Astrojildo Pereira: paixão militante e curiosidade autodidata

A diferença entre declarar com todas as letras a confiança num “homem novo forjado nas lutas da classe operária” e aderir em silêncio aos consensos vai além da opção pelo confronto ou pelo conformismo: distingue o desassombro dos que assumem com clareza seus pontos de vista.

Astrojildo Pereira em sua casa na rua do Bispo, Rio de Janeiro. Acervo ASMOB/IAP/CEDEM.

Por Paulo Roberto Pires

Crítica impura é um livro datado — e nisso está uma de suas maiores qualidades. Documenta em 49 resenhas e ensaios publicados entre as décadas de 1930 e 1960 o corpo a corpo de um intelectual com questões e ideias de seu tempo. Lima Barreto e Diderot, Fidel Castro e o modernismo, Monteiro Lobato e Arnold Toynbee convivem em estimulante desarmonia numa prosa cristalina que sintetiza a paixão do militante e a curiosidade onívora do autodidata. A esta, deve-se a variedade da antologia; àquela, o “fio ideológico” que mantém sua unidade.

Para um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro, engajamento e probidade analítica são sinônimos. É, portanto, à luz das revoluções socialistas do século XX e pelas lentes do marxismo que Astrojildo Pereira sintetiza ideias, contrapõe objeções, defende pontos de vista. Ao escrever, elege afinidades, demarca limites e estabelece distâncias, convicto de que o “pensamento, por mais sublime que se mostre, nada mais é, no fim de contas, que mera emanação espiritual das condições sociais em que nasce, vive e se desenvolve o corpo”.

Esse posicionamento inequívoco garantiu ao escritor um perene lugar minoritário na arena pública brasileira. Afinal, não é de hoje que o conservadorismo de diversas extrações faz da esquerda — e, naquele momento em particular, do comunismo — o inimigo certo das horas incertas. Astrojildo preferia as eventuais vicissitudes da vinculação inequívoca a um partido ao suposto “apoliticismo” de intelectuais que nos são bem familiares: “quando chega a hora braba que impõe a cada homem decidir no duro, quase sempre aparecem no outro lado da barricada, sem mais nenhum melindre puritano”.

Por tudo isso, é prudente abster-se de salpicar essas páginas com o marca-texto do anacronismo, que sublinha as acidentadas experiências do socialismo real para rasurar as ideias que a elas sobrevivem. A diferença entre declarar com todas as letras a confiança num “homem novo forjado nas lutas da classe operária” e aderir em silêncio aos consensos vai além da opção pelo confronto ou pelo conformismo: distingue o desassombro dos que assumem com clareza seus pontos de vista.

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Crítica impura é uma das cinco novas edições de obras lançadas em vida pelo fundador do PCB. Editado originalmente em 1963, Crítica impura foi o último livro publicado por Astrojildo. Seu conteúdo é uma reunião de textos publicados originalmente em diferentes jornais e revistas e selecionados para compor três eixos temáticos.
 
A primeira parte é dedicada à literatura, com estudos sobre a vida e obra de autores como Machado de Assis, Eça de Queiroz, Monteiro Lobato, José Veríssimo e outros. Nesse momento, pode-se ver a produção que colocou Astrojildo entre os principais críticos literários brasileiros. A segunda aborda a China comunista na qual Astrojildo analisa uma série de relatos de viagens sobre o país asiático feitos durante os anos 1950 e 1960. Apresenta-se, então, um militante comunista atento ao processo revolucionário chinês que havia ocorrido há pouco. O último eixo tem como assunto comum as vinculações entre política e cultura, reunindo textos de intervenção pública que marcaram a trajetória política de Astrojildo em diversos debates centrais do Brasil da metade do século XX.

“Astrojildo Pereira é um dos nossos mais completos homens de letras, tais a seriedade de sua cultura e a clareza de seu estilo.”
Francisco de Assis Barbosa

“A par de suas extraordinárias qualidades intelectuais, Astrojildo Pereira evidencia neste livro virtudes morais, de coragem e de caráter que dão muito o que pensar. O exemplo de Astrojildo ensina que, entre a crítica “de gabinete”, empobrecida pelo afastamento da militância, de um lado, e a militância acrítica, o “praticismo”, a subestimação das exigências específicas da cultura e do rigor científico, de outro, há sempre a possibilidade – que deve ser firmemente concretizada – de se agir como um genuíno intelectual marxista”.
Leandro Konder

Crítica impura, de Astrojildo Pereira, tem prefácio de Joselia Aguiar, texto de orelha de Paulo Roberto Pires, anexo de Leandro Konder, e capa de Maikon Nery.

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Confira a aula Política e cultura, do curso 100 anos do PCB: vida e obra de Astrojildo Pereira, com José Paulo Netto e Joselia Aguiar e mediação de Luccas Maldonado, na TV Boitempo:

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Paulo Roberto Pires é jornalista, professor da Escola de Comunicação da UFRJ e editor da revista Serrote.

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