Um significante de resistência orientado por uma verdade

Christian Dunker comenta o livro “Camarada”, de Jodi Dean, destacando que a partir da literatura, do cinema, da psicanálise e da história, a autora nos mostra como a política é feita de laços e amizades, de sentimentos e apostas.

Amanhã, dia 21 de julho, Christian Dunker participa da live de lançamento de Camarada na TV Boitempo. Saiba mais ao final deste post.

Por Christian Dunker.

Em Camarada: um ensaio sobre pertencimento político, trabalho de reconstrução histórica do sentido da militância e do ativismo, Jodi Dean traz uma oportuna arqueologia da esquecida e seminal figura do camarada. Passando pela literatura, pelo cinema, pela psicanálise e pela história, ela nos mostra como a política é feita de laços e amizades, de sentimentos e apostas. Em torno da noção de camarada, ela nos faz lembrar como o desejo circula nessa formação ética tão particular, capaz de reunir em si disciplina, alegria, entusiasmo e coragem.

A autora nos mostra que o camarada, longe de se ver representado apenas na figura do homem branco europeu – ainda que nascido no contexto do partido –, há muito a supera e transcende. Sob esse significante de resistência, reúnem-se múltiplas formas de vida e identidades caracterizadas por uma condição comum, de luta pela igualdade e pela solidariedade. Comunistas, socialistas, anarquistas, cooperativistas são todos camaradas; mas, ainda que ele possa ser qualquer um, nem todo mundo pode ser um camarada. Há, portanto, um diagnóstico que atravessa o elogio do camarada mostrando que este declina enquanto figura política à medida que a forma da luta se torna cada vez mais o indivíduo e seu mais-de-gozar particular, que é a identidade. A diferença entre ser igual e desejar na mesma direção torna-se, assim, crucial. E é nessa posição terceira que convém a verdade de que o camarada é um indutor da experiência do comum, experiência orientada pela fidelidade a uma verdade.

Camaradas não estão juntos porque se aliaram estrategicamente em torno de seus sistemas de interesse, tampouco demandam reconhecimento entrópico dos próprios traços narcísicos, pois no fundo não se trata de descrever quem somos, mas de evoluirmos nessa jornada de solidariedade e transformação do mundo.

No cenário neoliberal de mudança da política por ética e economia, muitas virtudes clássicas do camarada estão diluídas e domesticadas na forma indivíduo: autocultivo, autogestão, autodependência, autoabsorção, autodeterminação. Mas não é com indivíduos responsáveis, cumpridores de ordens e amantes da moral que lidaremos com um mundo por vir e indeterminado. Para isso, precisaremos do retorno à camaradagem.

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No século XX, milhões de pessoas em todo o globo se dirigiam umas às outras como “camarada”. Hoje, em círculos de esquerda é mais comum ouvir falar em “aliados”. Em Camarada: um ensaio sobre pertencimento político, Jodi Dean insiste no fato de que essa mudança exemplifica o problema fundamental da esquerda contemporânea: a sobreposição da identidade política a uma relação de pertencimento político que precisa ser construída, sustentada e defendida.

Neste ensaio com recortes e análises bastante originais, Dean nos oferece uma teoria da camaradagem. Camaradas são pessoas que se encontram de um mesmo lado de uma luta política. Unindo-se voluntariamente por justiça, sua relação é caracterizada por disciplina, coragem e entusiasmo.

Analisando o igualitarismo da figura do camarada à luz das diferenças de raça e gênero, Dean recorre a um leque de exemplos históricos e literários, como os de Harry Haywood, C. L. R. James, Aleksandra Kollontai e Doris Lessing. Eis um livro curto que articula história, psicanálise e filosofia num texto prazeroso de ler como ensaio de interesse geral.

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“Vivemos tempos de mais sombra que luz e frequentemente nos perguntamos o que será capaz de costurar as pautas e as agendas de quem resiste e luta contra o obscurantismo e a extrema direita. O que é capaz de nos dar sentido de luta comum em um momento histórico em que, cada vez mais, mesmo nas estruturas partidárias, nos organizarmos atomizados a partir de nossas identidades? Jodi Dean nos propõe a camaradagem como resposta. Este livro nos lembra de que somos diversos e podemos estar do mesmo lado.”
— MANUELA D’ÁVILA

“É disto que todas as pessoas engajadas nas atuais lutas por emancipação precisam: uma combinação singular de rigor teórico e avaliação sensata do impasse em que nos encontramos. Para quem ainda nutre ilusões sobre a democracia liberal, devemos simplesmente dizer: leia Jodi Dean.”
— SLAVOJ ŽIŽEK

“Jodi Dean mobiliza a figura do camarada como forma de tratamento e índice de pertencimento. Seu texto é espirituoso do começo ao fim; mordaz como é necessário ser contra aqueles que preferem atrapalhar ou confundir as perspectivas de uma política igualitária; urgente como um programa de luta comum nestes tempos de autoritarismo, sexismo e racismo renovados.”
— BRUNO BOSTEELS

“A análise afiada que Jodi Dean faz dos impasses da esquerda é uma espécie de réquiem para boa parte da fanfarronice 2.0 da última década.”
— MARK FISHER

“Camarada: ao mesmo tempo um nome de guerra e uma forma de tratamento amorosa. Palavra que constrói a organização política e a luta; que faz reviverem os heróis que se foram.”
— ANTONIO NEGRI

O livro de Jodi Dean tem tradução de Artur Renzo, textos de orelha de Christian Dunker, Manuela d’Ávila, Slavoj Žižek, Bruno Bosteels e Mark Fisher, quarta capa de Antonio Negri e capa da Porto Rocha & No Ideas.

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E-book à venda nas principais lojas do ramo:


Não perca a live de lançamento de Camarada: um ensaio sobre pertencimento político nessa quarta-feira, dia 21 de julho, às 11h, na TV Boitempo. Debate com Manuela D’Ávila, Christian Dunker e Jones Manoel, com mediação de Marcelo Bamonte:

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Saiba mais:

Blog da Boitempo: Revolução ou ruína, por Jodi Dean e Kai Heron
Margem Esquerda #36: Neofeudalismo: o fim do capitalismo?, artigo de Jodi Dean na revista da Boitempo
Jacobin Brasil: Precisamos de camaradagem, por Jodi Dean
TraduAgindo: De aliados a camaradas, por Jodi Dean
Canal Classe Esquerda: entrevista com Jodi Dean, por Marcelo Bamonte
Grifa Podcast: Grifo Nosso – Prefácio: Camarada, de Jodi Dean
Grifa Podcast: 017 – Camarada, de Jodi Dean

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Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista, professor Livre-Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Analista Membro de Escola (A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano e fundador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Autor de Estrutura e Constituição da Clínica Psicanalítica (AnnaBlume, 2011) vencedor do prêmio Jabuti de melhor livro em Psicologia e Psicanálise em 2012 e um dos autores da coletânea Bala Perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação (Boitempo, 2015). Pela Boitempo, publicou ainda A arte da quarentena para principiantes (2020) e Mal-estar, sofrimento e sintoma: a psicopatologia do Brasil entre muros (Boitempo, 2015), vencedor do prêmio Jabuti na categoria de Psicologia e Psicanálise. Desde 2008 coordena, junto com Vladimir Safatle e Nelson da Silva Junior, o projeto de pesquisa Patologias do Social: crítica da razão diagnóstica em psicanálise. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

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