Um convite para acreditarmos no Brasil
Leiamos "Querido Lula", pois as cartas são um convite para acreditarmos que o Brasil pode dar certo, pois já vivemos a experiência de um futuro bom que aconteceu em um passado não tão distante. E, ao relembrar esse passado, vemos que é possível reconstruí-lo melhor ainda no presente.
Por Conceição Evaristo
Querido Lula: cartas a um presidente na prisão é um livro que precisa ser lido hoje, agora. Nos dias atuais, um profundo renovar de crenças em nossas representatividades políticas torna-se necessário para que sigamos cumprindo os nossos deveres cidadãos. Precisamos acreditar no comprometimento de quem elegemos, precisamos crer na pessoa que carrega consigo a nossa representatividade. Você me representa: você/eu, eu/você, você/nós, nós/você. Essa foi e é a junção de Lula com o povo, descrita e revelada nas cartas selecionadas para compor o livro e que exemplificam o teor de todas as 25 mil que foram enviadas para a prisão e para o Instituto Lula. Ler estas correspondências escritas pelas mais diversas pessoas, todas com o intuito de amparar, de acarinhar, de atenuar a solidão e o sofrimento do ex-presidente em seus dias de encarceramento, nos leva a pensar na possibilidade de cruzar política e afeto. Cuidado, apreço, respeito, mesmo nas missivas que “puxavam a orelha do Lula” por enganos políticos por ele cometidos. Entretanto, o ensinamento que as cartas nos oferecem é a apreensão de uma nova imagem do poder. O poder político que fora conferido a Luiz Inácio Lula da Silva por dois mandatos consecutivos na Presidência, pela escrita das cartas, aparece sugerindo um novo imaginário de relações entre um presidente e seu povo. A deferência, o respeito, o cuidado, o afeto, a proximidade desejada e efetuada pelas mensagens enviadas ao ex-presidente, ao comandante, ao camarada, nos colocam diante de uma nova maneira de estabelecer relações com o poder. Carta alguma vaza subserviência, puxa-saquismo, pedidos de favores… E, sim, uma consciência de vidas que se cruzam, de destinos partilhados, de experiências comuns e, por isso, de confiança mútua, compromissos políticos inaugurados na dinâmica da vida. Válida se faz a ressalva de que a recepção dada ao ex-presidente nasce, sim, dos extratos pobres da população, mas também das classes economicamente estruturadas. Os ricos aprenderam e aprendem com Lula que a pobreza não é um estado natural, mas produzida para o sustento da riqueza de alguns. Essa aprendizagem firma o compromisso desses sujeitos com partidos e políticos que verdadeiramente buscam corrigir antigos erros presentes na organização da sociedade brasileira. Tais afirmativas se fundamentam nas confissões feitas nas cartas enviadas a Lula: pessoas ricas compreendendo a injustiça que é a pobreza e, portanto, se comprometendo com a luta do ex-presidente.
As cartas ensinam que é possível e que é preciso experimentar política e afeto. Aliás, o caminho do afeto, da responsabilidade com o outro, deveria nortear a política. E ensinam muito mais. As cartas revelam, ou melhor, escrevem a história do cotidiano brasileiro e sua interferência na história política brasileira, e vice-versa. Mostram ainda como a vida particular de um sujeito, como a sua experiência pessoal, pode ser colocada a serviço de uma coletividade.
Leiamos Querido Lula, pois as cartas são um convite para acreditarmos que o Brasil pode dar certo, pois já vivemos a experiência de um futuro bom que aconteceu em um passado não tão distante. E, ao relembrar esse passado, vemos que é possível reconstruí-lo melhor ainda no presente.
Leiamos as cartas com atenção, e sem dificuldade alguma entenderemos e concordaremos com esta afirmativa endereçada ao ex-presidente: “O senhor é mais que uma ideia. O senhor é uma força, uma energia, uma presença. É a condição que permite as ideias emergirem, o senhor, querido presidente, é a própria história. E eu sou grata por você ser (e ter aceito ser) este destino por meio do qual muitos como eu puderam existir”.
De 7 de abril de 2018 a 8 de novembro de 2019, o ex-presidente Lula ficou encarcerado na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba. Foram 580 dias de cárcere, que marcaram definitivamente o rumo da história pessoal de Lula e também do Brasil: enquanto o país elegia um representante da extrema direita, um acampamento em frente à prisão se formou, organizações nacionais e internacionais lutavam na arena jurídica para reverter as injustas condenações, e milhares de brasileiros e brasileiras se solidarizaram com a situação do ex-presidente, seja por manifestações via internet ou pelo meio de comunicação mais antigo entre nós, as cartas.
A coletânea Querido Lula, organizada por Maud Chirio, reúne 46 missivas, de um total de 25 mil enviadas a ele durante o cárcere em Curitiba, procurando representar a imensa diversidade contida nas cartas, contemplando autores de diferentes origens sociais e regiões do país, com histórias de vida, tons e abordagens variadas.
Diferente de outras obras de estadistas encarcerados, que reúnem parte de sua comunicação com o mundo exterior, as cartas a Lula apresentam a visão daqueles que viram de longe o desenrolar da história. São demonstrações de solidariedade, de amor e esperança ao prisioneiro.
A publicação conta com apoio da Fundação Perseu Abramo e já está em pré-venda em nossa loja virtual e nas principais livrarias do país.
O espetáculo “Querido Lula: cartas do povo brasileiro” marca o lançamento do livro Querido Lula: cartas a um presidente na prisão. A apresentação tem como roteiro as correspondências que brasileiros de todo o país e também do exterior enviaram ao presidente no ano e meio em que esteve detido em Curitiba.
As cartas serão lidas por Zélia Duncan, Denise Fraga, Camila Pitanga, Preta Ferreira, Cleo Pires, Maria Ribeiro, Monica Iozzi, Celso Frateschi, Grace Passô, Erika Hilton, Deborah Duboc, Leandro Santos (Mussum Alive), Cida Moreira, Tulipa Ruiz e Cassia Damasceno, além de missivistas vindos de todo o país para ler suas próprias cartas. O encontro contará com a participação de Lula, Dilma Rousseff e do pré-candidato ao governo de São Paulo Fernando Haddad. O evento ocorrerá amanhã, dia 31 de maio de 2022, às 19h no Teatro Tuca, situado na Rua Monte Alegre, 1024, em São Paulo.
Os ingressos esgotaram, mas haverá fila de espera presencial, por ordem de chegada.
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Conceição Evaristo é escritora, ficcionista e ensaísta. Mestre em Literatura Brasileira pela PUC/Rio, doutora em Literatura Comparada pela UFF. Sua primeira publicação (1990) foi na série Cadernos Negros do grupo Quilombhoje. Tem 7 livros publicados, entre eles o vencedor do Jabuti, Olhos D’água (2015), 5 deles traduzidos para o inglês, o francês, espanhol e árabe. Prêmio do Governo de Minas Gerais pelo conjunto de sua obra; Prêmio Nicolás Guillén de Literatura pela Caribbean Philosophical Association; Prêmio Mestra das Periferias pelo Instituto Maria e João Aleixo (todos em 2018). Escritora homenageada em diversas Feiras Literárias, a mãe de Ainá – sua especial menina – em 2019, teve 3 de seus 7 livros, aprovados no PNLD Nacional e também foi a escritora Homenageada da Olimpíada de Língua Portuguesa pelo Itaú Social. Ainda no mesmo ano lançou seu Poemas da Recordação e Outros Movimentos em edição bilíngue (Português/Francês) no Salão do Livro de Paris. Foi homenageada pelo Prêmio Jabuti, ainda em 2019, como personalidade literária.
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