Ricardo Antunes: Um precioso “livro-síntese” sobre o desenvolvimento capitalista
Ricardo Antunes escreve sobre "Um porto no capitalismo global", novo livro da coleção Mundo do Trabalho.
Por Ricardo Antunes.
O processo de desenvolvimento capitalista enfeixa um conjunto de elementos intimamente relacionados. Podemos recordar a expansão marítima, que possibilitou o salto transatlântico e a ampliação do capital comercial; a gestação do Estado nacional e a criação de uma rude acumulação primitiva nas colônias, cujo excedente econômico enriqueceu sobremaneira as metrópoles – sem esquecer as migrações camponesas criando o mundo operário e a explosão continuada do universo maquínico industrial.
Mas como efetivar a expansão da produção de mercadorias sem um sistema de consumo, distribuição, troca e circulação? Sem a infraestrutura inicial para sua implantação, como seria possível consolidar a lógica do monopólio (e do monopsônio), que impregnava o sentido da colonização? Como acolher a enorme força de trabalho negra que aqui aportou e negociar as mercadorias produzidas ao longo de séculos? Onde encontrar esse espaço de enfeixamento entre produção, exportação e importação, que se desenvolve até nossos dias?
Um porto no capitalismo global retrata com riqueza essa relevante temática. Seu subtítulo – Desvendando a acumulação entrelaçada no Rio de Janeiro – estampa como o porto se converteu em locus vital de articulação, desde a época da acumulação primitiva até o mundo burguês do presente. Refazendo cuidadosamente esse longo percurso histórico, os autores mostram como o espaço portuário se transforma em um “lugar-síntese” que solda os laços entre produção colonial e acumulação metropolitana, momento primeiro de conjugação entre os interesses das burguesias nativas e forâneas que se mantém sob o capitalismo financeirizado de nossos dias e do qual o projeto Porto Maravilha é expressão.
Descortinando sua rica trajetória, recuperando os fios históricos e sociais que atam a vida colonial ao cenário atual, os autores demonstram que o porto (e seu entorno) “não funcionava apenas como porta de entrada e saída de mercadorias e pessoas”, mas também como “cemitério de africanas e africanos recém-chegados ao Brasil, mercado de escravos e lugar da prestação de serviços variados”.
Trata-se, portanto, de um “livro-síntese” precioso.
“Num fio histórico ilustrado e minucioso, os autores dissecam como violência, expropriação e despossessão constituem o contínuo do que denominam acumulação entrelaçada a partir da pilhagem da zona portuária do Rio de Janeiro. Obra indispensável para decifrar o capitalismo contemporâneo.” – Lena Lavinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro
“Segundo Rosa Luxemburgo, a acumulação primitiva não está apenas na origem do capitalismo; ela é seu motor dinâmico, que se renova num permanente ciclo de expropriação, violência e injustiças. Os autores aplicam esse conceito para analisar as transformações do porto carioca. Fiel à Rosa e sua teoria, este é um livro pioneiro, provocador e herege.” – Marcelo Paixão, Universidade do Texas, Austin
“As recorrentes violências sociais no porto do Rio de Janeiro foram escancaradas neste século, com Olimpíadas e Copa do Mundo. Expropriações e extorsões se multiplicam. Este livro examina o processo, mediante o entrelaçamento rigoroso de teoria, história e análise social crítica.” – Virgínia Fontes, Universidade Federal Fluminense
Coleção Mundo do Trabalho
Coordenação Ricardo Antunes
Conselho editorial Graça Druck, Luci Praun, Marco Aurélio Santana, Murillo van der Laan, Ricardo Festi, Ruy Braga
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Ricardo Antunes é professor titular de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da coleção Mundo do Trabalho, da Boitempo Editorial. Organizou os livros Riqueza e miséria do trabalho no Brasil (2007) e Infoproletários: a degradação real do trabalho virtual (2009), ambos publicados pela Boitempo. É autor, entre outros, de Os sentidos do trabalho (1999), O caracol e sua concha (2005), O continente do labor, (2011) e o mais recente O privilégio da servidão, que acaba de ganhar uma nova edição, revista e ampliada, este ano.
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