de envelhecimento da sociedade e a percepção, fornecida pela Organização Internacional do Trabalho, de que muito em breve um terço da humanidade dependerá de serviços de cuidado, seremos capazes de captar não só a riqueza, mas também a urgência das colocações de Hirata, o que torna O cuidado: teorias e práticas referência para a reflexão sociológica de hoje.

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Quais são as definições, teorias e controvérsias sobre o trabalho do cuidado no século XXI em um mundo com acelerada tendência de envelhecimento de suas populações? Em O cuidado: teorias e práticas, a socióloga Helena Hirata apresenta um estudo sobre o cuidado com os idosos, composto de análises realizadas em três países: Brasil, França e Japão. Para além das diferenças no método, alguns aspectos se mostram bastante similares, como o fato de haver uma esmagadora maioria de profissionais mulheres, em especial de minorias étnicas e raciais, ao lado da desvalorização da profissão, que, mesmo com o constante aumento de demanda, é ainda marginalizada.
 
Com pesquisas no plano macroestrutural e também em campo, apoiadas por entrevistas com as profissionais nos três diferentes países, a autora traz a crise do cuidado nas suas diferentes dimensões e desigualdades entre os países do Norte e do Sul e a luta das mulheres pela valorização desse trabalho, tanto no reconhecimento simbólico quanto no aspecto monetário.
 
Dividido em quatro partes, o livro começa apresentando as implicações do cuidado nos dias de hoje, suas teorias, definições e controvérsias. Em seguida, exibe os resultados e análises de uma pesquisa comparativa sobre o trabalho do cuidado e as características da profissão nos três países. O impacto da globalização e das migrações no desenvolvimento do trabalho do cuidado é o tema abordado no terceiro capítulo, seguido pelo quarto bloco, que traça a trajetória das atividades dessas cuidadoras, suas condições de trabalho, inovações no cuidado e o papel da saúde no trabalho.

“Em sua pesquisa, Helena Hirata nos apresenta diferentes formas de cuidar. Conhecemos as cuidadoras e cuidadores, que a despeito do contexto recebem baixos salários e atuam em um cotidiano marcado pelo racismo e pela xenofobia. A relação entre quem cuida e quem recebe o cuidado e o espaço social no qual ele se realiza revelam desigualdades de gênero, raça e classe. Helena aponta um caminho para a solução do problema: a construção de uma política nacional do cuidado, por meio da qual o acesso a este possa se tornar universal e o trabalho de cuidadora mais formalizado e socialmente reconhecido.”
Bárbara Castro

“Tratando dos casos de Brasil, França e Japão, este livro de Helena Hirata ressalta que para as mulheres negras, pessoas racializadas e imigrantes o cuidado sempre foi algo a ser ofertado a outrem, ao mesmo tempo que sempre foi dificultado em seus próprios lares. Somente quando os problemas chegam à classe média autóctone, a questão é visibilizada. Os questionamentos apresentados neste livro dialogam com o debate sobre a crise do cuidado e a reprodução social, oferecendo ferramentas analíticas que convocam à crítica ao neoliberalismo e à precarização do trabalho.”
Mariana Shinohara Roncato

 

O cuidado: teorias e práticas, de Helena Hirata, tem tradução de Monica Stahel, prefácio à edição francesa de Evelyn Nakano Glenn, posfácio de Danièle Kergoat, texto de orelha de Liliana Segnini, quarta capa de Bárbara Castro e Mariana Shinohara Roncato e capa de Maikon Nery.

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Não perca o lançamento antecipado de O cuidado: teorias e práticas, dia 5 de agosto às 15h, com Helena Hirata, Bárbara Castro, Liliana Segnini e mediação de Angelo Soares, na TV Boitempo:

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Liliana Segnini é professora titular colaboradora plena no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Unicamp, pesquisadora associada (2003/2022) do Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris (CRESPPA, UMR 7217) e membro do Conselho da Aliança Francesa de São Paulo.

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