Agamben: Capitalismo comunista
“O novo regime unirá em si o aspecto mais desumano do capitalismo com aquele mais atroz do comunismo estatista, combinando a extrema alienação das relações entre os homens com um controle social sem precedentes."
Por Giorgio Agamben.
O capitalismo que está se consolidando em escala planetária não é o capitalismo na forma em que ele havia assumido no ocidente: é, antes, o capitalismo em sua variante comunista, que unia um desenvolvimento extremamente rápido da produção a um regime político totalitário. Esse é o significado histórico do papel de liderança que a China está assumindo, não somente na economia em sentido estrito, mas também, como mostrou eloquentemente o uso político da pandemia, enquanto paradigma de governo dos homens.
O fato de que os regimes instaurados nos países supostamente comunistas eram uma forma particular de capitalismo, adaptada especialmente aos países economicamente atrasados, e por isso denominada como capitalismo de Estado, era algo perfeitamente conhecido para aqueles que sabem ler a história; inesperado era no entanto que essa forma de capitalismo, que parecia ter exaurido a sua tarefa e que portanto era obsoleta, estivesse destinada a se tornar, em uma configuração tecnologicamente atualizada, o princípio dominante na fase atual do capitalismo globalizado. É possível, de fato, que estejamos assistindo a um conflito entre o capitalismo ocidental, que convivia com o Estado de direito e as democracias burguesas, e o novo capitalismo comunista, um conflito do qual este último parece sair vitorioso.
Aquilo que é certo, todavia, é que o novo regime unirá em si o aspecto mais desumano do capitalismo com aquele mais atroz do comunismo estatista, combinando a extrema alienação das relações entre os homens com um controle social sem precedentes.
Publicado originalmente em italiano no Quodlibet em 15 dezembro de 2020. A tradução é de Felipe Catalani, para o Blog da Boitempo.
* * *
* * *
Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia, de Giorgio Agamben
Novo lançamento da coleção Pandemia Capital, Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia, do filósofo italiano Giorgio Agamben, é uma coletânea de seis artigos escritos entre 26 de fevereiro e 13 de abril de 2020.
Os textos acompanham a escalada da doença na Itália, desde as primeiras descobertas sobre a covid-19 até o pico da doença no país. O filósofo traça um paralelo entre as medidas de emergência motivadas pela pandemia, especialmente o distanciamento social, e as formas totalitárias de governo, chamando atenção para “a crescente tendência de usar o estado de exceção como paradigma normal de governo”. No centro das preocupações de Agamben está “uma sociedade que sacrificou a liberdade pelas assim chamadas ‘razões de segurança’ e, por isso, está condenada a viver em um perene estado de medo e de insegurança”.
O posicionamento controverso desse que é um dos grandes críticos da contemporaneidade desperta a incômoda reflexão sobre o que estamos dispostos a renunciar diante do risco da doença.
Pandemia Capital é uma série especial de obras curtas, objetivas e com preços acessíveis que aborda a crise atual do novo coronavírus e suas implicações na sociedade, na psicologia e na economia.
Com tradução de Isabella Marcatti e Luisa Rabolini, a obra conta ainda com prefácio de Carla Rodrigues e
capa de Heleni Andrade sobre ilustrações de Flávia Bomfim e Maguma.
Disponível também em versão e-book nas principais lojas do ramo:
* * *
Giorgio Agamben nasceu em Roma em 1942. Considerado um dos principais intelectuais de sua geração, deu cursos em várias universidades europeias e norte-americanas, recusando-se a prosseguir lecionando na New York University em protesto à política de segurança dos Estados Unidos. Responsável pela edição italiana das obras de Walter Benjamin, é autor, entre outros, de Estado de exceção (2005), Profanações (2007), O que resta de Auschwitz (2008), O reino e a glória (2011), Opus dei (2013), Altíssima pobreza (2014), Pilatos e Jesus (2014), O mistério do mal (2015), O uso dos corpos (2017), O fogo e o relato (2018), Signatura rerum (2019) . Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.
Que visão lamentável! O capitalismo não precisa recorrer a mais nada externo a ele próprio para instituir regimes totalitários.
O totalitarismo não é uma peça da gaveta comunista que o capitalismo precisa ir lá tomar de empréstimo. Muito ao contrário, a dominação social em geral e o totalitarismo em particular, são próprios das sociedades classistas e podem sobreviver dentro das experiências de transformação, caso essas não consigam pleno êxito no processo de superação dos antagonismos classistas fundamentais .
CurtirCurtir