O futuro pós-capitalista, pós-colonialista e pós-patriarcal de Boaventura de Sousa Santos

Ruy Braga comenta o novo livro de Boaventura de Sousa Santos e destaca a urgência de reinventarmos uma utopia internacionalista à altura dos tempos pós-pandêmicos a partir de uma imaginação pós-capitalista, pós-colonialista e pós-patriarcal.

Foto: Scarlett Rocha

Por Ruy Braga.

O coronavírus desajustou os tempos e produziu uma grave crise social. Seu sentido imediato transparece no medo generalizado de uma morte que desconhece fronteiras. A precariedade das condições de vida e de trabalho dos subalternos, no entanto, vai além disso, escancarando os dilemas trazidos não pela negação, mas, pelo fortalecimento das fronteiras de classe que opõem trabalhadores protegidos e desprotegidos, brancos e negros, homens e mulheres, nativos e imigrantes. Uma cataclísmica ampliação das desigualdades avizinha-se numa escala capaz de ameaçar a subsistência das famílias trabalhadoras em todo o planeta. De fato, o vírus descortinou a obra monstruosa erguida por décadas de hegemonia neoliberal: sociedades antissociais cada vez mais atormentadas por segregações, discriminações e injustiças cruéis.

Como muitos de nós, Boaventura de Sousa Santos foi obrigado a praticar o distanciamento físico a fim de preservar a vida. E dessa angustiante experiência nasceu o mais importante ensaio sobre a sociedade pós-pandêmica escrito até o momento. Em O futuro começa agora: da pandemia à utopia, o sociólogo português argumenta que as exclusões produzidas pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado, tanto impulsionam a tragédia sanitária quanto alinhavam as resistências futuras.   

No intuito de respaldar seu diagnóstico, Boaventura mobilizou todo o aparato de sua afamada teoria descolonizadora. Da análise do capitalismo abissal à crítica ao Estado de exceção, da reconstituição histórica da velha mercantilização à investigação dos autoritarismos emergentes, Boaventura coteja a pandemia viral ao pandemônio mundial, ofertando-nos uma inovadora interpretação do século XXI.

O mundo que assistimos nascer na pandemia carrega uma declaração de direitos vertebrada pela diversidade insubmissa das formas de solidariedade existentes entre povos e classes sociais subalternas. E nem todo o negacionismo da ciência brandido nesse interregno sombrio por lideranças genocidas como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Narendra Modi, por exemplo, será capaz de impedir o nascimento de um novo modelo civilizacional. A urgência de reinventarmos uma utopia internacionalista à altura dos tempos pós-pandêmicos é o desafio trazido por O futuro começa agora. Para tanto, devemos ser capazes de, nas palavras de Boaventura, seguir alimentando nossa imaginação pós-capitalista, pós-colonialista e pós-patriarcal.

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Após o lançamento do ensaio “A cruel pedagogia do vírus“, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos traz ao leitor uma obra que propõe pensar a sociedade pós-pandemia, sua complexidade, os problemas que a antecedem e possíveis futuros. Como um diagnóstico crítico do presente, Boaventura aponta que as desigualdades e descriminações sociais já tão presentes nas sociedades contemporâneas, se intensificaram ainda mais em um contexto pandêmico.

Com atenção especial ao modelo econômico-social, ao papel da ciência e do Estado na proteção dos mais necessitados, o autor traz um profícuo debate para se pensar em alternativas econômicas, políticas, culturais e sociais que apontem para um novo modelo civilizatório de sociedade.

“O novo século começa agora, em 2020, com a pandemia, e aconteça o que acontecer. É, no entanto, um começo diferente dos anteriores. Se for apenas o começo de um século de pandemia intermitente, haverá nele algo de fúnebre e crepuscular, o início de um fim. Por outro lado, pode ser também o começo de uma nova época, de um novo modelo civilizacional”, reflete o autor.

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“Este livro foi escrito entre o medo e a esperança, tal como um e outra nos confrontam no início do século XXI. O presente acabou sem nos darmos conta. Como nos ensinou Eric Hobsbawm, os séculos nunca começam no dia 1º de janeiro do primeiro ano de cada novo século. Começam quando imprimem a sua marca no mundo, ou seja, quando inscrevem a sua aura ou o seu trauma específico nos corpos de vastas camadas da população em diferentes partes do mundo. Perto de nós, o século XX começou com a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa. O XXI deu um primeiro sinal de vida em 2008, com a crise financeira global. Foi um falso alarme; o século XX continuou em vigor por mais uns anos. O novo século começa agora, em 2020, com a pandemia, e aconteça o que acontecer. E, no entanto, um começo diferente dos anteriores. Se for apenas o começo de um século de pandemia intermitente, haverá nele algo de fúnebre e crepuscular, o início de um fim. Por outro lado, pode ser também o começo de uma nova época, de um novo modelo civilizacional.”

 – Boaventura de Sousa Santos

O futuro começa agora: da pandemia à utopia, livro de Boaventura de Sousa Santos, tem apresentação de Naomar de Almeida-Filho, orelha de Ruy Braga e capa Mika Matsuzake sobre pintura de Mário Vitória.

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E-book à venda nas principais lojas do ramo:


Confira o debate de lançamento de O futuro começa agora com Boaventura de Sousa Santos, Naomar de Almeida- Filho e Regina Nogueira, mediação de Lu Sodré.

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Saiba mais:

Canal Carta Capital: Da pandemia à utopia, entrevista com Boaventura de Sousa Santos

Outras Palavras: Boaventura: “só os míopes desprezam a utopia”

Valor Econômico: “A vacinação iniciou uma guerra geopolítica”, diz Boaventura de Sousa Santos

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Ruy Braga é professor titular do Departamento de Sociologia da USP, onde dirige o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic). É autor, entre outros livros, de Por uma sociologia pública (Alameda, 2009), em coautoria com Michael Burawoy, e A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial (Xamã, 2003). Na Boitempo, publicou A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista (2012) e A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global (2017). Também coorganizou as coletâneas de ensaios Infoproletários – Degradação real do trabalho virtual (com Ricardo Antunes, 2009) e Hegemonia às avessas (com Francisco de Oliveira e Cibele Rizek, 2010), e é um dos autores dos livros de intervenção Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (Boitempo, Carta Maior, 2013) e Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil (Boitempo, 2016). Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.

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