Os escritos gramscianos de 1917

Guido Liguori escreve sobre o título de estreia da coleção "Escritos Gramscianos" da Boitempo.

Por Guido Liguori.

1917 é um ano crucial para Gramsci. O jovem jornalista socialista que mora em Turim cresceu cultural e politicamente em 1916. Com sua formação juvenil – subjetivista, voluntarista, tão distante do marxismo determinista da Segunda Internacional –, questionou a sociedade e a política da cidade onde vivia e fez ouvir sua voz original na cultura da época. Quis, assim, dedicar-se à educação dos jovens socialistas: compôs sozinho para eles um folhetim (La Città Futura) em que reflete sobre qual nova “ordem” socialista emergirá da guerra mundial.

Então, em fevereiro de 1917, eclode a revolução na Rússia. E muitas coisas mudam. Gramsci entende de imediato e escreve que não se trata de uma revolução burguesa, mas do início de uma revolução socialista que mudará a história – e não apenas a russa.

Como demonstram os textos da coletânea Odeio os indiferentes: escritos de 1917, a princípio Gramsci apresenta uma visão um pouco ingênua dos fatos, enxergando-os através de óculos idealistas e voluntaristas. Imagina um momento de regeneração ética em que a lei moral de Kant está destinada a alcançar sua realização completa e absoluta. Porque “a liberdade produz homens livres”, as novas condições de vida permitirão rapidamente a todos os seres humanos viver de modo melhor.

As notícias da Rússia são poucas e confusas, mas gradativamente Gramsci identifica as resistências do velho mundo e vê nos bolcheviques (“maximalistas”) guiados por Lênin o elemento que empurrará a revolução em direção a seu êxito socialista.

Com a Revolução de Outubro, a visão de Gramsci e seu marxismo parecem encontrar confirmação clamorosa: na situação excepcional criada pela guerra, um punhado de revolucionários demonstrou que a história não está previamente escrita, que a “vontade coletiva” pode mudar as leis da economia, feitas pelos homens, ou seja, em nada naturais e absolutas. Uma grande lição contra o liberalismo de hoje, contra aqueles que fizeram dos “mercados” um ídolo invencível: Gramsci nos lembra que depende de nós, da “vontade coletiva”, mudar as coisas. Somos todos nós aquele “movimento real que muda o estado de coisas presente”.


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“Para Gramsci, passar da rebeldia à revolução, da contestação à construção de alternativas, requer dos socialistas instrumentos teóricos e de uma competência argumentativa que só poderão ser desenvolvidos no campo de batalha da cultura.” Leandro Konder

“É preciso resgatar a dimensão revolucionária do complexo e riquíssimo pensamento de Gramsci.” Carlos Nelson Coutinho

Odeio os indiferentes é uma coletânea de artigos escritos ao longo de 1917 pelo então jovem jornalista italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Os textos escolhidos foram publicados nos jornais socialistas Il Grido del Popolo [O grito do povo] e Avanti! [Avante!] e no folhetim La Città Futura, da Federação Juvenil Socialista, que, escrito inteiramente por Gramsci, contém o artigo que dá título à obra.

Grande parte dos textos selecionados é inédita em português. Além dos artigos, o volume traz todo um aparato crítico elaborado por Daniela Mussi e Álvaro Bianchi, responsáveis pela tradução dos escritos, pelo texto de apresentação, notas de rodapé e cronologia da vida e da obra do pensador marxista. O texto de orelha é do Guido Liguori.

Título de estreia da coleção Escritos Gramscianos, que conta com Alvaro Bianchi, Daniela Mussi, Gianni Fresu, Guido Liguori, Marcos Del Roio e Virgínia Fontes em seu conselho editorial, a edição é de Isabella Marcatti.

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