Ética e estética no jovem Lukács

Ricardo Musse examina “Estética da resistência: a autonomia da arte no jovem Lukács”, de Arlenice Almeida, enfatizando a reconstrução dos vínculos entre ética e estética na obra do filósofo húngaro feita pela autora.

Por Ricardo Musse.

Em Estética da resistência: a autonomia da arte no jovem Lukács, Arlenice Almeida da Silva debruça-se sobre a teoria da autonomia da arte desenvolvida por György Lukács em seus escritos de juventude. Esse tema – divisor de águas na discussão estética desde o fim do século XVIII, palavra de ordem da vertente autodeclarada “modernista” – tem um de seus pontos altos na obra de Lukács do período 1908-1918. A originalidade dessa reflexão, derivada em larga medida de uma crítica certeira das premissas do Romantismo e do Idealismo alemão, tornou-a um ponto de partida incontornável na meditação sobre esse tópico desdobrada nos últimos cem anos por artistas, estetas e filósofos das mais diversas tendências e escolas.

A questão da autonomia da arte constitui, no entanto, apenas o estopim do livro. O detalhamento do tema exige uma exposição abrangente, à qual Arlenice não se furta, da integralidade da produção de Lukács no período. O leitor é conduzido, com clareza e didatismo, por conteúdos e contextos de obras de difícil compreensão: a crítica filosófico-teatral que ordena a Evolução histórica do drama moderno; os ensaios reunidos em A alma e as formas e a “Carta a Leo Popper”, que justifica a composição desta obra; as reflexões sobre os diferentes tipos de narrativa – dos gregos aos russos do fim do século XIX – presentes em A teoria do romance e o esforço de síntese detectável nos fragmentos do manuscrito da Estética de Heidelberg.

Estética da resistência pode ser descrito assim como uma reconstrução da primeira estética de György Lukács. Nessa direção, a autora destaca os pontos de continuidade e de ruptura do teórico húngaro com o racionalismo kantiano, a metafísica dos românticos e a filosofia especulativa de Hegel. O eixo dessa comparação consiste na identificação dos fundamentos do “método histórico-filosófico” de Lukács, inventariados a partir de uma competente perquirição da crítica imanente desse autor a um conjunto – cuja amplitude não deixa de impressionar – de obras de arte particulares.

Ainda mais. Atenta a uma sugestão de Lucien Goldmann (pouco desenvolvida por ele), Arlenice destaca o papel dessa “primeira estética” na inflexão filosófica do início do século XX na direção do “existencialismo alemão” e da “filosofia da vida (e da duração) francesa”. Salienta-se assim a aproximação entre ética e estética, mostrando como a percepção do mal-estar cristalizado na arte desencadeia no jovem Lukács um processo de consciência política, o qual exige uma atitude prática que o leva a aderir ao marxismo durante a Revolução Húngara de 1919.

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Arlenice Almeida da Silva, professora de estética e filosofia da arte na Unifesp, examina em Estética da resistência os primeiros escritos estéticos de György Lukács. Com base em ensaios, cartas, diários e manuscritos inacabados de Lukács, escritos entre 1908 e 1918, a autora demonstra a atualidade e a relevância da primeira estética do filósofo húngaro, buscando preencher uma lacuna nos estudos sobre essa fase do pensamento lukacsiano no Brasil.

A primeira parte do livro aproxima esses escritos do contexto das vanguardas europeias, em especial a húngara e a alemã, detalhando a análise de Lukács sobre o fenômeno da cultura na modernidade. Em diálogo com o romantismo, destaca-se a originalidade de sua crítica estética, baseada na reflexão histórica e filosófica dos gêneros literários e de autores particulares, como Theodor Storm, Stefan George, Paul Ernst, Novalis, Laurence Sterne, Charles-Louis Philippe, Richard Beer-Hofmann e Søren Kierkegaard.

Na segunda parte, a obra demonstra como o jovem Lukács, em diálogo com várias correntes do pensamento pós-kantiano, estruturou uma estética centrada na autonomia da obra de arte. Emerge da leitura, ao fim, um Lukács ainda jovem e sempre vivo, interessado em buscar novas formas para expressar os impasses de nossas antigas encruzilhadas.

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O livro de Arlenice Almeida da Silva tem prefácio de Jorge de Almeida, texto de orelha de Ricardo Musse, capa de Leticia Antonio e apoio da Fapesp.

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Saiba mais:

Blog da Boitempo: As últimas entrevistas de Lukács, por Anderson Deo
Blog da Boitempo: Conheça a Biblioteca Lukács da Boitempo!
TV Boitempo: Curso completo György Lukács

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Ricardo Musse é professor no departamento de sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo. Doutor em filosofia pela Usp (1998) e mestre em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1992). Atualmente, integra o Laboratório de Estudos Marxistas da USP (Lemarx-Usp) e colabora para a revista Margem Esquerda, revista semestral da Boitempo.

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