A exigência da emancipação humana na sua totalidade e diversidade
Cristiane Sabino comenta “A guerra civil dos Estados Unidos”, de Karl Marx e Friedrich Engels, obra que para além da análise conjuntural perpassa temas como a história da escravidão moderna, a conexão entre racismo e capitalismo e o caráter internacionalista da luta de classes.
ILUSTRAÇÃO DE CÁSSIO LOREDANO
Por Cristiane Sabino de Souza
Para Marx, a Guerra Civil nos Estados Unidos da América foi o “embate entre dois sistemas sociais: o sistema escravocrata e o sistema de trabalho livre”. Embora a questão da escravidão fosse o motivo da guerra, inicialmente a emancipação dos negros escravizados nem sequer era cogitada pelo lado “contrário à escravidão”. Diante disso, o filósofo alemão foi incansável em argumentar que o triunfo do trabalho livre dependia do combate revolucionário pela abolição da “mais perversa e despudorada forma de escravização do homem registrada nos anais da história”. Essa era a condição para que a guerra tivesse um sentido racional e não fosse apenas uma peleia política e constitucional; e, sobretudo, para que a classe trabalhadora livre pudesse dar um passo à frente na sua luta pela emancipação da exploração capitalista. “O trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é marcado a ferro”, era o que afirmava Marx.
Para além de análises de uma conjuntura de rápidas mudanças, como é a da guerra, em A guerra civil dos Estados Unidos há elementos teóricos que se fazem atuais, pertinentes e necessários. No conjunto da obra, afluem temas como a complexa história da escravidão moderna e sua relação com o desenvolvimento capitalista; a conexão entre racismo e luta de classes; a luta da classe trabalhadora, seu caráter internacionalista e a exigência da emancipação humana na sua totalidade e diversidade.
Ressaltam-se o medular combate à mídia serviçal das classes dominantes, representada pelos maiores jornais ingleses da época; as ponderações sobre o direito internacional e as relações internacionais comandadas pelos países capitalistas desenvolvidos; além das minuciosas análises sobre a arte da guerra feitas por Engels. É vigente a denúncia do “humanismo farsesco” e seletivo, bem como do caráter colonialista das grandes potências e suas permanentes tentativas de subordinação dos territórios periféricos, como no caso da intervenção no México pela França, naquele mesmo contexto.
Esses são apenas alguns destaques de como os artigos, cartas e documentos que compõem o livro demonstram a perspectiva universalista da contribuição teórica e política desses dois grandes intelectuais da classe trabalhadora. Eis mais uma expressão do seu empenho em estudar com profundidade as particularidades históricas em desenvolvimento e o significado disso para a luta pela emancipação humana.
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Entre 1860 e 1869, Karl Marx e Friedrich Engels produziram dezenas de artigos, cartas e documentos sobre a Guerra Civil Americana (1861-1865). Com escritos selecionados a partir da análise das principais coletâneas internacionais dos autores sobre o assunto, esta edição de A guerra civil dos Estados Unidos é a mais completa compilação em português sobre o tema, com 53 artigos, 4 documentos e 73 excertos de cartas traduzidos do idioma original.
Trigésimo volume da coleção Marx-Engels, o livro revela o pensamento dos autores sobre a política e o desenvolvimento do capitalismo de sua época. Abrangendo o que Kevin Anderson chamou de “alguns dos mais significativos textos de Marx sobre raça e classe”, a obra certamente ajudará a sedimentar e aprofundar nosso conhecimento sobre a tematização pelos autores de um conjunto de questões supostamente negligenciadas em sua reflexão: escravidão, etnia, colonialismo, eurocentrismo.
Conforme Marcelo Badaró Mattos aponta no prefácio, longe de constituir reflexões de ocasião, os textos coligidos na obra fazem parte de um momento decisivo de desenvolvimento do pensamento de Marx, que à época preparava a publicação de sua obra-prima, O capital. É possível ver neles a ampliação de abrangência e a complexificação do aparato conceitual empregado pelo autor que, tendo esquadrinhado a via de surgimento e desenvolvimento do capitalismo europeu, buscava então situar o desenvolvimento do capitalismo mundial em chave multilinear.
A guerra civil dos Estados Unidos tem seleção e organização de textos de Murillo van der Laan, tradução de Luiz Felipe Osório e Murillo van der Laan, prefácio de Marcelo Badaró Mattos, texto de orelha de Cristiane L. Sabino de Souza e capa de Camila Nakazone sobre desenho de Cássio Loredano.
Confira a live de lançamento de A guerra civil dos Estados Unidos, com Agnus Lauriano, Cristiane Sabino, Murillo van der Laan e Marina Machado Gouvea (mediação), na TV Boitempo:
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Cristiane Sabino de Souza é doutora em Serviço Social. Docente no Departamento de Serviço Social da UFSC. Educadora Popular e integrante do Coletivo Veias Abertas – IELA/UFSC. Autora do livro Racismo e Luta de classes na América Latina.
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