Cultura inútil: Prisão, cárcere, cadeia…

De Nietszche, Sócrates e Clarice Lispector, passando por Gabriela Mistral, Bob Dylan e Jim Carrey, Mouzar Benedito faz uma seleção de frases sobre a privação da liberdade.

Por Mouzar Benedito.

Dois incêndios em São Paulo foram notícia em julho: um que chamuscou a estátua do bandeirante Borba Gato, outro que destruiu um acervo importantíssimo da Cinemateca Brasileira.

O primeiro, como protesto contra o culto a preadores de índios, tidos como heróis. O segundo, fruto do descaso do governo federal, que proporcionou as condições para que o incêndio ocorresse. Resultados práticos: uma estátua apenas chamuscada, que os autores podiam ser condenados a recuperar, um acervo cultural destruído e sem chance de recuperação. O secretário especial da Cultura, do governo federal, ironizou comparando os dois fogos.

Ah, um deu cadeia, né? E lógico, o inconsequente. O com consequências deve ter sido secretamente comemorado por esse pessoal que fecha os olhos para a queima da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado. Inimigos do meio ambiente, da cultura e dos direitos humanos não têm nada a lamentar.

Resolvi escrever um pouco sobre cadeia… lugar para onde não vão alguns grandes merecedores.

Para não ficar uma coisa mal-humorada, começo com uma história do Barão de Itararé, preso por causa da “Intentona Comunista”, em 1935. Primeiro, passou uns meses num navio prisão na baía de Guanabara. Depois foi transferido para um presídio onde já havia um monte de presos.

Uma forma de comunicação entre os presos – que além de trocar informações faziam críticas, liam trechos de livros e cantavam – era a Rádio Libertadora, que funcionava à noite, depois que os presos voltavam aos seus cubículos. Gritavam na grade da porta e os outros ouviam de suas celas. Quando o Barão entrou, foi um zunzunzum, todo mundo pedindo que o Barão falasse na Rádio Libertadora. E ele falou, para alegria geral, segundo Graciliano Ramos conta no livro Memórias do Cárcere:

— Tudo vai bem. Não há motivo para receio. O que pode nos acontecer? Somos postos em liberdade ou continuamos presos. Se nos soltam, ótimo: é o que desejamos. Se ficamos presos, deixam-nos com processo ou sem processo. Se não nos processam, ótimo: faltam provas e aí, cedo ou tarde nos mandam embora. Se nos processam, seremos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvem, ótimo: nada melhor, esperávamos isso. Se nos condenam, nos darão uma pena leve ou pena grande. Se for leve, ótimo: descansaremos algum tempo sustentados pelo governo, depois iremos para a rua. Se for pena grande, seremos anistiados ou não. Se formos anistiados, ótimo: é como se não tivesse havido condenação. Se não nos anistiarem, cumpriremos a sentença ou morreremos. Se cumprirmos a sentença, ótimo: depois voltaremos para casa. Se morrermos, iremos para o céu ou para o inferno. Se formos para o céu, ótimo: é a suprema aspiração de cada um. Se formos para o inferno, não há porque nos alarmarmos: é uma desgraça que pode acontecer com qualquer um, preso ou em casa.

Pois bem. Coletei frases sobre cadeia, prisão, cárcere…

Depois das frases, para quem tiver saco pra ler, mais umas historinhas relacionadas ao tema prisão.

Virgínia Wolf: “Como somos uma espécie condenada, prisioneiros num barco, como tudo é uma farsa de mau gosto, desempenhemos, afinal de contas, nosso papel; mitiguemos as penas dos nossos companheiros de prisão. Decoremos o calabouço com flores e almofadas; sejamos o mais corretos possível”.

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Peter Ustinov: “Uma vez que somos destinados a viver as nossas vidas na prisão das nossas mentes, o nosso dever é mobiliá-la bem”.

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Carlo Dossi: “O que é a honestidade senão o medo da prisão?”.

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Não sei quem: “Não são as pessoas que estão atrás das grades que deviam nos preocupar, mas as que não estão”.

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Evandro Lins e Silva: “A prisão é uma incubadora cara, prolífica e eficaz para a geração e crescimento de marginais, aperfeiçoados pelo convívio com outros marginais já reincidentes”.

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Nietszche: “As convicções são cárceres. Mais inimigas da verdade do que as próprias mentiras”.

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Sofocleto: “As melhores coisas sobre a liberdade têm sido escritas no cárcere”.

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Khalil Gibran: “O prisioneiro que tem a porta do seu cárcere aberta e não se liberta é um covarde”.

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Platão: “O corpo é o cárcere da alma”.

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Sócrates: “Achei que convinha mais correr perigo com o que era justo do que, por medo da morte e do cárcere, concordar com o injusto”.

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Charles Colson: “Eu estava determinado: ninguém me corromperia. Ainda assim fui para a prisão por obstrução da justiça”.

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Eduardo Galeano: “A liberdade do dinheiro exige trabalhadores presos no cárcere do medo”.

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Sérgio Vieira de Mello: “Não há cárcere bonito, nem amores feios”.

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Fernando Pessoa: “O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma”.

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Balzac: “Um EU demasiado poderoso é uma prisão da qual o homem deve evadir-se se deseja gozar plenamente os bens deste mundo”.

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Jim Carrey (ator canadense): “A fama é a pior coisa que pode acontecer. Comprei uma casa bem bonita; já que não posso sair dela, tenho a mais incrível prisão do mundo”.

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Ho Chi Minh: “Pessoas que saem da prisão podem construir o país. O infortúnio é um teste de fidelidade. E aqueles que protestam contra injustiça são pessoas de verdadeiro mérito. Quando as portas da prisão são abertas, o dragão real voa”.

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Paul Morand (diplomata e escritor francês): “Os salões e as academias matam mais revolucionários do que as prisões e os canhões”.

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Clarice Lispector: “Brasília? Uma prisão a céu aberto”.

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Henry David Thoreau: “Sob um governo que prende injustamente, o lugar de um justo também é na cadeia”.

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Millôr Fernandes: “A sociedade brasileira é das mais curiosas do mundo. Mal tem condições de ter emprego de um salário mínimo. Mas se um pobre transgride suas regras, bota-o numa prisão que custa seis salários mínimos”.

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Gabriela Mistral: “Todo país escravizado por outro ou outros países, tem na mão, enquanto souber ou puder conservar sua própria língua, a chave da prisão onde jaz”.

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Bob Dylan: “Ouvir Elvis é como escapar da prisão”.

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Santo Agostinho: “Dois homens olharam através das grades da prisão; um viu a lama, o outro as estrelas”.

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Tolstói: “Quem nunca esteve na prisão não sabe como é o Estado”.

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Arthur Conan Doyle: “Nenhuma cadeia é mais forte do que seu elo mais fraco”.

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Eu: “Para o preso pessimista, o regime semiaberto é meio fechado”.

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Carlos Drummond de Andrade: “Preso à minha classe e algumas roupas, vou de branco pelas ruas cinzentas”.

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Stanislaw Ponte Preta: “Política tem esta desvantagem: de vez em quando, o sujeito vai preso, em nome da liberdade”.

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Eu: “A Lei do Ventre Livre, ao contrário do que pensam certas pessoas, não foi feita para acabar com a prisão de ventre”.

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Rosa Luxemburgo: “No meio das trevas, sorrio à vida, como se conhecesse a fórmula mágica que transforma o mal e a tristeza em claridade e em felicidade. Então procuro a razão para esta alegria, não a acho e não posso deixar de rir de mim mesma. Creio que a própria vida é o único segredo”.

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Historinhas…

1.

De novo o Barão de Itararé e a “Intentona”…

Em 1935, o Barão participou da fundação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e foram feitas na redação do seu jornal, A Manhã, várias reuniões da organização. A ANL foi proibida pela nova Lei de Segurança Nacional, uma lei autoritária, antidemocrática, que mereceu críticas até de um deputado conservador de Goiás. O Barão ironizou: “A nova lei de segurança desagradou a gregos e goianos”. Em novembro estourou precipitadamente uma revolta comunista – conhecida como “Intentona” – que não deu certo e houve prisões em massa de membros da ANL, ainda que eles não tivessem participado da revolta. Era o caso do Barão, que contava depois: “A Manhã parou de circular, e eu com ela”.

Foi levado ao juiz Castro Nunes, que lhe perguntou se sabia o motivo de sua prisão.

– Tenho pensado muito, Excelência, e só posso atribuí-la ao cafezinho – respondeu.

O juiz se surpreendeu, pediu explicação, e o Barão continuou:

– Eu estava sentado no café Belas Artes, na avenida Rio Branco, tomando o meu oitavo cafezinho e pensando em minha mãe, que sempre me advertiu contra o excessivo consumo de café. Nesse momento, chegaram os policiais e me deram voz de prisão. Só pode ser um castigo pelo abuso do cafezinho.

2.

Um amigo meu, ex-preso político, que passou 8 anos e 7 meses em cana no Rio de Janeiro, recebeu uma festa de militantes pela Anistia, na noite do dia em que foi libertado. Era no nono andar de um prédio. Ele ficou quase o tempo todo debruçado na janela, olhando o movimento da rua. Explicação: nos presídios pelos quais passou, as celas tinham uma janelinha no alto da parede e era a única visão externa para ele. Olhava para cima. Mesmo nos pátios para tomar sol, só olhava para cima, por causa dos muros altos. Foi a primeira oportunidade de, em quase 9 anos, olhar para baixo.

3.

Outro amigo passou um pouco mais de 9 anos como preso político. Um dia, poucos meses antes de ser libertado, sonhou com uma coisa que não via há muito tempo. Saudade? Não sei, mas só mesmo um preso poderia ter um sonho em que o personagem central era um poste. Um poste! E nem tinha cachorro mijando nele.

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2017, e-book). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às terças. 

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