Martin Cezar Feijó e o retrato rigoroso da vida de Astrojildo Pereira

Gilberto Maringoni comenta “O revolucionário cordial”, biografia de Astrojildo Pereira escrita por Martin Cezar Feijó: “um agudo retrato do esforço de Astrojildo, com seus acertos e erros, para definir uma política cultural de esquerda. Fugindo tanto dos preconceitos fáceis quanto da louvação estéril”.

Por Gilberto Maringoni

Na noite de 28 de setembro de 1908, Astrojildo Pereira Duarte Silva, 17 anos, compareceu a um encontro não marcado. Melhor dizendo, não combinado. Sem falar nada a ninguém, aquele adolescente tomou a balsa de Niterói, onde vivia, em direção ao Rio de Janeiro. Seu destino era uma casa no Cosme Velho. Não conhecia pessoalmente o morador e sua família e não tinham amigos em comum. Sabia apenas de seu grave estado de saúde.

Bateu na porta. Abriram-na.

Na sala, um grupo de senhores graves. Ninguém jamais vira o moço. Pediu para se encontrar com o dono da casa, enfermo no quarto. Depois de alguma insistência, o próprio autorizou-lhe a entrada. Astrojildo dirigiu-se ao aposento, ajoelhou-se e beijou-lhe a mão. Logo em seguida despediu-se de todos e saiu. O doente morreria horas depois.

Este breve, porém intenso, gesto definiria a vida do rapaz. Sobre ele, Euclides da Cunha escreveu, dois dias depois: “Naquele meio segundo – no meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis –, aquele menino foi o maior homem de sua terra”. Por muito tempo a identidade do personagem permaneceu misteriosa. Somente em 1936, a escritora Lúcia Miguel Pereira revelou a história.

Ao longo de sua vida, o menino Astrojildo teve impulsos e gestos que guardariam estreita relação com aquela ousadia juvenil. Anarquista, comunista, literato, historiador e autodidata, ele cumpriu uma trajetória de militante apaixonado e publicista refinado, combinação um tanto rara nestas terras. Em outros tempos, homens assim eram chamados de intelectuais orgânicos.

Fundador e primeiro secretário-geral do Partido Comunista do Brasil – mais tarde chamado de Brasileiro –, Astrojildo escreveu pouco e bem. Machado de Assis e Formação do PCB são livros curtos e incisivos. Não há como estudar um ou outro assunto sem se referir aos textos do moço de Niterói.

Antidogmático e antissectário por essência, Astrojildo bateu-se sempre por uma política radical e ampla para os comunistas. Isso o levou a se embrenhar nas selvas bolivianas, vinte anos depois daquela noite no Cosme Velho, atrás do principal responsável por outra obra monumental.

Como dirigente comunista, estava convencido de que seu partido deveria estabelecer uma aliança com os líderes de uma importante facção do movimento tenentista. Com vários livros marxistas na bagagem, encontrou-se com o comandante de uma coluna de milhares de homens que cortara as entranhas do Brasil pouco antes: o capitão do exército Luiz Carlos Prestes. A conversão do dirigente militar em dirigente revolucionário começara ali, pelas mãos de Astrojildo.

O que explica o esquecimento a que um homem desses foi relegado? A mesquinharia de certa parte da intelectualidade e do mundo da cultura? O rolo compressor do pensamento único pós-moderno? Ou o desleixo, o mero desleixo? Talvez tudo isso junto.

Martin Cezar Feijó, em O revolucionário cordial, procura inverter o curso deste leme. Traça um agudo retrato do esforço de Astrojildo, com seus acertos e erros, para definir uma política cultural de esquerda. Fugindo tanto dos preconceitos fáceis quanto da louvação estéril, Feijó recupera fatos e documentos num livro rigoroso, que tem o sabor das grandes paixões.

Como foi a vida de Astrojildo Pereira.

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Astrojildo Pereira, um dos nove fundadores do Partido Comunista do Brasil (PCB), morreu convencido de que o partido sempre acertava, até quando errava. Aceitava o mote de que era melhor errar coletivamente do que acertar individualmente. Anarquista na juventude, tornou-se comunista na maturidade. Foi ainda reconhecido como um dos mais representativos e respeitados participantes da tentativa de transformar o mundo não só em seu aspecto material, mas também em suas bases culturais.

O revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural é uma tentativa de interpretação da trajetória do intelectual Astrojildo Pereira através de seus escritos e sua comunicação, principalmente aquela impressa em livros. O trabalho de Martin Cezar Feijó busca apresentar os escritos militantes de Pereira, marcados por profunda tensão entre a revolução e a modernidade, no período que compreende a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e o fim da Segunda Guerra (1939-1945).

Mais do que isso, analisa a proposta de construção de uma política cultural levantada por Astrojildo. O projeto de alfabetização proposto por ele levava em conta a cultura popular e preferia chamar à luta um setor da sociedade civil rebelde (ou que, pelo menos, deveria sê-lo) às imposições do Estado: os intelectuais. Investimento na formação intelectual, moral e estética de todas as pessoas, em condições iguais e democráticas. É a origem de um projeto de política cultural de um revolucionário que leva em conta a memória dos afetos e das dores do país, apontando para um futuro melhor, apesar das adversidades.

Com prefácio inédito de Sergio Augusto e inserção de imagens raras, a segunda edição atualizada da biografia escrita por Feijó chega ao público no contexto de aniversário dos cem anos de fundação do Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacional Comunista (1922-2022).

O revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural, de Martin Cezar Feijó, tem prefácio de Sergio Augusto, texto de orelha de Gilberto Maringoni e capa de Maikon Nery.

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Confira o vídeo Quem foi Astrojildo Pereira?, com Martin Cezar Feijó, na TV Boitempo:

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Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da UFABC e coordenador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).

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