Os sinais da decadência vêm de longe…

"Bolsonaro veste chinelo? Jânio vestia alpargatas Sete-Vidas, com sola de borracha." Flávio Aguiar faz um breve panorama das estratégias da direita frente ao Governo Federal desde o fim do Estado Novo até os tempos que correm.

Por Flávio Aguiar.

Nos tempos eleitorais que se seguiram ao fim do Estado Novo, a primeira tentativa oficial da direita era bonita e engomadinha: o Brigadeiro Eduardo Gomes, que voltaria a concorrer. Solteirão, atraía as moças, que fizeram campanha vendendo os bolinhos do chocolate que ganhariam, no Brasil inteiro, o nome da sua patente aeronáutica, menos no Rio Grande do Sul, onde se chamam de “negrinho”. Tinha apoio até da esquerda socialista. Não deu certo. Na prorrogação, Getúlio apoiou Dutra, e este ganhou. Foi um desastre.

Em 1950, o Brigadeiro voltou à carga. Perdeu de novo, desta vez para o próprio Vargas. Lema: “vote no Brigadeiro, ele é bonito e é solteiro”.

Em 55, depois do trauma de 54, a direita tentou com Juarez Távora, também militar, também bonitão, também não deu certo. Só ganhou no Nordeste, com exceção do Rio Grande do Norte. Bom, havia o concorrente Adhemar de Barros, que ganhou em S. Paulo e no Paraná, além de no Amazonas e Rondônia. Juscelino e sua mineirice levaram.

Daí as direitas aprenderam. Em 1960 voltaram com um candidato populista: Jânio Quadros, um desequilibrado. Bolsonaro veste chinelo? Jânio vestia alpargatas Sete-Vidas, com sola de borracha. Conseguiu se indispor com a UDN que o elegeu. E as direitas tiveram que engolir Jango na vice. Deu na renúncia, tentativa de golpe em 61, resistência, Legalidade, Jango assumiu em meio a um acordão chamado “parlamentarismo”, que durou pouco.

Em 64 as direitas apelaram e foram para o golpe. Seguiram-se Castelo Branco, o equilibrista, Costa e Silva, o desequilibrado, a Junta Militar, na corda bamba, Medici, o Torquemada, Geisel, o megalô, e Figueiredo, o cavalo adepto da Cavalaria.

As direitas tentaram Maluf, mas seguiu-se Tancredo, dito o melhor presidente que já tivemos, porque nunca assumiu nem exerceu o cargo. Na sua ausência veio Sarney, o ausente, mas em todo caso, primeiro civil depois de 21 anos. Decorou o centro histórico da sua São Luís do Maranhão, coisa meritória.

Depois, diante da inevitável democracia, as direitas vieram com Collor. Outro desequilibrado, embora bonitinho, como o Brigadeiro e o Marechal Távora. Ganhou, com a ajuda de artimanhas da Globo, e dos sequestradores de Abílio Diniz, crime que foi imputado ao PT, assim como no futuro seriam as mamadeiras de piroca. Deu no que deu: impropriedades, impeachment, desastre.

Passado o período do interregno chamado Itamar, as direitas conseguiram um flamboyant professor universitário, com aura de esquerda mas fígado desde sempre de direita, FHC, alguém muito diferente do professor Fernando Henrique Cardoso, que gestou aquele sósia. Durante quatro anos deu certo. Depois também desandou, como bolo que abatuma quando se abre prematuramente a porta do forno. As crises internas deflagradas pela adesão irrestrita e subordinada ao Consenso de Washington o levaram ao ralo: desemprego, quebradeiras, dívidas astronômicas…

Vieram os anos Lula e Dilma, em que inutilmente as direitas tentaram emplacar candidatos inemplacáveis, como o insosso Alckmin, o chuchu do casaquinho de Fórmula 1 e o intragável Serra, o careca da bolinha de papel. Sem falar no playboy mineiro-carioca, o Aécio que se recusa a fazer exame de bafo.

Mas aí decisões estratégicas foram tomadas. Equipes de juristas provincianos e deslumbrados foram despachadas para os States, pra aprenderem como se dá um golpe jurídico no estilo Bush contra Al-Gore, depois também testado em Honduras e no Paraguai. A mídia conservadora, sempre alerta, despejou mais e mais munição contra o PT e Lula, elevados à categoria de alma mater de todas as corrupções, cantilena que embalou grande parte da classe media e muita gente da extrema-esquerda, desejosa de surfar na onda. Lembram-se da T-shirt da senadora Heloisa Helena ombro a ombro com o paletó de ACM Netinho? Pois é.

Juristas respeitáveis começaram a deglutir e vomitar teses mal digeridas como a do “domínio do fato” e a da substituição de provas pela convicção, além de aprenderem a fazer “Power Points” ridículos.

Bom, mas de derrota em derrota as direitas chegaram ao estado atual da arte: com ajuda dos métodos de Steve Bannon, testados no Brexit e com Trump, ajudados pela turma do Judiciário e a complacência da caserna, conseguiram emplacar o governo mais incompetente, burro, desbocado e desmoralizante do Brasil desde 1500.

Vamos ver até quando vão e até onde vão levar nosso país, no caminho da destruição.

No ínterim, quem sabe Bolsonaro e Steve Bannon consigam fazer de Malafaia o próximo Papa, e de Olavo de Carvalho o próximo prêmio Nobel da literatura pornô.

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Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel (2012). Seu mais novo livro é O legado de Capitu, publicado em versão eletrônica (e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

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