As últimas entrevistas de Lukács
Tomadas em seu conjunto, as entrevistas inéditas de Lukács compiladas em "Essenciais são os livros não escritos" revestem-se de irremediável atualidade, visto que seus conteúdos oferecem um amplo instrumental analítico e de intervenção concreta para a situação histórica presente, marcada pelo inegável avanço da barbárie produzida pelo capital.
Por Anderson Deo.
Um filósofo que até os últimos momentos de sua vida dedicou enorme esforço teórico-prático para analisar, compreender e – de alguma forma – contribuir efetivamente para o debate das questões candentes de sua época. Essa é, por assim dizer, a tônica, o fio condutor que identificamos nas entrevistas oferecidas por György Lukács (1885-1971) em seus últimos anos (1966-1971), agora apresentadas ao público brasileiro em Essenciais são os livros não escritos, compilação inédita organizada por Ronaldo Vielmi Fortes.
Fundamental à compreensão da trajetória intelectual de Lukács, o debate sobre “os grandes e profundos problemas humanos presentes em determinadas épocas” expressa a ideia sintetizadora de sua obra, o que lhe garantiu congruência e originalidade em seu conjunto e que pode ser claramente observado nos temas aqui abordados.
O pensador magiar expõe um conhecimento profundo sobre o panorama das expressões artísticas de seu tempo, percorre os meandros da análise política – por exemplo, ao se posicionar sobre o “debate da coexistência pacífica” –, discute elementos fundamentais da “reprodução ampliada do capital”, das reformas econômicas no socialismo, num esforço intelectivo de captura da totalidade de tais processos em suas dimensões ideocategoriais. Sempre orientado pela perspectiva de uma análise que busca compreender o ser precisamente assim dos fenômenos históricos, Lukács nos oferece uma leitura radicalmente antidogmática da experiência socialista, naquilo que, segundo o filósofo, foi um dos maiores entraves ao avanço dos processos de transição: o burocratismo estatal e a deformação e degeneração teórica da obra marxiana, subordinada às respostas táticas, próprias do stalinismo. Amparada na defesa intransigente do resgate do “método de Marx”, a reflexão proposta, contudo, não abre mão da prerrogativa e da defesa, também intransigente, do socialismo, sem tergiversar nem fazer qualquer concessão à sanha da democracia liberal como suposta alternativa às contradições presentes no processo de transição.
Ao propor um “retorno à Marx”, Lukács se apropria das formulações leninianas sobre a discussão da “democracia da vida cotidiana”, presentes na experiência dos sovietes, como fundamento necessário às transformações e desafios políticos e econômicos da transição, de forma a superar as contradições derivadas do taticismo e burocratismo e avançar na construção da democracia socialista.
Tomadas em seu conjunto, as entrevistas apresentadas em Essenciais são os livros não escritos: últimas entrevistas (1966-1971) revestem-se de irremediável atualidade, visto que seus conteúdos oferecem um amplo instrumental analítico e de intervenção concreta para a situação histórica presente, marcada pelo inegável avanço da barbárie produzida pelo capital.
Nascido em 13 de abril de 1885 em Budapeste, Hungria, György Lukács é um dos mais influentes filósofos marxistas do século XX. Doutorou‑se em ciências jurídicas e depois em filosofia pela Universidade de Budapeste. No final de 1918, influenciado por Béla Kún, aderiu ao Partido Comunista e, no ano seguinte, foi designado vice‑comissário do povo para a Cultura e a Educação.
Em 1930 mudou-se para Moscou, onde desenvolveu intensa atividade intelectual. O ano de 1945 foi marcado pelo retorno à Hungria, quando assumiu a cátedra de Estética e Filosofia da Cultura na Universidade de Budapeste. Estética, considerada sua obra mais completa, foi publicada em 1963 pela editora Luchterhand. Já seus estudos sobre a noção de ontologia em Marx, que resultariam, oito anos depois, em Para uma ontologia do ser social, iniciaram-se em 1960.
Lukács faleceu em sua cidade natal em 4 de junho de 1971. Estava em plena atividade, trabalhando nos Prolegômenos para uma ontologia do ser social e empenhado na organização de uma ação internacional de intelectuais para a libertação de Angela Davis.
A Boitempo, que já publicou oito obras do autor (Prolegômenos para uma ontologia do ser social, 2010; O romance histórico, 2011; Lênin e Para uma ontologia do ser social I, 2012; Para uma ontologia do ser social II, 2013; Reboquismo e dialética, 2015; Marx e Engels como historiadores da literatura, 2016; e O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista, 2018), com o presente título dá continuidade à Biblioteca Lukács.
Com edição, sempre primorosa, de Isabella Marcatti, a obra tem tradução e notas e apresentação de Ronaldo Vielmi Fortes, revisão técnica e apresentação de Alexandre Aranha Arbia, e capa e diagramação de David Amiel.
Sou leitor dos livros da Boitempo e gostaria de sugerir a publicação o livro Pourquoi Lukács ? de Nicolas Tertulian.
Regis
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