Romance da militância contra a ditadura é publicado nos Estados Unidos
Urariano Mota comenta o lançamento de seu livro "A mais longa duração da juventude", romance da militância contra a ditadura no Brasil, em inglês.
Por Urariano Mota
De ontem à noite até aqui, dormi mal. Para conciliar o sono, fui reler páginas de Balzac, em Ilusões Perdidas. Para quê? O relaxamento desejado não veio. A razão disso foi um e-mail de Peter Lownds, o tradutor de A mais longa duração da juventude para o inglês, que me enviou estas palavras às 21:30h, hora do Brasil:
“Anúncio de nascimento!
Chegou, chegou, chegou
Afinal que o dia dele chegou!
(estribilho de ponto de umbanda literária internacional)
em anexo
Parabéns atônitos do parteiro Pedro ao pai Urariano:
‘Your boy speaks fluent English at birth!’“
Desse modo, Peter Lownds anunciou o lançamento de A mais longa duração da juventude sob o título de Never-EndingYouth nos Estados Unidos. Para todo escritor brasileiro, essa seria uma notícia a ser comemorada. Mas para mim, em especial, a notícia ganhou mais significação. Quero dizer, devo dizer: eu que venho dos becos onde mora o povo “humilde” (como se referem aos pobres) do Recife, eu que comi o pão que o diabo amassou, e em muitas oportunidades perguntei onde estava mesmo o diabo para amassar algum pão. Eu que durante muito tempo carreguei no registo civil o nome de “filho bastardo” porque meus pais não foram casados (pra vocês verem de que sociedade infame viemos), eu que durante muitas noites estudei à luz de velas, apesar de ter luz elétrica em casa. Eu, enfim, que vim com amigos e companheiros que foram perseguidos, mortos e ofendidos sob a ditadura brasileira, essa publicação na altura dos meus 71 anos de idade, sob o fascismo do governo Bolsonaro, possui um misturado sabor de alegria e duras lembranças.
E para atingir esse feito, sei que muitos perguntarão: qual foi o truque? Respondo como já disse antes, que escritor não tem truque. Tem verdade, trabalho e perseverança. Quem tem truque é vigarista, é este governo que tenta iludir o povo faminto com ações de fumaça. O “truque”, de verdade, foi o longo aprendizado com pessoas de esquerda, desde o bairro de Água Fria no Recife, que me abriram os olhos para o mundo da leitura, da dignidade e da beleza. O que eu seria sem eles? Se houvesse um lugar abaixo do nada, eu estaria nesse ponto absurdo. E de modo mais específico, a tradução desse romance começou pela intermediação generosa, camarada, do grande pesquisador, intelectual comunista e escritor José Carlos Ruy, que nos deixou em 2 de fevereiro de 2021. Foi por ele que o poeta e tradutor Peter Lownds foi alcançado.
E para a voz em inglês do romance, o escritor, jornalista e tradutor Eric A. Gordon escreveu um belo prefácio, do qual copio os trechos a seguir:
“Never-Ending Yourh é um Bildungsroman do Novo Mundo.
Além da busca dos personagens por uma ideologia política, o conhecimento e amor deles pela pintura, poesia, música popular, literatura, cinema, cozinha tradicional e as tradições que rodeiam o Carnaval são notáveis. Eles estão intelectualmente engajados e orgulhosos da sua cultura do Nordeste brasileiro. Que estranho e, no entanto, cosmopolita é o leitmotiv de um LP de Ella Fitzgerald nesta história.
Na sua época, o romance Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez tomou de assalto os leitores americanos, e abriu as portas para toda uma nova geração de escritores do ‘Sul da Fronteira’. Talvez seja a hora de outro surto, começando com Never-Ending Youth.
O nome de José Carlos Ruy aparece nas páginas deste livro mencionado muito antes da sua morte prematura. Dada a sua importância para a literatura progressista brasileira ao longo das muitas décadas de carreira, e o seu papel fundamental no eventual aparecimento desta tradução, que ele não viveu para ver, o autor, o tradutor e o editor têm a honra de dedicar este romance à sua memória”.
O intelectual Eric A. Gordon, que escreveu este prefácio, é o escritor que tem traduzido para o inglês as obras literárias de Álvaro Cunhal, que publicava romances sob o pseudônimo de Manuel Tiago.
Enfim, quero e devo dizer. Se houver um céu para os militantes contra a ditadura, este romance estará com eles. Mas se não houver, eles estão neste romance
Para adquirir o romance Never Ending Youth, clique aqui.
Publicado originalmente no site Vermelho.
Soledad no Recife, de Urariano Mota
O livro Soledad no Recife percorre as veredas dos testemunhos e das confissões ao reviver a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e a traição que culminou em sua tortura e assassinato pela ditadura militar. Delatada pelo próprio companheiro Daniel, conhecido depois como Cabo Anselmo, Soledad morre com um grupo de candidatos a guerrilheiros, na capital pernambucana, pelas mãos da equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury. O episódio ficou conhecido como “O massacre da chácara São Bento” e revelou-se mais um extermínio do que um confronto armado. A trama real inspira o romance em que Urariano Mota – com a propriedade de que viveu e sobreviveu aos anos pós 1964 – resgata os vestígios da traição arquitetada contra Soledad e contra o país naqueles tempos, com o olhar reflexivo de quem volta ao passado.
Na TV Boitempo, Urariano Mota comenta a vida de Cabo Anselmo, agente duplo e delator responsável pela morte de militantes de esquerda durante a ditadura militar e fala sobre o seu livro Soledad no Recife:
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Urariano Mota é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. É colunista do Vermelho. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, de O filho renegado de Deus (Bertrand Brasil, 2013), uma narração cruel e terna de certa Maria, vítima da opressão cultural e de classes no Brasil, do Dicionário Amoroso do Recife (Casarão do Verbo, 2014), e de A mais longa duração da juventude (Editora LiteraRUA) que narra o amor, política e sexo dos militantes contra a ditadura.
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