PCB: 99 anos da Fênix vermelha

Milton Pinheiro relembra as lutas e os desafios enfrentados pelo PCB em seus 99 anos, destacando a permanente convicção da busca pela revolução e da perspectiva do socialismo.

Por Milton Pinheiro.


O Partido Comunista Brasileiro (PCB) completa 99 anos de uma presença indelével na história política do nosso país. Desses 99 anos, 56 foram na mais violenta clandestinidade. Grande parte do período de legalidade está registrado após 1985, quando do fim da ditadura.

Surgimos como representantes de diversos coletivos que militavam referenciados na Revolução Russa de outubro de 1917. Éramos os revolucionários que davam sentido às greves do começo do século XX, que marchavam pelas ruas com manifestações em defesa dos direitos mais emblemáticos da classe trabalhadora, procurando se organizar para construir um operador político que iria representar o programa da nossa classe e agir em defesa da revolução brasileira.

Nos tornamos, com o desenrolar do século XX, um partido que esteve presente nas lutas mais profundas desse breve século. Participamos da organização dos instrumentos da classe trabalhadora na década de 1920 e criamos uma combativa Imprensa Popular. Durante a década de 1930 avançamos nas lutas proletárias e populares, mas, também, nos organizamos dentro dos quartéis. Realizamos o mais importante movimento de “assalto aos céus” da história brasileira: o levante revolucionário de novembro de 1935, uma experiência de Poder Popular que durou três dias em Natal (RN). Essa experiência revolucionária foi derrotada por tropas do Estado burguês, em aliança com coronéis locais e seus jagunços, mas mesmo com os erros do processo, trata-se de uma brava resistência histórica.

Após a brutal repressão que se seguiu ao levante vermelho, e a perseguição do “Estado Novo”, organizamos as lutas de resistência ao fascismo no Brasil e quando os ventos foram soprados a partir da derrota nazifascista na Segunda Grande Guerra, conseguimos encontrar a luz no fim do túnel. Nos tornamos, com a legalidade, um partido de massas; elegemos Luiz Carlos Prestes, nosso secretário-geral, o senador mais bem votado do Brasil, assim como elegemos uma vigorosa bancada com 14 deputados federais. Nas eleições seguintes, para as Assembleias Legislativas dos estados, elegemos mais de 40 deputados. Contudo, o manto do reacionarismo se impôs novamente e o partido foi colocado na ilegalidade. Nossos parlamentares foram cassados. Primeiro, a bancada federal e depois nossas bancadas de deputados estaduais.

O PCB volta à clandestinidade, todavia agora, como um forte operador político da classe trabalhadora no final da década de 1940. Estivemos na greve dos 300 mil em São Paulo, na Campanha do Petróleo é Nosso, marcamos a luta pela reforma agrária de forma revolucionária nos levantes camponeses de Porecatu, Trombas e Formoso. Organizamos manifestações contra a presença de tropas brasileiras na guerra imperialista da Coreia; estávamos onde a luta se fazia necessária por todo o Brasil.

Propusemos, com o Manifesto de agosto de 1950, novas formas de luta em profunda conexão com a revolução brasileira. Sindicatos livres, organizações populares e proletárias sem o controle do Estado, organização das lutas das mulheres e uma denúncia combativa e militante contra o racismo.

Construímos na história brasileira a maior presença intelectual de todos os tempos, uma marca seminal na cultura brasileira. Afinal, na história do século XX, lutaram dentro do nosso partido as figuras mais importantes das letras, ciências, artes, música, mundo artístico, do teatro e do cinema. Gigantes como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Oswald de Andrade, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Pagu, Mário Lago, Francisco Milani, Rui Facó, Monteiro Lobato, Caio Prado Jr., Paulo da Portela, Silas de Oliveira, Alberto Passos Guimarães, Nelson Werneck Sodré, Mário Schemberg, Nise da Silveira, Carlos Drummond de Andrade, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Adolfo Lutz, Cícero Dias, Aparício Torelly (Barão de Itararé), Dias Gomes, Paulo Leminski, Vladimir Herzog, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Oscar Niemeyer, João Saldanha, César Lattes e milhares dos/as melhores filhos/as da classe trabalhadora.

Somos a origem da esquerda brasileira, contudo, não nos transformamos no maior partido desse campo ideológico. Porém, germinamos no processo histórico brasileiro as lutas mais férteis da nossa classe e iluminamos, com passos seguros, nas trevas ou na luz do dia, a trilha das lutas que procuram o sentido da revolução brasileira, pois, somos o PCB, o longevo operador político da nossa classe.

Ao completarmos 99 anos temos orgulho da nossa história de erros e acertos. Estivemos ao lado dos revolucionários que construíram as revoluções anticapitalistas pelo mundo, a exemplo da União Soviética, China, Coreia, Cuba, Vietnã e das democracias populares do leste europeu e da África. Combatemos ao lado da luta anticolonial e das ações revolucionárias pelo mundo. Somos, desde sempre, um partido internacionalista em defesa da revolução mundial.

Nessa longa história de lutas, jamais devemos deixar de reverenciar nossos fundadores, mas, também, os homens e as mulheres que lutaram para que pudéssemos estar aqui hoje. Figuras como Minervino de Oliveira, Octávio Brandão, Elisa Branco, Giocondo Dias, Carlos Marighella, Lyndolpho Silva, Maria Aragão, Mário Alves, José Maria Crispim, Yeda Maria Ferreira, Osvaldo Pacheco, Antonieta Campos da Paz, Horácio Macedo, Ana Montenegro, Dinarco Reis, Paulo Cavalcanti, Iraci Picanço, Gregório Bezerra, Maria Brandão, Zuleika D’Alembert, Adalgisa Cavalcanti e o lendário Luiz Carlos Prestes. Mas, precisamos rememorar, também, aqueles militantes históricos que tiveram seu sangue derramado quando lutavam em defesa da classe trabalhadora, das liberdades democráticas e contra a opressão. Não esqueceremos jamais nossos 43 mártires assassinados pela ditadura burgo-militar de 1964: Ivan Rocha Aguiar (estudante), Antogildo Pascoal Viana (operário), Carlos Schirmer (operário), Pedro Domiense de Oliveira (carteiro), Manuel Alves de Oliveira (militar), Newton Eduardo de Oliveira (operário), João Alfredo (camponês), Pedro Inácio de Araújo (camponês), Israel Tavares Roque (operário), Divo Fernandes D’Oliveira (marítimo), Severino Elias de Melo (militar), Inocêncio Pereira Alves (alfaiate), Lucindo Costa (funcionário público), João Roberto Borges de Souza (estudante), José Dalmo Guimarães Lins (jornalista), Francisco da Chagas Pereira (militar), Epaminondas Gomes de Oliveira (sapateiro), Ismael Silva de Jesus (estudante), Célio Augusto Guedes (dentista), José Mendes de Sá Roriz (militar), Davi Capistrano da Costa (militar), José Roman (operário), João Massena Melo (operário), Luiz Ignácio Maranhão Filho (jornalista), Valter de Souza Ribeiro (militar), Afonso Henrique Martins Saldanha (professor), Elson Costa (caminhoneiro), Hiran de Lima Pereira (administrador), Jayme Amorim de Miranda (jornalista), Nestor Veras (camponês), Itair Veloso (operário), Alberto Aleixo (operário), José Ferreira de Almeida (militar), José Maximino de Andrade Neto (militar), Pedro Jerônimo de Souza (comerciário), José Montenegro de Lima (estudante), Orlando Bonfim (jornalista), Vladimir Herzog (jornalista), Neide Alves Santos (propagandista), Manoel Fiel Filho (operário), Feliciano Eugênio Neto (operário), Lourenço Camelo Mesquita (taxista) e José Pinheiro Jobim (diplomata). Presentes, sempre!

Apesar dos equívocos do pré-1964, a luta desenvolvida pelo PCB na construção dos movimentos populares e proletários, e na articulação da Frente Democrática foram fundamentais para derrotar a ditadura e plantarmos um novo tempo de liberdades democráticas com o fim do regime militar. Os anos 1980 foram tempos de confusão política e ideológica, configuram-se como o pior tempo histórico da existência do PCB. Trata-se do mais profundo conjunto de erros da nossa história, quando o taticismo politicista tentou matar o operador estratégico. No entanto, a Fênix Vermelha soube operar sua depuração e organizar a nossa Reconstrução Revolucionária a partir de 1992.

Voltamos à centralidade das lutas proletárias e populares, colocamos na ordem do dia a estratégia socialista como formulação central para orientar a ação tática. Construímos instrumentos de combate à sociabilidade da sociedade capitalista, a exemplo do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro (CFCAM), Coletivo Negro Minervino de Oliveira (CNMO) e o LGBTComunista; avançamos na organização de nossas frentes de massas a exemplo da União da Juventude Comunista (UJC) e a Unidade Classista (UC). Não somos ainda o maior partido da esquerda brasileira, mas não teremos lutas da nossa classe sem a presença convicta do PCB.

Vivemos um grave momento histórico. A ordem do capital e seu estafeta no Palácio do Planalto tentam movimentar hordas neofascistas no sentido da ruptura golpista. O agitador fascista e genocida, Jair Bolsonaro, quer dizimar a população com a sua total irresponsabilidade diante do extermínio causado pela Covid 19. Precisamos derrotar o miliciano, organizar a luta pelo impedimento do governo de extrema direita, lutar por vacinação já para todos/as, exigir o auxílio emergencial integral, combater a carestia e defender o emprego/trabalho, ao tempo que devemos lutar ao lado da classe trabalhadora pela sua reorganização. Temos que criar condições adequadas para a luta.

Nesses 99 anos de luta, fomos vitoriosos, mas também derrotados. No entanto, soubemos fazer a autocrítica necessária e reorganizar nossas bandeiras e ações para operarmos na luta de classes. Nossa luta é anticapitalista, anti-imperialista e em defesa da humanidade. Nos batemos contra a exploração e as opressões da sociedade burguesa, sempre na perspectiva da revolução brasileira e do projeto socialista.

Hoje, nós, comunistas brasileiros, estamos completando 99 anos de lutas que marcaram a história do Brasil e do mundo. Afinal, muitos dos nossos militantes lutaram na Guerra Civil espanhola, na resistência francesa e nas batalhas da Segunda Guerra Mundial na Europa. O que sempre nos guiou foi a procura pela revolução e a perspectiva do socialismo. Durante essa longa jornada, o sangue dos nossos camaradas se confundiu com o vermelho da nossa bandeira e adubou o solo fértil das nossas lutas nas batalhas que a nossa classe desenvolveu no Brasil e no mundo. Com essa história e com essas convicções reafirmamos que estamos aqui em defesa da humanidade, porque Fomos, Somos e Seremos Comunistas.

Viva os 99 anos do PCB!

Viva o Poder Popular no rumo do Socialismo!

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Dicas de leitura da Boitempo para aprofundar a reflexão

Sinfonia inacabada: a política dos comunistas no Brasil, de Antonio Carlos Mazzeo

Memórias, de Gregório Bezerra

Homens partidos: sindicatos e comunistas no Brasil, de Marco Aurélio Santana

O revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural, de Martim César Feijó

Viver é tomar partido: memórias, de Anita Leocadia Prestes

Caio Prado Júnior: uma biografia política, de Luiz Bernardo Pericás

Caminhos da revolução brasileira, de Luiz Bernardo Pericás (org.)

Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro, de Anita Leocadia Prestes

Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo, de Anita Leocadia Prestes

 

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Milton Pinheiro é Cientista Político e professor titular de história política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pesquisador na USP, editor-geral da revista Novos Temas e autor/organizador de oito livros, entres eles, Ditadura: o que resta da transição (Boitempo, São Paulo, 2014). Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.

1 comentário em PCB: 99 anos da Fênix vermelha

  1. Jorge Isaias Llagostera Beltran // 25/03/2021 às 12:49 pm // Responder

    Quando o partido foi fundado chamava-se PC do B e até hoje o PC do B existe. Não é possível esquecer.

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