Cultura Inútil | Chatos: haja saco!

Mouzar Benedito reúne as melhores frases e ditados sobre “chatos” e "chatiçe", em coluna especial da série Cultura Inútil.

Por Mouzar Benedito.

“Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato”. Esta máxima do Barão de Itararé, dita e repetida com frequência, não perde a atualidade. Em parte pela perda de pessoas boas, que parecem estar com o saco cheio do mundo: só este ano, quanta gente legal foi desta para uma melhor?

Minha teoria, não aceita por algumas pessoas com quem comentei, é que, principalmente os mais velhos, estão pensando: “Aguentei uma ditadura, e chega… Mas tá aí um fascismo ficando cada vez mais escancarado que será difícil suportar, então vou indo…”

E se muitos bons se vão, muitos e muitos e muitos e muitos chatos se revelam, se autoafirmam, se multiplicam, e são orgulhosos de suas chatices. O que aumenta a chatice do mundo.

Para o chato atualmente “empoderado” (ô, palavra chata), a vida tem que ser chata. Até a Terra tem que ser chata, quer dizer, plana.

Eles bem que poderiam expor suas chatices olhando no espelho, aí incomodariam só a eles mesmos, mas não. Fazem questão de chatear os outros. Acho que acreditam que a chatice ajuda a ser bem-sucedido nas suas pretensões, juntando essa chatice a outras“qualidades” como imbecilidade, reacionarismo extremo, não suportar manifestações de inteligência, cultura, educação, democracia, pensamento lógico, humanismo, respeito à natureza, nada disso – enfim, ser um bolsonarista perfeito.

Claro que há não-bolsonaristas chatos também. Nem todo chato é bolsonarista, mas todo bolsonarista é chato.

Cada dia mais abundantes, eles chateiam no atacado e no varejo. E tem coisa mais desagradável do que ser “alugado” por um, que não larga do seu pé?

Bom… Tem um bichinho, que não é chamado de chato à toa. Além de ser “chato” no sentido baixinho e plano, sem relevo, também gruda na gente, só que não pega no pé, gruda no saco, ou melhor, na região pubiana. Mulher também pode ser vítima do pentelho… Epa! Ele gruda é no pentelho, justamente. Ou melhor, os ovos do bichinho é que grudam nos pentelhos, e aí ficam até chocarem e nascerem outros chatinhos.

Há um bom tempo diziam que mais chato do que um sujeito chato é o cricri. Cricri, no caso, é um bichinho que dá no saco do chato. Então um sujeito pra lá de chato era chamado de cricri. Não se contentaram com isso, diziam haver um tipo mais chato ainda, e inventaram o zung-zung, que é um bichinho que dá no saco do cricri. Existia também a expressão “chato de galocha”, para qualificar um chato chatíssimo.

Galocha não existe mais. Talvez haja gente que nem sabe o que é – ou era. – Havia uma espécie de calçado de borracha para se calçar em cima do sapato, em dias chuvosos. Assim, não se molhava nem sujava de barro os sapatos (principalmente masculinos) que eram mantidos limpinhos e brilhantes, como se gostava. Esse negócio que se calçava em cima dos sapatos chamava-se galocha. Chegando em casa ou outro lugar, tirava-se a galocha. Procurei saber porque havia o tal “chato de galocha” e a explicação é que o sujeito chatíssimo era do tipo que entrava nas casas dos outros sem tirar a galocha, ia sujando ou molhando o assoalho.

Volto ao chato, o bichinho, não o sujeito que fica nos enchendo o saco. O nome científico dele é Pthirus pubis, e é descrito no dicionário Houaiss como “inseto anopluro [para que não precisem procurar um dicionário, esclareço: anopluro é “desprovido de asas”] da família [o desgraçado tem família] dos ftiriídeos, cosmopolita, que mede cerca de 1,3 mm de comprimento e vive geralmente na região pubiana do homem”. O danado tem outros nomes, como carango, ladro, piolho-das-virilhas e piolho de soldado.

Uma vez, escrevendo um texto chamado “Vigarices da natureza”, para um anexo do maravilhoso disco “Hortelã”, de Ivan Vilela (o primeiro dele, quando era ainda um quase adolescente), citei o chato, bichinho que do meu ponto de vista não tem função nenhuma na natureza. Só serve mesmo para encher o saco.

Os biólogos contestam as afirmações de que alguma coisa não tem função na natureza. Perguntei a um deles qual seria, então, a função do chato. Ele não sabia. Disse que devia ser alimento de algum pássaro. Contestei: ele vive exclusivamente na tal região pubiana, e nunca vi um pássaro invadindo nossas calças ou saias, querendo comer chatos.

Mas o que quero falar aqui é do chato gente. Tem o bolsonariano, campeão de todos, mas tem também o tipo que numa festa diz: “Enquanto a gente está bebendo e rindo aqui, tem criança passando fome na África”, e insiste em querer discutir sobre isso em plena festa. Como diz o Houaiss, ele é maçante, enfadonho ou insistente; aborrece, irrita, estorva, perturba…

Chato pode ser chamado também de aporreante, aporrinhante, atanazante, azucrinante, molesto, sacal, tedioso, importuno, maçador, entendiante, guerrento, impertinente, pentelho, enjoado, trelente, rebarbativo, tedioso, treloso, aboleimado, cacete, rançoso, insulso, rançoso, cabuloso, parolador, enfadonho…

Uma época, por causa de um personagem do Walt Disney, cara chato passou a ser chamado também de Peninha. E muitos pegaram esse apelido.

Como faço sempre, nesta série de cultura inútil, catei por aí algumas coisas ditas sobre esse tipinho.

Millôr Fernandes: “Chato é o cara que conta tudo tintim por tintim e depois entra em detalhes”.

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Millôr, de novo: “É melhor um patife que um chato, porque ninguém consegue ser patife 24 horas por dia”.

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Ambrose Bierce: “Chato: uma pessoa que fala quando você quer que ela ouça”.

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Tati Bernardi: “Um chato metido a rico é um chateau”.

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Eu: “Chato sempre encontra um jeito de ser anti. Muitos eram anticomunistas, mas o anticomunismo andou fora de moda e surgiram militantes antitabagismo. Agora o anticomunismo voltou à moda, acompanhado do antipetismo”.

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Eu, de novo: “E aquele adolescente chato que diz não ter pedido para nascer? Fez mais do que pedir: correu mais que milhões de espermatozóides para fecundar o óvulo e nascer”.

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Sid Caesar: “O problema de se contar uma piada boa é que ela imediatamente faz o chato se lembrar de uma ruim”.

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Neil Simon: “Bêbados são uns chatos, a menos que saibam cantar umas coisas engraçadas e tenham dinheiro para perder no pôquer”.

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Dylan Thomas: “Alguém está me matando de tédio. Acho que sou eu”.

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Mário Quintana: “Há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos que são os nossos chatos prediletos”.

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Quintana, de novo: “O maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo ou narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa”.

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Quintana, mais uma vez: “No céu é sempre domingo. E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos. E lá é ainda pior que aqui, pois se trata dos chatos de todas as épocas do mundo”.

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Marilyn Monroe: “A imperfeição é bela, a loucura é genial e é melhor ser absolutamente ridículo que absolutamente chato”.

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Ralph Emerson: “Todo herói torna-se chato”.

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Oscar Wilde: “Um chato é um homem que nunca é rude – sem querer”.

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Dean Acheson: “A primeira exigência que se faz a um estadista é a de que seja um chato. Não é uma coisa fácil de conseguir”.

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Um personagem de Leon Tolstói: “Eu sou chato, até te ver triste… Eu sou insensível, até te ver chorar… Eu sou maduro, até te ver sorrir… Eu sou completo, até perceber que você é minha metade”.

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Placa em um bar: “É proibido encher o saco de quem está bebendo”.

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Oliver Holmes: “É característica do chato que ele é a última pessoa a saber disso”.

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Clarice Lispector: “O mundo todo é ligeiramente chato, parece. O que importa na vida é estar junto de quem se gosta”.

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John D. McDonald: “Um chato é uma pessoa que nos priva da solidão sem nos fazer companhia”.

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Oscar Wilde: “Os homens ficam terrivelmente chatos quando são bons maridos, e abominavelmente convencidos quando não o são”.

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Oscar Wilde, de novo: “Não quero nem adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa”.

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Bonitinho: “O chato não é ser bonito, o chato é ser gostoso”.

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Stella Adler: “Você não pode ser chato. A vida é chata. O tempo é chato. Atores não devem ser chatos”.

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Provérbio: “Não faça visitas frequentes a casa do seu vizinho, para que ele não se canse de você e passe a odiá-lo”.

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Guilherme Figueiredo: “Cada indivíduo tem o chato que merece. É impossível chatear um chato. Dois chatos da mesma espécie não se chateiam”.

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Guilherme Figueiredo, de novo: “Toda criança é chata”.

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Barão de Itararé: “A criança arteira enche de alegria uma casa; enche também os pais de preocupação; enche de satisfação os amiguinhos; enfim a criança enche, enche…”.

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Evelyn Wangh: “Pontualidade é a virtude dos chatos”.

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Charles Bukowski: “São raríssimas as pessoas com quem aguento ficar por mais de cinco minutos sem me chatear”.

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Reginaldo Rossi: “Todos os bebuns ficam chatos, valentes e com toda a razão”.

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Aécio Neves (conversando com Joesley Batista, sobre o não reconhecimento da derrota em 2014 e abertura do processo contra a chapa Dilma-Temer no TSE – que Gilmar Mendes aceitou e depois da cassação de Dilma ficou contra, para não tirar Temer da presidência): “Foi um negócio para encher o saco do PT”.

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Nise da Silveira: “Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é nossa realidade mais profunda. Felizmente eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas”.

Um livro sobre ele e um jeito de calar um chato

O general Figueiredo, último presidente da ditadura, tinha um irmão intelectual, o dramaturgo Guilherme Figueiredo, muito respeitado. Ele escreveu em 1962 o livro “Tratado geral dos chatos”, em que especifica os vários tipos de chato e os descreve “cientificamente”. Cito alguns deles.

O “chato etílico” é aquele que quando bebe começa com chatices lamentosas, vai aumentando o tom, ficando mais agressivo e no fim quer partir para a briga.

O “chato catequético” é quer te catequizar, convencer de certas coisas.

O “chato folgado” é aquele que quando você diz “sinta-se em casa” ou “fique à vontade” ele segue isso à risca.

O “chato ofertante” é aquele que diz: “Você não pede, manda”, quando você vai lhe pedir algo. Mas assim que você fala o que é ele se justifica dizendo que não vai dar pra fazer… “Quem sabe na próxima…”

O “chato don-juanesco” é o paquerador compulsivo que se gaba se suas conquistas.

O “chato tartufucloco” (inspirado na peça “O Tartufo”, de Molière) é o que se instala na casa alheia sem a menor cerimônia e vai ficando, sem querer saber se incomoda ou não, querendo tudo e algo mais. O autor cita sogras, cunhados, amigos de infância…

O “chatimbanco” é o que fica fazendo pegadinhas bestas, o tempo todo.

Sobre este último tipo, lembro-me de um que apareceu numa festa e ficava insistindo com umas pegadinhas manjadas, como “O Lochas tá te procurando”, esperando alguém perguntar “Que Lochas?”, para responder “Aquele que te pôs nas coxas” e rir histericamente. E continuava “O Mário…”, esperando que alguém lhe perguntasse “Que Mário?”, para responder “Aquele que te comeu atrás do armário”, e gargalhar… Se ninguém perguntava, insistia, até que alguém perguntasse só para tentar se livrar dele. Enchia o saco com suas pegadinhas que eram pra lá de conhecidas de todo mundo.

O Luizim, amigo meu, uma hora coçou o saco na frente dele e perguntou: “O que é bom pra chato?”. O sujeito respondeu alegre: “Detefon”. E o Luizim completou: “Se eu te ter uma latinha você vai embora?”.

Tá aí uma sugestão para quando um bolsonariano ficar enchendo o saco…

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2017, e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

3 comentários em Cultura Inútil | Chatos: haja saco!

  1. Sendo chata: chatice não tem “ç”.

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  2. Gustavo De Mello // 05/08/2019 às 3:56 pm // Responder

    Que maravilha de texto, para sempre serei um fã, por definição chato, com esse dedicado especialista que organizou nossa existência de forma erudita, cosmopolita. Valeu! Muito bom.

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  3. Sergio Guimarães // 07/08/2019 às 1:25 pm // Responder

    Obrigado, Mouzar. Sem falar do micuim.

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