A caça às bruxas é um fenômeno histórico do passado e do presente | Sabrina Fernandes escreve sobre Silvia Federici
A resistência é coletiva e atual. Não somos apenas “as netas das bruxas que vocês não conseguiram queimar”. As perseguições ainda existem. E o livro "Mulheres e caça às bruxas", de Silvia Federici, é essencial para compreender isso.
Por Sabrina Fernandes.
Silvia Federici é um nome de impacto em debates sobre as lutas das mulheres pelo mundo, e seus argumentos, que trazem à tona elementos históricos de opressão, impulsionam a reação e a revolta de movimentos feministas atuais.
Mulheres e caça às bruxas, obra mais recente da autora, retoma e atualiza temas já abordados em sua pesquisa sobre a relação entre esse tipo de perseguição e o patriarcado e ressalta que a caça às bruxas precisa ser conhecida como fenômeno histórico – do passado e do presente; mulheres são perseguidas, torturadas, aprisionadas e assassinadas hoje como resultado direto ou indireto de práticas que ditam sua função e aquele que seria seu papel apropriado no sistema capitalista e patriarcal.
Assim, é preciso compreender as condições que permitem, favorecem e implicam a sujeição das mulheres em diversas sociedades. Se o campo moral, dominado ideologicamente pelo machismo, influencia o imaginário daqueles que condenam as mulheres, deve-se ter em mente que ele também possibilita que a perseguição extrapole atos simbólicos e individuais e se revele enquanto violência sistêmica. É por isso que uma análise do processo de privatização das terras, da colonização (e seus desdobramentos raciais atuais) e de temas como os ajustes estruturais capitalistas se faz necessária para superar uma visão mítica da figura da bruxa, do caçador e da mulher.
Os capítulos também introduzem discussões incipientes de Federici – um deles trata do termo “gossip” [fofoca] e da suposta nocividade da expressão feminina. Mesmo que mulheres tenham mais voz hoje, nem sempre suas vozes ecoam. Barreiras são impostas pelo machismo nos espaços de luta ao mesmo tempo que o conservadorismo político se levanta contra o feminismo. Parte do esforço da mulher está em ser ouvida, em não ser silenciada.
A resistência é coletiva e atual. Não somos apenas “as netas das bruxas que vocês não conseguiram queimar”. As perseguições ainda existem. E este livro é essencial para compreender isso. A obra de Silvia Federici, militante internacional dos movimentos feministas, tem como objetivo informar a luta necessária para abolir de vez as práticas opressoras.
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É hoje! Silvia Federici debate Mulheres e caça às bruxas com Maitê Freitas e Natália Neris na USP. Com mediação de Heloisa Buarque de Almeida, o evento é gratuito e aberto ao público em geral. Ao final do debate, haverá sessão de autógrafos com a autora!
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Para combater a atual onda de violência contra as mulheres, é preciso entender suas causas imediatas, conhecer suas origens e desvendar de que maneira à opressão histórica somam-se novas e perversas formas de exploração, Mulheres e caça às bruxas: da Idade Média aos dias atuais é um instrumento potente nessa jornada. Ao retomar assuntos abordados em Calibã e a bruxa e tendo em mente um público leitor mais amplo, Silvia Federici analisa as perseguições às bruxas na Europa dos séculos XVI e XVII, apresenta informações sobre a violência sistêmica contra as mulheres hoje e denuncia como se deram – e se dão – processos de “cercamento” do corpo da mulher, de sua autonomia em relação à reprodução e de sua subjetividade. A edição da Boitempo, a cargo de Thais Rimkus, vem acrescida de um prefácio assinado por Bianca Santana, e traz um ensaio visual de Vânia Mignone, além de contar com tradução de Heci Regina Candiani.
“Em Mulheres e caça às bruxas Silvia Federici enfatiza que esse tipo de perseguição não é um fenômeno episódico de violência contra mulheres nem uma manifestação endógena de culturas tradicionais reativas ao império do valor de troca. A caça às bruxas, ao contrário, é estrutural e estruturante da sociabilidade burguesa, prática e ideologia misóginas introduzidas de fora para dentro nas comunidades. Da acumulação primitiva aos dias atuais, funciona como mecanismo de dissolução e controle da humanidade imanente aos corpos e aos saberes femininos.” – Maria Orlanda Pinassi
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Sabrina Fernandes é doutora em Sociologia, com especialização em Economia Política, pela Carleton University, no Canadá. Além de estudar e viver o contexto da esquerda brasileira, é especialista em teoria marxista, estudos feministas e sociologia ambiental. Atualmente, é pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília e produz o canal de divulgação científica e política, Tese Onze.
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