O Hegel de Losurdo
Em obra de referência, que acaba de ganhar sua primeira edição em língua portuguesa, Domenico Losurdo demonstra que o cabo de guerra entre as interpretações “conservadora” e “liberal” de Hegel ofuscou e distorceu os aspectos mais importantes do pensamento político do grande filósofo alemão.
Já faz um ano que Domenico Losurdo nos deixou. Filósofo marxista de primeira e militante comunista de inflexível veio crítico, Losurdo foi também um querido amigo e camarada da Boitempo. Em sua última visita à editora ele expressou o desejo de ver seu “Hegel e a liberdade dos modernos” publicado por aqui. Infelizmente, a morte o levou antes disso. Essa edição é um modo de honrar a memória do autor e de manter vivo o pensamento desse grande marxista. Leia, abaixo, o texto escrito por Gianni Fresu sobre a obra.
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Por Gianni Fresu.
No que diz respeito ao pensamento político de Hegel, se consolidou a tendência a contrapor uma história esotérica (o Hegel privado) a uma história exotérica (o Hegel público). Ao invés de um cuidadoso trabalho filológico, filosófico e historiográfico, privilegiaram-se fontes “ocultas” e inacessíveis que mascaravam o explicito sentido político de sua produção teórica. Neste livro, por meio de uma articulada resenha crítica do acirrado debate filosófico sobre o legado de Hegel, Domenico Losurdo sustenta a necessidade do estudo sistemático da elaboração hegeliana.
Escolhendo o terreno real da história da filosofia e definindo a precisa configuração do seu real significado, o autor demonstra os limites tanto das leituras arbitrárias daqueles que trabalham no campo da suposição (a dissimulação, a “duplicidade oportunista” e a “autocensura”) quanto das multíplices transfigurações da obra do filósofo alemão que, abstraindo da concretude dos conteúdos histórico-políticos, pretendem filiá-lo aos apologistas da Restauração.
Mas esta obra é importante não apenas por demonstrar a parcialidade e as contradições dos críticos que contrapõem a filosofia de Hegel à liberdade dos modernos, fornecendo assim instrumentos conceituais úteis para compreender a visão de mundo, as categorias e o significado das polêmicas intelectuais que o envolveram. Losurdo nos explica a relevância da filosofia de Hegel para entender racionalmente a Revolução Francesa – como negação dialética da velha sociedade em agonia – e suas heranças no devir da humanidade. Hegel soube reconhecer a história mundial como um processo unitário e dialético no qual as transformações não são dominadas por inacessíveis leis divinas ou naturais, sendo antes a consequência do estrito entrelaçamento de contradições objetivas e subjetivas geradas no corpo mesmo do tecido social abalado pelo conflito.
A história da revolução filosófica alemã é a afirmação dos princípios da razão em todos os campos, a transcrição teórica do desenvolvimento histórico do mundo moderno, daquele progresso da liberdade que encontrou na Revolução Francesa um autêntico divisor de águas. A história universal é um produto da razão eterna – e a razão determinou suas grandes revoluções, seja do mundo como dos indivíduos –; ela é a objetivação processual da emancipação humana na longa marcha da universalidade, da qual Hegel teve consciência e à qual ele deu forma filosófica e fundamentos gnosiológicos.
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Hegel e a liberdade dos modernos, de Domenico Losurdo
Nesta obra de referência, Domenico Losurdo demonstra que o cabo de guerra entre as interpretações “conservadora” e “liberal” de Hegel ofuscou e distorceu os aspectos mais importantes do pensamento político do grande filósofo alemão. Partindo de um rigoroso exame de todo o corpus de Hegel, o autor italiano desmonta esse dualismo enganoso e recupera a discussão dos princípios políticos e filosóficos por trás do liberalismo contemporâneo, bem como a relação entre a filosofia política de Hegel e o pensamento de Karl Marx e de Friedrich Engels.
Traduzido em diversas línguas, lançado nos Estados Unidos e na China, este livro revela como as questões abordadas por Hegel no século XIX reverberam em muitas das principais preocupações políticas da atualidade – como comunidade, nação, Estado e liberdade – e evidencia os limites do velho e do novo liberalismo.
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