Vírus miseráveis y otras cositas más
Está difícil manter o humor no Brasil. Não bastava um motivo nacional, o bolsovírus, chegou aqui um internacional que assombra o mundo, o coronavírus provocador da doença chamada covid-19.
Por Mouzar Benedito.
Está difícil manter o humor no Brasil. Não bastava um motivo nacional, o bolsovírus, chegou aqui um internacional que assombra o mundo, o coronavírus provocador da doença chamada covid-19.
Pra mim, que estou velho e tenho uma saúde meio duvidosa, mais ainda. E já fui vítima de tragédias semelhantes quando era criança.
Para começar, em 1947, com cinco meses de idade, tive meningite. A cura para a dita-cuja era a penicilina, que não existia no Brasil. E meningite lembra um pouco a cobra urutu, de veneno fortíssimo. Dizem que picada de urutu, quando não mata, aleija. E sobre vítimas de meningite, até há poucas décadas, dizia-se que “se não morrer fica doido”.
Foi um surto que chegou a Nova Resende, cidadezinha que então tinha uns dois mil habitantes, perdida nas montanhas do sul mineiro. O único médico da cidade, dr. Elógio, sabia da existência da penicilina, mas como trazer para esse lugarzinho?
Um ex-prefeito da cidade, dr. José Gonçalves de Rezende (pai do meu amigo, já morto, José Roberto Rezende, com quem escrevi o livro “Ousar Lutar – memórias da guerrilha que vivi”), tinha feito o curso de Direito no Rio de Janeiro e lá tornou-se amigo de Alzirinha Vargas, filha de Getúlio. Ela tinha uma certa influência no governo Dutra, que substituiu seu pai.
Não sei como, talvez por telégrafo, o dr. José Rezende conseguiu que, com a influência de Alzirinha, fosse trazida penicilina da Europa. Naquele tempo, a penicilina era uns bichinhos que tinham que ser mantidos congelados até a hora de ser usada. Vinha de avião até o Rio ou São Paulo, de onde era levada de avião da Real (companhia aérea que chegava a pequenas cidades de Minas) até Guaxupé, onde era colocada numa caixa de gelo até Nova Resende, a 60 quilômetros de distância, cobertos em 3 horas de viagem pela estradinha de terra. E curou todo mundo, pelo que se sabe. Mas permaneceu a história de que quem não morre fica doido. E pra falar a verdade, apesar da minha fama de maluco, acho que fui quem ficou melhorzinho.
E aproveitei essa fama, enquanto era criança: não tolerava que adultos me enchessem o saco. Era especialista em chutar canelas, com minha botina de bico duro. Machucava. Quando cheguei em São Paulo, aos 16 anos, tinha que esconder a informação de que tive meningite, ou não conseguiria emprego nenhum.
Mais uma tranqueira vinda da China
Bom… Quando estava para completar onze anos de idade, estava no quarto ano do curso primário e às vésperas de fazer o exame final para tirar o diploma, fui pego pela gripe asiática. Uma barra! Febrão e tontura, dias e dias deitado. E injuriado: eu não gostava de ir à escola e perdi o exame final. Na época, não havia isso de notas boas durante o ano dispensar a prova final. O que valia era o exame final.
Nesta época aconteceu algo interessante: apareceu um vendedor de livros na cidade, com uma mala cheia deles e encheu tanto a paciência do meu pai que ele comprou dois livros – os primeiros que tivemos. – Um deles era de religião, chatíssimo, protestante. O outro chamava-se “As plantas curam”. Sem ter o que fazer, deitado direto, li este. O outro era chato demais.
Mais uma vez, fui salvo pela penicilina, mas desta vez já existente em qualquer farmácia.
Como não fui só eu a ficar doente, a diretora conseguiu autorização para fazer um exame posterior para quem tinha pego a gripe asiática. Foi uns dez ou quinze dias depois, mas eu continuava meio zonzo. Apesar de ser um aluno considerado bom (mesmo não usando cadernos, não copiava ponto nenhum), passei raspando, fui diplomado com a nota 5,9.
Anos depois, lembrando da gripe asiática numa conversa com Caio Albuquerque, que era padre na época do surto, ele me contou que todos os pobres do asilo foram atingidos. Não dava para comprar penicilina para todos. O que fazer? Limão cravo, ele me disse. Existia aos montes e ele fazia uma espécie de limonada quente que era distribuída para todo mundo. Foi a salvação, ele me disse. Ninguém morreu.
Com a chegada da covid-19 agora, procurei saber mais sobre a gripe asiática: também veio da China, começou na província de Guizhou, com a mutação de uma cepa existente em patos selvagens. O nome técnico era H2N2, e ele se extinguiu com o tempo.
A gripe espanhola
E falando em H2N2, vem à memória o H1N1, que causou a gripe aviária, também vinda da China.
Mas nem todo H1N1 veio da China: um deles gerou a gripe espanhola, em 1918. Calcula-se que matou entre 50 e 100 milhões de pessoas em todo o mundo, 35 mil no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro (12.700) e São Paulo (6 mil).
Há histórias que parecem lendas de que pessoas que não tinham nenhum sintoma caíam mortas na rua, de repente. Lenda ou não, há relatos de que no Rio de Janeiro acumulavam-se nas ruas, atraindo urubus. E ratos passeavam entre eles. De vez em quando, uma carroça aparecia para pegar esses defuntos e levar amontoados para o cemitério.
Até um presidente da República eleito foi pelo pela gripe espanhola e morreu sem tomar posse. Rodrigues Alves, que já tinha sido presidente entre 1902 e 1906, elegeu-se em 1918 para ser presidente até 1922, mas estava de cama com a gripe no dia da posse, em 15 de novembro, e morreu em janeiro.
A gripe espanhola, 30 vezes mais letal do que as gripes comuns, na verdade não era espanhola de origem. Pegou esse nome porque lá a imprensa contava sobre as muitas mortes que ela provocava, enquanto em outros países, em guerra (a Espanha ficou fora dela) não a noticiavam.
Os primeiros casos dessa gripe aconteceram em Fort Rilley, Kansas, Estados Unidos, em 4 de março de 1918. Uma semana depois chegou ao Queens, bairro de Nova York, e em abril, talvez levada por tropas estadunidenses, chegou a portos da França, que abrigavam tropas também da França e do Reino Unido.
Coisas do mosquitinho maldito
O primeiro surto de febre amarela no Brasil aconteceu em 1685, em Recife, trazida da África, por um navio negreiro, que tinha doentes e o Aedes aegypti, transmissor da doença. De lá, chegou a Salvador, onde matou cerca de 900 pessoas. Mas anos depois já não havia mais aqui.
A doença foi reintroduzida no Brasil por um navio vindo de Nova Orleans, com passagem por Havana, em 1849, com doentes desembarcando em Salvador. Também desapareceu com o tempo, ressurgiu no Rio em 1928.
A dengue é outra doença transmitida pelo Aedes aegypti, mas parecia ter sido extinta no século passado. É que o Ministério da Saúde tinha um serviço de “mata-mosquitos” que praticamente eliminou o Aedes aegypti. A Sucam (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública) mantinha os mata-mosquitos que chegavam a todos os lugares do Brasil, borrifando inseticida em tudo quanto era casa.
Mas em 1998, durante o governo FHC, com José Serra ministro da Saúde, esse trabalho foi sendo sucateado, demitiram “mata-mosquitos” com a desculpa de que esse serviço seria municipalizado. Mas era um jeito de passar dinheiro às prefeituras, especialmente da Baixada Fluminense, que tinha prefeitos alinhados com o governo e sequiosos por dinheiro, e toda a grana desse serviço foi entregue a eles, que não fizeram nada, o Aedes aegypti proliferou de novo e o resultado foi a volta de doenças que pareciam extintas. E não só elas, apareceram também novidades, como a Chikungunya e a Zika, transmitidas pelo mesmo mosquito.
Dá para manter o humor?
Falando em surtos, tem o tifo. Outra brabeza. Eu me lembro de uma história “interessante” (entre aspas mesmo) passada em numa pequena cidade do Sul de Minas, onde tinha um coveiro meio maluco. Se não me engano, foi em Aiuruoca.
Houve uma mortandade danada lá, há algumas décadas, por causa de um surto de tifo. Morreu tanta gente que o médico nem examinava mais os mortos para dar o atestado de óbito. Tascava no papel que a morte foi causada por tifo e pronto.
Num enterro, o defunto chegou quando o coveiro acabava de abrir a cova, porque o serviço era muito. Aí, abriram o caixão para a última despedida, e o defunto se levantou. Era um caso de catalepsia.
A família se emocionou, festejou, as pessoas queriam abraçar o “ex-defunto”, e o coveiro se aproximou, pedindo que a família se afastasse um pouco. Obedeceram. O coveiro, com o atestado de óbito numa mão e uma pá na outra. Leu o papel e perguntou:
— Você não é o Fulano de Tal?
O “ex-defunto” respondeu animado:
— Sou sim!
E levou uma pazada na cabeça, enquanto o coveiro falava bravo:
— Quer saber mais que o doutor, defunto besta!?
Uma curiosidade
O pardal, passarinho que se tornou uma praga em boa parte do Brasil durante muito tempo, foi trazido da Europa para o Rio de Janeiro, em 1908, como se fosse a solução para um grande problema: acharam que ele se alimentaria dos mosquitos causador da febre amarela, o famigerado Aedes aegypti.
Mas o que o pardal gosta mesmo é de grãos. Em vez de caçar os malditos mosquitos, comia restos de comida que as donas de casa varriam de dentro de casa para as calçadas. E eles se proliferaram pra valer, se espalharam por todo lado.
Uma praga a mais…
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
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