Marx era um pensador eurocêntrico e racista?

Com Kevin B. Anderson, podemos sair da defensiva e afirmar sem medo: Marx é, mais do que nunca, um autor para todas e todos os que lutam pela emancipação humana. Um pensador radicalmente universal porque compreendeu as particularidades do mundo em que viveu.

Escultura do artista plástico Sergio Romagnolo, utilizada na capa do livro Marx nas margens: nacionalismo, etnias e sociedades não ocidentais (Boitempo, 2019), de Kevin B. Anderson.

Por Jones Manoel.

Nas últimas décadas, tornou-se comum a crítica de que Marx seria um pensador eurocêntrico, insensível ao colonialismo e até racista. A reação dos marxistas, no geral, foi aceitar essa narrativa e se limitar a citar autores da periferia do sistema: José Carlos Mariátegui, Brinda Karat, Ernesto “Che” Guevara e outros.

Um caminho alternativo era defender a tese de György Lukács em História e consciência de classe: mesmo que Marx tivesse errado em todas as suas análises, poderíamos seguir tranquilamente marxistas, afinal, ortodoxia no marxismo diz respeito ao método – isto é, ainda que Marx tivesse sido um completo eurocêntrico, poderíamos, a partir do materialismo-histórico, não o ser.

Em Marx nas margens: nacionalismo, etnia e sociedades não ocidentais, Kevin B. Anderson é bem mais ousado. A partir da análise de uma série de textos de Marx – a maioria inédita em português – e de originais compilados recentemente – como o material da Marx-Engels Gesamtausgabe (MEGA2) –, ele busca mostrar como o filósofo alemão, em sua trajetória intelectual, preocupou-se com questões raciais e de gênero e tornou-se um pensador não eurocêntrico, atento ao desenvolvimento das sociedades não capitalistas, defensor de uma via revolucionária multilinear, não determinista; em suma, um Marx que não toma o processo histórico europeu como métrica universal da história mundial.

Marx nas margens se opõe, de forma rigorosa e bem fundamentada, a análises clássicas, como a crítica de Edward Said em Orientalismo, que classifica Marx como orientalista; revela a preocupação marxiana com os processos de libertação nacional das nações oprimidas e com a luta contra a escravidão da população negra; demonstra, portanto, como é insustentável a tese de um Marx complacente com o colonialismo (considerando a totalidade de sua obra) ou indiferente à luta abolicionista.

De Marx nas margens emerge um pensador preocupado não só com a emancipação dos operários e das operárias fabris, mas de todos os explorados – um intelectual que dedicou muito tempo para estudar Rússia, China, Índia, Pérsia, Argélia etc. Em suma, o clássico chamado do Congresso de Baku (1920) para a união dos povos do Ocidente e do Oriente contra o capitalismo já estava no pensamento marxiano.

Com Kevin B. Anderson, podemos sair da defensiva e afirmar sem medo: Marx é, mais do que nunca, um autor para todas e todos os que lutam pela emancipação humana. Um pensador radicalmente universal porque compreendeu as particularidades do mundo em que viveu.

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“Este é um livro verdadeiramente desbravador. Kevin Anderson vai a contrapelo da sabedoria convencional que reduz Marx a um pensador eurocêntrico e economicista. Analisando uma variedade de escritos de Marx, incluindo seu trabalho jornalístico para o New York Daily Tribune bem como materiais inéditos sobre sociedades não europeias, o autor revela um teórico global cuja crítica social era sensível às diversas formas de opressão e luta sociais.” – Michael Löwy

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Jones Manoel é pernambucano, filho da Dona Elza e comunista de carteirinha. Começou sua militância na favela onde nasceu e cresceu, a comunidade da Borborema, construindo um cursinho popular, o Novo Caminho, junto com seu amigo Julio Santos (ele, Julio e outro amigo, Felipe Bezerra, foram os primeiros jovens da história de Borborema a entrar em uma universidade pública). Depois de dois anos com o cursinho popular, passou a militar no movimento estudantil em paralelo ao seu curso de história na UFPE. Pouco tempo depois, ingressou nas fileiras da UJC (a juventude do PCB). Ativo no movimento estudantil até 2016, hoje atua no movimento sindical e na área da educação popular. Mestre em serviço social, atualmente é professor de história, mantém um canal no YouTube e participa do podcast Revolushow. Segue militante do PCB. Escreve para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

2 comentários em Marx era um pensador eurocêntrico e racista?

  1. Uns 4 anos atrás já tinha escutado algo sobre esse livro de Kevin B. A. em encontros/estudos/seminários sobre o debate das relações raciais e marxismo, e se não me engano quem sempre falava desse autor era o Marcio Faria. Lembro de até procurar esse livro na net mas, só encontrei fragmentos do texto que ainda tinha que ser traduzido do inglês para o português. Enfim, que bom que teremos mais uma obra para o enfrentamento da negação do marxismo e questão racial. Por fim, camarada você é o verdadeiro propagandista, digo isso porque quando encontre essa publicação na rede social tinha uma pequena introdução aparecendo o no do K.B.A, corri(cliquei) achando que teria algumas citações do mesmo rsrsrrsr.. Vou ter que fazer uma grana para comprar esse exemplar……

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  2. Alisson Callado // 22/10/2019 às 6:10 pm // Responder

    Jones, ficou sabendo do lançamento do livro “Colonialismo” – editado pela Vicepresidência da Bolívia – compilando textos de Marx sobre a questão colonial?

    https://www.vicepresidencia.gob.bo/Se-presentara-el-libro-inedito-Colonialismo-Cuadernos-de-Londres-No-XIV-1851

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