O manifesto anticapitalista de Erik Olin Wright
Em um mundo emancipado, Erik Olin Wright será lembrado como um herói do conhecimento e um campeão do socialismo. E parte significativa de seu legado está condensada no manifesto "Como ser anticapitalista no século XXI?".
Por Ruy Braga.
Reconhecido mundialmente pelo notável esforço de reconstrução da teoria das classes sociais, Erik Olin Wright foi o mais importante sociólogo marxista de sua geração. Articulando uma reflexão teórica inovadora a um programa abrangente de pesquisas empíricas, comparando estruturas de classe de diferentes países, detalhando os processos de formação e de transformação das classes e observando as combinações íntimas existentes entre consciência e luta de classes, a obra de Erik é inigualável em termos de originalidade, seriedade e abrangência investigativas. Não por acaso, seu nome confunde-se com o chamado “debate sobre as classes sociais” na sociologia.
Politicamente, Erik foi um radical comprometido até o último fio de sua vasta cabeleira com a superação do capitalismo. Como bem observou Vivek Chibber, o socialismo era sua bússola moral. Essa dimensão da vida de Erik alimentou sua obra e, no início dos anos 1990, quando o socialismo burocrático colapsava e muitos intelectuais marxistas pulavam de seu barco, Erik liderou na contracorrente um ciclo de conferências dedicadas às “utopias reais”, isto é, não um conjunto de sonhos especulativos, mas alternativas realistas ao capitalismo condensadas em movimentos, organizações, instituições e projetos realmente existentes.
Sua obra-prima, Envisioning Real Utopias (2010), condensou todo o acúmulo daquela década e meia de debates e engajamentos com ativistas do mundo todo em torno das utopias reais. Por meio de exemplos criteriosamente garimpados e minuciosamente analisados, Erik revelou a natureza anticapitalista de certas instituições, teorizando sobre o que haveria em comum entre organizações e movimentos espalhados pelos quatro cantos do globo e capazes de impulsionar a construção do socialismo democrático. Ao mesmo tempo, ele conectou ativistas de diferentes países, aproximando suas experiências num autêntico espírito internacionalista.
O entusiasmo de Erik em relação às mobilizações dos jovens transformou-o num ativo organizador do Fórum Social dos Estados Unidos e, em fevereiro de 2011, num aguerrido militante da ocupação do Capitólio de Wisconsin, evento precursor do movimento Occupy Wall Street. Tratava-se de uma iniciativa política balizada por suas convicções científicas. Afinal, uma de suas sugestões mais conhecidas a respeito das utopias reais advogava a combinação de dois tipos diferentes de estratégias emancipatórias, isto é, as “intersticiais” que criariam alternativas fora do Estado e as “simbióticas” que envolveriam o Estado através de lutas em seu interior.
Em poucas palavras, regular por cima e erodir por baixo o capitalismo. Por meio da mobilização social seria possível criar espaços contrários ao Estado capitalista para, então, transformar esses espaços em colaboração com um Estado reformado. As utopias reais de Erik semeavam esperança. No entanto, tratava-se de um tipo de esperança alimentada por experiências históricas concretas. Ele dizia que não é possível prefigurar o futuro emancipado no vazio. Precisamos saber colher exemplos no presente. E imaginar futuros alternativos é uma questão central tanto para a crítica científica quanto para a política socialista.
Ao perceber que tinha pouco tempo de vida devido a uma leucemia que o vitimou no começo de 2019, Erik decidiu verter as principais teses contidas em Envisioning Real Utopias para uma linguagem mais compreensível a um público não acadêmico. A partir de então, ele usou os poucos meses de vida que lhe restavam escrevendo esse “manifesto anticapitalista”. Em um mundo emancipado, Erik Olin Wright será lembrado como um herói do conhecimento e um campeão do socialismo. E parte significativa de seu legado está condensada neste manifesto.
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“Erik Olin Wright foi, entre muitas coisas, um escritor visionário, que teve a imaginação necessária para prever como seria a vida após o capitalismo. Ele incorporava uma maneira inteira de pensar sobre o capitalismo e o mundo: clara, precisa e sem rodeios. Este livro, seu último, deve ser um ponto de referência indispensável para quem quer tornar o mundo um lugar melhor.” — Bhaskar Sunkara
“Dotado de uma capacidade ilimitada de botar suas ideias em prática de forma precisa e simples, sem com isso diluí-las, Erik dava aos militantes uma visão de projeto coletivo para o qual cada um poderia contribuir. Dado o ressurgente interesse em ‘socialismo’ entre a nova geração de pensadores e ativistas, foi aumentando sua quantidade de seguidores.” — Michael Burawoy
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Para aprofundar a reflexão sobre as novas configurações das revoltas subalternas no mundo, recomendamos acompanhar o WebCurso de Ruy Braga na TV Boitempo. Intitulado “Entendendo o precariado”, trata-se de uma leitura comentada de seu mais recente livro pela Boitempo, A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global. Ao todo são quatro aulas dedicadas a destrinchar essa densa e explosiva obra. Cada dia fica mais claro o poder de revelação do conceito de “precariado” na nossa conturbada conjuntura política, econômica e social. No Brasil, nenhum intelectual tem se dedicado com tanta maestria a explorar as perspectivas políticas e analíticas abertas por esse conceito no interior do arcabouço teórico marxista quanto Ruy Braga.
youtube https://www.youtube.com/watch?v=MRVkV2b8No8?list=PLHiE8QPap5vTIFZUszEw8kwu4UIMs3ugL
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Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP e ex-diretor do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) da USP, é autor, entre outros livros, de Por uma sociologia pública (Alameda, 2009), em coautoria com Michael Burawoy, e A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial (Xama, 2003). Na Boitempo, coorganizou as coletâneas de ensaios Infoproletários – Degradação real do trabalho virtual (com Ricardo Antunes, 2009) e Hegemonia às avessas (com Francisco de Oliveira e Cibele Rizek, 2010), sobre a hegemonia lulista, tema abordado em seu mais novo livro, A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. É também um dos autores dos livros de intervenção Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (Boitempo, Carta Maior, 2013) e Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil (Boitempo, 2016). A Boitempo prepara para 2017 o lançamento de mais novo livro A rebeldia do precariado. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às segundas.
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