Astrojildo Pereira e a centralidade do embate entre democracia e fascismo no Brasil

Se, infelizmente, "URSS Itália Brasil" não produziu o necessário debate ao seu tempo, nossos dias ainda o mantém tragicamente atual e necessário.

Por Dainis Karepovs

Astrojildo Pereira Duarte Silva (1890-1965) foi um homem de paixões e convicções inquebrantáveis e duradouras.

Paixões como as que dedicou ao escritor Machado de Assis, sobre quem publicou uma importante obra crítica.

Já suas convicções inquebrantáveis e duradouras estavam com o marxismo e o Partido Comunista, dos quais jamais abriu mão. Militante anarquista, empolgou-se com a Revolução Russa e fundou, há cem anos, em março de 1922, o Partido Comunista do Brasil (PCB). Secretário-geral do PCB nos anos 1920, Astrojildo buscou levar a influência do PCB a estratos cada vez mais amplos: superando as polêmicas com os anarquistas e atuando nos meios sindicais situados além do universo ácrata; dirigindo-se à “classe média radicalizada” e setores influenciados pelo “tenentismo” no Brasil; criando uma frente eleitoral integrada pelos comunistas, o Bloco Operário e Camponês.

No início do período esquerdizante da Internacional Comunista, de 1928 a 1935, o PCB viu-se tomado pela diretiva de bolchevização, a qual desencadeou em perseguição de intelectuais, vitimando o próprio Astrojildo Pereira, removido de seu cargo em novembro de 1930; pouco depois, abandonaria as atividades partidárias. Em 1945, Astrojildo Pereira retornou ao PCB, atuando em sua imprensa e no campo cultural, neles permanecendo até o final de seus dias.

Durante seu afastamento do PCB, Astrojildo viveu o que alguns consideram a fase mais rica de sua produção literária. Seu primeiro produto foi URSS Itália Brasil, publicado em 1935, e oportunamente reeditado. Uma sucessão de episódios fez com que o livro sofresse um considerável atraso em sua publicação. Além da pequena tiragem, de 180 exemplares, foi lançado quando ocorreram as rebeliões militares comunistas de Natal, Recife e Rio de Janeiro, em novembro de 1935.

Como o autor relata no prefácio, datado de outubro de 1934, “empanturrei-me sobretudo de […] toda a literatura contrarrevolucionária nacional, fascista, semifascista e pró-fascista, editada entre nós de 1930 em diante”. Logo tornou-se necessário a Astrojildo Pereira quebrar o silêncio em que se colocara e o título URSS Itália Brasil evidenciou o sentido que buscou dar ao livro e que apontava o embate entre democracia e fascismo como central na cena política brasileira e mundial e que, com os atrasos em sua publicação – os quais, aliás, o permitiram assistir a constituição da Aliança Nacional Libertadora –, se tornaram mais prementes.

Se, infelizmente, URSS Itália Brasil não produziu o necessário debate ao seu tempo, nossos dias ainda o mantém tragicamente atual e necessário.

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No ano do centenário de fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Boitempo e a Fundação Astrojildo Pereira relançam um autor fundamental da nossa cultura: Astrojildo Pereira (1890-1965). Primeira obra de Astrojildo, URSS Itália Brasil foi publicada pela primeira vez em 1935 e abrange textos lançados na imprensa de 1929 a 1934. O livro é fundamental para estudiosos dos anos de 1930, época que o Brasil vivia uma fase de consolidação de um Estado centralizado após a chamada Revolução de 30 e que comunismo e fascismo eram poderosas forças que se contrapunham no contexto geopolítico.
 
Os textos de Astrojildo funcionam como importantes depoimentos do período e trazem ao leitor um rico material de informação e análise sobre a formação do Estado soviético, as condições do fascismo italiano e as contradições intelectuais e políticas do Brasil da primeira metade do século XX.
 

“Não são muitos os que, como Astrojildo Pereira, para só citar um dos maiores, mantém estrita fidelidade ao primeiro dever do intelectual, que é analisar todos os problemas sob critérios intelectuais e sistêmicos.”
Carlos Drummond de Andrade

URSS Itália Brasil é um livro importante e atual. Os artigos nele republicados – que foram até agora uma raridade bibliográfica – mostram-nos o vigor e a importância do socialismo, o perigo de um fascismo que não desapareceu e os problemas de um país como o nosso, praticamente os mesmos de um século atrás.”
Marly Vianna

 

URSS Itália Brasil, de Astrojildo Pereira, tem prefácio de Marly Vianna, texto de orelha de Dainis Karepovs e capa de Maikon Nery.

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Disponível em nossa loja virtual e e-book à venda nas principais lojas do ramo:


Confira a aula Um comunista pelo mundo, do curso 100 anos do PCB: vida e obra de Astrojildo Pereira, com Marly Vianna, Dainis Karepovs e mediação de Fernando Garcia, na TV Boitempo:

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Dainis Karepovs é historiador e arquivista. Mestre e doutor em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e com pós-doutorado em História realizado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Coautor, com Fulvio Abramo, de Na Contracorrente da História (Sundermann, 2015) e autor de Pas de politique Mariô! Mario Pedrosa e a política (Ateliê; Editora da Fundação Perseu Abramo, 2017).

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