O otimismo transformador de Patricia Hill Collins
O campo de Patricia Hill Collins é a sociologia do conhecimento, mas a interseccionalidade não é uma ferramenta para meramente explicar ou manter a ordem social, e sim para criticá-la e fornecer o mapa do caminho para sua transformação, levando a sério o conhecimento produzido pelos grupos marginalizados.
Por Elaini Cristina Gonzaga da Silva
Em 2019, paralelamente ao lançamento no Brasil de Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento, de 1990, Patricia Hill Collins publicava nos Estados Unidos Intersectionality as Critical Social Theory, cuja tradução para o português recebemos agora. Naquele momento, em conversa com Patricia sobre o livro, comentei que, em nossas discussões a respeito dos trabalhos das autoras feministas sobre conhecimento situado, nós as havíamos classificado como pessimistas e otimistas, no que concerne à possibilidade de superação de um cenário de produção de conhecimento que perpetua desigualdades sociais – e que ela tinha sido incluída entre as otimistas. Sorrindo, ela respondeu enfaticamente que sim, a classificação estava correta, ela é uma otimista com relação à possibilidade de superação de um projeto de conhecimento que perpetua desigualdades.
E sua obra deve ser lida nesta chave. Seu campo é a sociologia do conhecimento, mas a interseccionalidade não é uma ferramenta para meramente explicar ou manter a ordem social, e sim para criticá-la e fornecer o mapa do caminho para sua transformação, levando a sério o conhecimento produzido pelos grupos marginalizados.
Em Bem mais que ideias: a interseccionalidade como teoria social crítica, Patrícia Hill Collins desenvolve seu projeto em quatro partes sucessivas: na primeira, apresenta a interseccionalidade como pensamento crítico e avalia o que existe de crítico na teoria crítica; na segunda, aborda o conhecimento como poder e a resistência intelectual; na terceira, destaca a ação social como forma de conhecimento, pensando experiência, comunidade e a definição de liberdade; e, por fim, na quarta, resgata o caráter relacional necessariamente presente na discussão sobre interseccionalidade e a ligação desta com a justiça social.
A definição de interseccionalidade em 2019 não é uma mera repetição da de 1990. A autora a desenvolveu num diálogo profundo com os movimentos sociais e a realidade histórica; e faz questão de frisar que o livro foi pensado para que qualquer pessoa possa lê-lo e compreendê-lo. Seu objetivo é influenciar o debate público – e não resta dúvida de que essas reflexões contribuirão positivamente para uma discussão mais qualificada.
Após a consolidação da interseccionalidade como campo de investigação, é necessário que o conceito se torne uma teoria social crítica capaz de abordar problemas sociais contemporâneos e apontar as mudanças necessárias para solucioná-los. Em Bem mais que ideias, a socióloga Patricia Hill Collins apresenta um conjunto de ferramentas analíticas para impulsionar essa mudança.
Dividida em quatro partes, a obra busca fornecer ferramentas conceituais para a construção teórica da interseccionalidade, o que inclui um vocabulário básico para trazer uma gama de agentes sociais para a mesa da construção teórica e a noção do que são interseccionalidade e teoria social crítica. Em seguida, o livro diz como o poder epistêmico afeta os limites e a possibilidade da resistência intelectual. A ação social é então mostrada como aspecto importante da teorização da interseccionalidade. Por último, é abordada a relacionalidade como tema central dentro da interseccionalidade e seu compromisso com a justiça social. Algo que, na visão da autora, precisa ser construído.
O livro de Patricia Hill Collins tem tradução de Bruna Barros e Jess Oliveira, texto de orelha de Elaini Cristina Gonzaga da Silva e capa de Flavia Bomfim.
Confira o curso Pensamento feminista negro, com Patricia Hill Collins na TV Boitempo:
Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento, de Patricia Hill Collins
Escrito em 1990, o livro faz parte do cânone bibliográfico dos estudos de gênero e raça nos Estados Unidos. A autora mapeia os principais temas e ideias tratados por intelectuais e ativistas negras estadunidenses como Angela Davis, bell hooks, Alice Walker e Audre Lorde, e assim constrói um panorama do feminismo negro com referências de dentro e de fora da academia. Nesta obra intelectualmente rigorosa, Collins contempla tradições teóricas diversas, como a filosofia afrocêntrica, a teoria feminista, o pensamento social marxista, a teoria crítica e o pós-modernismo.
Interseccionalidade, de Patricia Hill Collins e Sirma Bilge
A interseccionalidade se tornou tema recorrente nos círculos acadêmicos e militantes. Mas qual é o significado exato do termo e por que surgiu como ferramenta indispensável para pensar as desigualdades sociais de raça, classe, gênero, sexualidade, idade, capacidade e etnia? Nesta obra, as autoras fornecem uma introdução necessária ao campo do conhecimento e da práxis interseccional. Elas analisam o surgimento, o crescimento e os contornos do conceito e mostram como as estruturas interseccionais abordam temas diversos, como direitos humanos, neoliberalismo, política de identidade, imigração, hip hop, protestos sociais, diversidade, mídias digitais, feminismo negro no Brasil, violência e Copa do Mundo de futebol.
Saiba mais:
Quem é Patricia Hill Collins?
Um guia teórico, metodológico e político para o feminismo negro, por Nubia Regina Moreira
A urgência do pensamento feminista negro para a democracia, por Juliana Borges
A perspectiva do feminismo negro sobre violências históricas e simbólicas, por Djamila Ribeiro
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Elaini Cristina Gonzaga da Silva possui graduação em Direito, mestrado e doutorado em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP). Durante o doutorado, foi pesquisadora visitante do programa desiguALdades.net da Universidade Livre de Berlim e do Instituto Ibero-Americano (2010-2011) e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP) (2011). É professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e do Centro Universitário FECAP. É pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e diretora do Orbis – Centro de Estudos em Direito e Relações Internacionais.
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