Berlim em tempo de cinema

Flávio Aguiar dá início à sua tradicional cobertura do Festival Internacional de Cinema de Berlim!

Por Flávio Aguiar.

Parodiando dito de meu colega de USP e amigo Peralta sobre a faca, Berlim é uma cidade de muitos gumes, todos cortantes.

Saia à rua: segundo os próprios berlinenses mais argutos, Berlim é uma cidade cariada. Ao lado do prédio inteiramente novo, encontra-se o antigo. Este sobreviveu aos bombardeios da Segunda Guerra; aquele ergueu-se sobre os escombros do que desapareceu em fogo e fumaça. E há os novíssimos: Berlim no momento virou um imenso canteiro de obras. Ou ali está outro que tem ar de novo, pelo estuque externo, mas de antigo, pelo tamanho das janelas: trata-se de prédio que sobreviveu mas com o estuque original afrouxado devido ao impacto próximo das bombas. De vez em quando descobre-se uma delas que não explodiu e permanece soterrada. Segundo as estatísticas, na Alemanha deve haver entre 95 e 250 mil toneladas de bombas que não explodiram e dormem quietamente sob a superfície de terras e águas.

Disse um prefeito progressista de Berlim que esta cidade era “pobre porém sexy”. Pobre: Berlim tem uma lata taxa de desemprego, um grande número de sem teto e sem nada. Sexy: nenhuma cidade da Alemanha ou da Europa desfrutas da pulsante vida noturna de Berlim. Talvez alguns bairros de Londres, ou de Paris, e algumas cidades da Espanha, onde nada funciona antes das dez da manhã, e janta-se às onze da noite. Berlim está deixando de ser “pobre”, graças ao boom imobiliário e de preços. Esperemos que permaneça sexy.

Mas a noite berlinense é dos jovens. Curioso: a capital alemã é “feita para jovens”, embora ela tenha uma das populações, em média, mais idosas do país.

Explica-se: ao final da Segunda Guerra sobraram com vida em Berlim muitas mulheres e idosos. Os jovens morreram na Guerra. Instalada a Guerra Fria, Berlim Ocidental tornou-se uma ilha cercada de comunistas por todos os lados. Para atrair jovens, ergueu-se uma política de atividades culturais profusas, gratuitas, atraentes, além de atrativos como a isenção do serviço militar para quem nela viesse morar. Criou-se uma nova universidade, já que a tradicional, a Humboldt, ficara “do outro lado”. E gratuita, coisa que vale até hoje.

Resultado: Berlim tornou-se, mesmo depois da reunificação, ou melhor, da anexação da comunista, derrotada, pela Alemanha capitalista, uma cidade “de esquerda” no espectro político do país. Atualmente, é um dos poucos espaços políticos onde subsiste uma aliança, ainda que precária, entre os partidos da social-democracia (SPD), da ecologia (os Verdes) e a Linke, considerado de “extrema-esquerda moderada”. Parece Portugal, com sua “Geringonça” que, como o besouro, aparentemente não poderia voar, devido à fragilidade das asas diante do peso do corpo, mas que no entanto avoa, graças à velocidade com que as bate.

Em Berlim o cinema faz parte desta velocidade das asas. Berlim tem uma longa tradição cinematográfica, tanto à direita (Leni Riefenstahl) quanto à esquerda (Fritz Lang, embora ele fosse austríaco). Na década de 50 esta tradição foi revigorada, e um dos seus esteios foi a criação da Berlinale, que se transformou no maior e melhor organizado Festival de Cinema da Europa (opinião minha), fazendo parte, com Cannes e Veneza, do chamado “Trio de Ouro” do cinema deste continente.

Como um polvo benigno, a Berlinale espalha seus tentáculos por toda a cidade e por todas as idades. Hei programs especiais para crianças e adolescentes. Estes têm um júri próprio, que também atribui prêmios de primeira grandeza. Na edição deste ano, a 69a. desde sua criação em 1951, a Berlinale expõe mais de 400 películas, entre as que disputam o Urso de Ouro (14) e os outros Ursos de Prata, e as que fazem parte de mostras paralelas, incluindo retrospectivas (com homenagem desta vez a Luchino Visconti) e uma seção curiosa chamada de “Cinema Culinário”, que foca o tema nas telas e fora delas, com “chefs de cuisine” com reputação inabalável preparando refeições ao findar das exibições.

E há seminários dedicados a jovens cineastas do mundo inteiro também. Esperam-se 500 mil visitantes neste ano, além de centenas, talvez mais de um milhar, de jornalistas dos quatro cantos dos ventos cardeais.

Enfim, durante a Berlinale, Berlim é uma festa, apesar do inverno (aliás, muito suave neste mês de fevereiro, com temperaturas e chuvas que lembram as de Porto Alegre em junho, sem sombra ou luz de neve).

O Brasil está presente com 12 filmes, 11 longas e um curta. Há produções inteiramente nacionais e co-produções com outros países, como Alemanha, França, Cuba, por exemplo.

Ah sim, uma observação muito importante: nos 404 filmes exibidos, segundo as sinopses disponíveis, não há um único que se dedique à campanha de salvacionismo da civilização-cristã-ocidental, apanágio de Trump, Orban, Salvini, além de Bolsonaro e famiglia, Araújo, o chanceler aloprado, Vélez, Delamares, Salles, Moro e o ministro da Casa Civil que anda perigosamente armado com liquidificadores. Nem mesmo entre os brasileiros: provavelmente por este motivo, a Embaixada do Brasil neste ano cancelou a tradicional recepção que oferecia aos cineastas, atores, atrizes, jornalistas, produtores do Brasil todo ano durante a Berlinale.

Sinal dos tempos.

***

Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel (2012). Seu mais novo livro é O legado de Capitu, publicado em versão eletrônica (e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

3 comentários em Berlim em tempo de cinema

  1. jose fernando junqueira // 15/02/2019 às 12:27 pm // Responder

    Parece qui o “mocho de Minerva ” ainda não alçou vôo da noite escura para a clara luz de novos horizontes na história , por isso continuamos a espreita de novos resultados .

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  2. Mouzar Benedito // 15/02/2019 às 9:25 pm // Responder

    Oi, Flávio…eu ia sugerir para essa turma do poder atual o film
    “Marcelino,Pão e vinho “, e no nível dele não é? Mas ia desagradar boa parte dos bolsonaristas: :Marceilino era católico…
    Abraços.
    Mouzar

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  3. Rivelino Batista // 18/02/2019 às 6:20 am // Responder

    Você aí, Flávio, com os filminhos ruins brasileiros (nenhum brasileiro aprecia ou vê):

    Você — Aguiar — com seu textinho é semelhante ao:
    «Viva toda a velocidade do 4.5G, Vivo» (quá-quá-quá)

    «O que nós podemos fazer por você, hoje? Santander.» [buá, buá, buá]

    «Não é cliente? Então vem! Itaú» [mi, mi, mi. Conte outra mentira].

    E a dilma, hein?

    Só publicidade & propaganda. O me engana que eu compro. O Páááátria Educadôôôôra!

    Ganhadora do Oscar?…

    Dilma? A baranga de BELO Horizonte?
    A bregaça do Maletta? Kuá, kuá, kuá!

    O PT e manezões vivem de enganar e seduzir as muitas gentes com frasinhas mentirosas e textos picaretas como os de cima. Ao estilo de:

    «Viva toda a velocidade do 4.5G, Vivo» (quá-quá-quá]

    «O que nós podemos fazer por você, hoje? Santander.» [buá, buá, buá]

    «Não é cliente? Então vem! Itaú» [mi, mi, mi. Conte outra mentira].

    Me engana que eu compro o barangaço do PT!

    O PT e todos que o ama são barangonas. E barangões. Baranguérrimos políticos.

    “ A Cerveja que Desce RedondO”.

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