As duas vias do fascismo à brasileira: alternativas do movimento popular
Bolsonaro e seus adeptos representam a aposta em um Estado totalitário, os golpistas de 2016 apostam em um fascismo cirúrgico e de menor intensidade. Diante do isolamento provisório das esquerdas na sociedade, é extremamente importante tomarmos em consideração esta conjuntura.
Por Carlos Eduardo Martins.
Para você que não acredita no fascismo à brasileira, sugiro o seguinte exercício: deixe de imaginar monstros e pense que justamente o que há de pavoroso nele é que sua base é constituída por formas de existência de seres humanos. Podem estar na padaria, na banca de jornal, no trabalho, na família, entre conhecidos, em qualquer parte.
Quem acreditaria que os alemães da Republica de Weimar, exemplo de ilustração republicana, apoiariam o fascismo? Uma das chaves de explicação é que não há nada mais fascista que um burguês ou liberal assustado e, ainda, que um trabalhador ressentido desprovido de consciência de classe (ou que, frustrado, a abandonou por decepção), movido pelo ódio.
Historicamente, como mostram os casos da Alemanha e da Itália, o fascismo não vence apenas com seus pares de puro-sangue, mas com cooptação, discursos e narrativas
Tal como o liberalismo e o socialismo, o fascismo não pode ser apreendido a partir de um checklist de características, como nacionalismo, imperialismo, antissemitismo etc., mas sim pela forma como a sua essência se desenvolve nas mais diferentes condições concretas.
A essência do fascismo é a destruição da consciência de classe dos trabalhadores e de seus direitos públicos e privados por meio da utilização do terror. O emprego do terror pode levar a formas totalitárias de Estado, onde cria-se um Leviatã que elimina a própria autonomia da sociedade civil burguesa, ou a formas mistas e híbridas que empregam um fascismo cirúrgico, que busca manter a casca formal do liberalismo político, mas submetê-lo a um aparato de violência e terror, inviabilizando-o como sistema de competição eleitoral.
Bolsonaro e boa parte dos seus adeptos representam a aposta em um Estado totalitário para promover a circulação das elites (econômicas, politicas, sociais e culturais), centralizar as comissões do imperialismo e aniquilar as esquerdas e os movimentos populares, não apenas na política partidária mas na sociedade civil. Para isso, apostam na criação de milícias políticas através da liberação do porte de armas e da instituição da legítima defesa da propriedade, bem como no Estado de Sítio, que pode ser aprovado por maioria simples no Congresso em função de reivindicações subjetivas como uma situação de “comoção pública”.
Os golpistas de 2016 apostam em um fascismo cirúrgico e de menor intensidade, mas que macula decisivamente a soberania nacional, elimina a competição política com uma gestão criminosa do poder judiciário e impõe uma agenda ultraneoliberal a uma população incapacitada de reagir pela recessão econômica, alto desemprego e destruição de forças produtivas, garantidos por vinte anos pela Emenda Constitucional 95.
Eles se opõem à aniquilação completa da sociedade civil diante do Estado, dirigindo a repressão principalmente às representações políticas dos trabalhadores. Temem tanto a supercentralização fascista do Estado, quanto o ativismo das classes trabalhadoras. Por isso, havendo domado estas, dedicam-se a limitar a agenda política dos fascistas radicais. Sabem que perderam seus eleitores para estes e que, se destruídos os movimentos populares, não contarão com nenhuma base de apoio de massa para fazer frente ao projeto de circulação das elites via Estado, que o fascismo radical quer implementar.
Diante do isolamento provisório das esquerdas na sociedade, é extremamente importante tomarmos em consideração esta conjuntura. Sem abrir mão do nosso protagonismo e de nossa agenda antineoliberal radicalmente democrática e de retomada do desenvolvimento, devemos tirar partido das contradições entre esses dois blocos dominantes para retomar um programa de emancipação de curto, médio e longo prazo dos trabalhadores do Brasil.
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A edição atual da revista semestral da Boitempo, a Margem Esquerda, traz um dossiê especial inteiramente dedicado aos rumos do governo Bolsonaro, com análises de Leda Paulani, Celso Amorim, Alysson Mascaro e João Quartim de Moraes. E ainda, reflexões de Patricia Hill Collins, Michael Burawoy, Carlos Rivera-Lugo, Joachim Hirsch e Nuno Ramos, entre outros.
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Carlos Eduardo Martins é Professor Associado do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ e Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia (LEHC/UFRJ). Membro do conselho editorial da revista semestral da Boitempo, a Margem Esquerda, é autor, entre outros, de Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina (2011) e um dos coordenadores da Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2007) e co-organizador de A América Latina e os desafios da globalização (2009), ambos publicados pela Boitempo. É colaborador do Blog da Boitempo quinzenalmente, às segundas.
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