Émile Zola e a energia desumana que impulsiona o capital
Escrito em 1891, clássico sobre a especulação financeira em Paris traz muitas similaridades com o mundo contemporâneo ao tratar sobre crise bancária e financeira, práticas ilícitas, manipulação da imprensa, política, poder e sexo.
Por Mario Sergio Conti.
Os personagens de O dinheiro precisam desesperadamente de dinheiro na Paris da segunda metade do século XIX, um tempo de concentração aguda da riqueza. Nenhum montante obtido lhes aplaca a vontade de ter quantias ainda maiores. A busca frenética pela fortuna adquire vida própria e vira um torvelinho que os impele à autodestruição.
O romance de Émile Zola se passa no fim do Império de Napoleão III, o sobrinho de Bonaparte que se fez eleger presidente, deu um golpe de Estado e impôs uma ditadura. São os anos em que o prefeito Georges-Eugène Haussmann desapropriou grande parte de Paris para abrir os bulevares que marcam sua paisagem, época em que a intervenção francesa se estendia do Oriente à América e as potências europeias se atritavam na disputa por novos e velhos mercados.
O tema de O dinheiro é a energia desumana que impulsionou a expansão do Segundo Império. Especificamente, o capital proveniente da especulação ciclópica, das ações e debêntures que mudavam de mãos num piscar de olhos. O dinheiro em papéis se irradiava por um sem-número de iniciativas ao redor do mundo, na procura febril por novos investimentos lucrativos – por mais e mais riqueza.
O centro nevrálgico da obra é a Bolsa de Paris. Ali, em meio a “uma cloaca de lama amarelada e líquida”, opera Aristide Saccard, um cinquentão arruinado que tenta se reerguer. Ele é ambicioso, sem escrúpulos, audaz. Como não tem um centavo, precisa de negócios em potencial ou fictícios, de empresas frágeis cujas ações ele negocia na Bolsa.
O rufião cativa um par de irmãos crédulos, Hamelin e Caroline, que acaba de chegar do Oriente com uma série de empreendimentos no gatilho. Fundam juntos o Banco Universal, que atrai milhares de pequenos investidores por meio de truques contábeis, fraudes, informações privilegiadas e corrupção da imprensa.
O dinheiro não lhes traz felicidade. Ele vem manchado de dores, sangue, mentiras, exploração. A esbórnia dos ganhos fáceis converge para a “sexta-feira negra” na qual Zola faz a jogatina explodir. Só os donos do dinheiro grosso escapam.
Mesmo assim, Sigismond, o personagem que estuda Marx, diz no seu derradeiro delírio que um dia o trabalho livre vai gerar uma sociedade que prescindirá do dinheiro. Mas aí O dinheiro acaba – e o dinheiro de verdade parte em busca de outras paragens, mais lucrativas. No leitor, porém, fica a constatação de que aquele tempo não acabou e que o romance de Zola fala dos dias que correm.
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Em Paris, Aristide Saccard recomeça do zero após uma sequência de maus negócios. Após vender sua luxuosa propriedade, inicia um serviço que promete ganhos rápidos a pequenos investidores. Com uma estratégia de divulgação agressiva, seduz vários clientes. Rapidamente, Saccard alcança de novo a riqueza e o prestígio na alta sociedade – mas o negócio que criou é um esquema de investimento fictício e ilegal.
O dinheiro integra a série Rougon-Macquart e, escrito em 1891, aborda a especulação financeira na época em que Paris operava uma das maiores bolsas de valores do mundo. A obra traz muitas similaridades com o mundo contemporâneo com enredos que envolvem crise bancária e financeira, práticas ilícitas, manipulação da imprensa, política, poder e sexo.
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“O dinheiro, as finanças e a especulação tornaram-se uma obsessão tão grande para a burguesia parisiense na época do Segundo Império que a Bolsa se converteu em um centro de corrupção e especulação desenfreada, engolindo muitas fortunas. Sua influência nefanda sobre a vida cotidiana foi imortalizada neste romance.”
– DAVID HARVEY
“Émile Zola evoca a ‘febre’, o ‘frenesi’, a ‘fúria’, a ‘loucura’ da corrida mortífera pelo lucro. O entusiasmo especulativo, alimentado por artifícios de crédito, acalenta a ilusão do dinheiro que faz dinheiro, até que, na crise e pela crise, a realidade chame a ficção à ordem.”
– DANIEL BENSAÏD
“Tensão febril e excitação perpétua. O desenvolvimento capitalista trouxe a humanidade a um nível tão baixo que ela só conhece e só consegue conhecer um fim: o dinheiro. Ele se tornou o principal motor, o alfa e o ômega de todas as ações humanas. Zola nunca havia representado com tanto talento as virtudes e os vícios engendrados pelo rei-dinheiro antes desta obra.”
– PAUL LAFARGUE
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O dinheiro, de Émile Zola, foi traduzido por Nair Fonseca e João Alexandre Peschanski, tem texto de orelha de Mario Sergio Conti, textos de quarta-capa de David Harvey, Daniel Bensaïd e Paul Lafargue, e capa de Rafael Nobre. O livro é uma publicação da editora Boitempo com o apoio da Embaixada da França no Brasil.
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E-book à venda nas principais lojas do ramo:
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Mario Sérgio Conti é jornalista, apresentador e editor.
Excelente livro, muito bom para entender o processo de financeirização do capital.
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