A preocupação ecológica de Marx para a superação da ordem capitalista destrutiva

Murillo van der Laan escreve sobre “O ecossocialismo de Karl Marx”, de Kohei Saito, indicando que mais do que uma defesa de Marx contra as recorrentes acusações de predominância de um prometeísmo em sua obra, Saito apresenta uma tese contundente a respeito da gênese e do desenvolvimento de um quadro interpretativo sobre as questões ambientais.

Por Murillo van der Laan.

Vencedor do Deutscher Memorial Prize em 2018, O ecossocialismo de Karl Marx é contribuição decisiva para as pesquisas sobre a relação entre o pensamento marxiano e as questões ambientais.

Kohei Saito segue um caminho aberto há mais de duas décadas por John Bellamy Foster, Paul Burkett e demais integrantes da chamada escola da ruptura metabólica – linha interpretativa que tem como ponto de apoio as investigações pioneiras de István Mészáros a partir de A teoria da alienação em Marx. Saito, contudo, procura avançar e consolidar os argumentos dessa tradição apresentando-nos a tese de que não é possível compreender todo o escopo da crítica da economia política marxiana se ignoramos sua dimensão ecológica.

O autor leva a sério uma abordagem processual do desenvolvimento da teoria de Marx e demonstra como a alienação entre seres humanos e natureza no capitalismo ganha concretude no pensamento marxiano a partir da assimilação crítica do conceito de “metabolismo”. Saito demonstra minuciosamente as diversas fases, nuances e significados de tal apropriação, desde sua primeira aparição nos chamados Cadernos de Londres, em 1851, até o delineamento do problema de fundo da inter-relação entre formas econômicas e mundo material concreto.

Apoiando-se nas interpretações de O capital dos pensadores japoneses Samezo Kuruma e Teinosuke Otani para analisar valor, trabalho abstrato e reificação, Saito critica as leituras marxistas que se concentraram demasiadamente nas formas econômicas e negligenciaram as tensões entre a forma reificada do capital e as dimensões materiais da força de trabalho e do mundo natural.

Essa tensão seria a chave não apenas para uma leitura enriquecida de O capital, mas para avançar uma hipótese sobre o profundo interesse de Marx pelas ciências naturais. Com erudição impressionante e desenvolvendo uma pesquisa pioneira, o autor acompanha as incursões marxianas nos debates do século XIX sobre a química agrícola, a geologia e a botânica, argumentando que havia ali uma preocupação ecológica central, ligada não apenas às perturbações metabólicas impulsionadas pelo capital em relação ao solo, mas também em relação às florestas, às alterações climáticas, à pecuária etc.

Mais do que uma defesa de Marx contra as recorrentes acusações de predominância de um prometeísmo em sua obra, Saito apresenta uma tese contundente a respeito da gênese e do desenvolvimento de um quadro interpretativo que vem sendo mobilizado de maneira produtiva para a compreensão dos problemas ecológicos que enfrentamos hoje.

Enquanto teorias sociais diversas, sob pressão das alterações climáticas e de pandemias globais, seguem por caminhos que mistificam e subestimam os urgentes problemas ambientais, O ecossocialismo de Karl Marx aponta para um delineamento nítido da tensão entre a insaciável e reificada necessidade de acumulação do capital e os limites naturais do planeta. Para o imperativo da superação da atual ordem destrutiva capitalista, Saito afirma em alto e bom som: Marx vive! 

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Quais foram as contribuições de Karl Marx ao que chamamos hoje de ecossocialismo? O pensador alemão analisava a relação entre homem e natureza? É possível construir o socialismo em planeta arrasado?

A obra do filósofo Kohei Saito, além de ser uma contribuição essencial para os debates sobre a contradição entre um sistema capitalista e a preservação da natureza, é um minucioso estudo da evolução dos trabalhos de Marx em relação ao tema homem e natureza. Saito apresenta ao leitor o caminho traçado por Marx para abandonar a ideia de que a produtividade agrícola poderia aumentar indefinidamente no socialismo.

“Se em 1844 Marx demonstrava preocupação com a cisão entre ser humano e natureza impulsionada pelo capitalismo, em 1865 escrevia a Engels sobre seu interesse em química e fertilidade do solo. A partir dessa análise, Marx nos entrega elementos para a discussão de ruptura metabólica que nos permite questionar os limites ecológicos do sistema capitalista e, ao mesmo tempo, criticar os impactos da agricultura em larga escala”, diz Sabrina Fernandes no prefácio da obra.

O trabalho de Saito não tem como objetivo afirmar que toda e qualquer análise de Marx partia de uma visão ecossocialista e sim servir de ferramenta às contribuições feitas por ele à época. “O princípio do ecossocialismo de Karl Marx existe porque ‘o socialismo de Marx prevê uma luta ecológica contra o capital’. Se entendermos ecossocialismo sob essa luz, a verdade é que nem todo socialismo é ecossocialismo, mas seria um avanço se fosse”, pontua Fernandes.

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O livro de Kohei Saito tem tradução de Pedro Davoglio, prefácio de Sabrina Fernandes, texto de orelha de Murillo van der Laan, quarta capa de Kevin Anderson e Michael Heinrich e capa de Maikon Nery.

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E-book à venda nas principais lojas do ramo:


Confira o debate Marx e o ecossocialismo, parte da programação de aniversário de Marx de 2021 da Boitempo, que contou com Kohei Saito e Sabrina Fernandes e teve mediação de Guilherme Prado.

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Saiba mais:

Carta Maior: A ecologia de Marx, por John Bellamy Foster 
Lavra Palavra: Porque o ecossocialismo precisa de Marx, por Kohei Saito
TV Boitempo: Diálogos com Marx: ECOLOGIA, com Michael Löwy, Sabrina Fernandes e Camila Moreno
TV Boitempo: Marx era ecologista? Um debate sobre capitalismo e bens comuns, com Luis Marques, José Correia Leite, Camila Moreno e Isabel Loureiro
TV Boitempo: Michael Löwy: ecossocialismo e marxismo, com Fabio Mascaro Querido
TV Boitempo: A questão política decisiva do século XXI, com Michael Löwy
Podcast Outras Mamas: #11 – Sabrina, ecossocialismo e o mundo que queremos, com Sabrina Fernandes

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Murillo van der Laan possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (2010), mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas. Durante o doutorado foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e, em 2017, foi pesquisador visitante na Universidade de Oldemburgo, Alemanha. Atualmente é pós-doutorando pelo programa de sociologia da Unicamp. É também integrante do grupo de pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses e do conselho editorial da coleção Mundo do trabalho, da editora Boitempo, ambos sob a coordenação do prof. Ricardo Antunes. Entre 2015 e 2019 integrou o comitê editorial do periódico Cadernos Cemarx.

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