As duas revoluções de Perry Anderson

Em novo livro, aclamado historiador marxista examina a gênese e os desdobramentos das duas principais experiências revolucionárias que tentaram constituir sociedades alternativas ao capitalismo no século XX: as da Rússia e da China.

Por Luis Fernandes.

Em Duas revoluções, Perry Anderson examina a gênese e os desdobramentos das duas principais experiências revolucionárias que tentaram constituir sociedades alternativas ao capitalismo no século XX: as da Rússia e da China. Em chave histórico-comparativa, o autor coteja as vias por elas trilhadas desde seus triunfos originais, destrinchando as orientações estratégicas distintas que presidiram seus processos de reforma sistêmica, culminando em desfechos opostos e contrastantes.

Como a Revolução Chinesa, partindo de e operando em condições bem mais desfavoráveis e precárias, conseguiu alcançar, no século XXI, impacto mundial-sistêmico muito mais amplo e duradouro que o de sua precursora russa? O historiador britânico explora e articula algumas chaves para responder a essa indagação, entre as quais: as bases sociais distintas preservadas pelos respectivos regimes revolucionários em função das características das suas vias de acesso ao poder; o progresso diferenciado na consolidação de um estrato burocrático-conservador dominante; e a disparidade na abrangência das propostas de reforma sistêmica, à luz da “legitimidade e autoridade revolucionárias” de seus dirigentes-proponentes. O ensaio destaca, ainda, que o hiato de trinta anos entre as duas revoluções forneceu à liderança chinesa um “espelho negativo” dos limites e fracassos da experiência soviética, bem como um contexto geopolítico mais favorável para sua agenda de reformas.

O texto de Anderson é acompanhado por uma crítica inteligente e minuciosa de Wang Chaohua, que discorda de sua proposição de que os processos de reforma na Rússia e na China tenham trilhado caminhos tão diferentes. Na visão de Wang, as transformações vividas pela China na década de 1980 teriam, na realidade, antecipado – sob direção estatal – o traumático processo de restauração capitalista vivido pela Rússia uma década depois. Sua visão se opõe à do historiador britânico, que destaca a constituição de um Estado nacional forte pela própria Revolução Chinesa – pondo fim a um século de sujeição semicolonial – como fator determinante para sua ascensão econômica atual. Mas que tipo de sociedade emerge desta transformação tão colossal quanto contraditória? Segundo o autor, uma nova formação híbrida que ainda precisa ser desvendada – um novum histórico-mundial. Seu livro fornece pistas cruciais para decifrar o enigma.

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Entre as décadas de 1980 e 1990, transformações marcantes ocorreram nos dois maiores países que passaram por revoluções socialistas. Os caminhos trilhados, porém, foram antagônicos: enquanto a Rússia experimentou uma tumultuada transição ao capitalismo após o colapso da União Soviética, a China viu sua liderança reafirmar a autoridade e conduzir o país a um crescimento econômico nunca antes visto.

Como entender resultados tão distintos? Que aspectos de cada processo revolucionário influenciaram nesses dois cenários? A que custo o Partido chinês construiu sua trajetória vitoriosa? Perry Anderson explora essas questões, buscando entender a forma híbrida que se constituiu na China.

O volume traz também um ensaio de Wang Chaohua que questiona algumas das conclusões do historiador britânico e apresenta novos elementos para pensar nas consequências negativas das transformações para a população chinesa.

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Luis Fernandes é Professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e da UFRJ. Tem extensa pesquisa e produção sobre a trajetória da Revolução Russa e os seus desdobramentos, incluindo os livros URSS: ascensão e queda (Anita Garibaldi, 1991) e O enigma do socialismo real (Mauad, 2000). Exerceu distintas funções de governo no Brasil, entre elas as de Secretário Executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Presidente da FINEP e Diretor Científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

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