Cultura inútil: Democracia, ditadura, democradura…
Afinal, qual é a preferência dos brasileiros? Para refletir sobre os paradoxos da conjuntura nacional, Mouzar Benedito reúne as melhores frases sobre "democracia" e "ditadura", de Platão a Einstein, passando por Susan Sontag, Zapata e Conceição Evaristo, entre outros!
Por Mouzar Benedito.
No dia 5 de outubro deste ano, o Datafolha publicava o resultado de uma pesquisa que mostrava um recorde de aprovação da democracia pelos brasileiros: 69%! Beleza! Mas, o resultado das eleições expressa essa aprovação? Há uma contradição aí.
Em 9 de novembro, pouco mais de um mês depois da pesquisa do Datafolha, a própria Folha de S. Paulo, publicava algo totalmente diferente. A coluna “Toda Mídia” assinada por Nelson de Sá, mostrou o resultado de uma pesquisa do Latinobarômetro feita em 18 países da América Latina, em que os brasileiros aparecem como os mais insatisfeitos com a democracia: só 10% estão satisfeitos, diz a pesquisa
Segundo essa mesma pesquisa, a democracia está em apuros na América Latina. O número de insatisfeitos com ela pulou de 51% em 2009 para 71% agora. E os contentes caíram de 4íram de 44% para 24%. A revista Economist conclui algo relativo a nós: “No Brasil, onde a satisfação com a democracia é a menor, a desilusão abriu caminho para que Jair Bolsonaro, ex-paraquedista que exalta a ditadura de 1964-85, conquistasse a presidência”.
Isso tudo me leva a algumas considerações.
Quase todas as vezes que alguém vai escrever sobre a democracia cita Winston Churchill, que disse: “A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos”.
“Democracia” é quase unanimidade nas declarações de políticos e eleitores, mas não há muita sinceridade em boa parte deles. Para começar, basta lembrar que a própria implantação da ditadura iniciada em 1964, no Brasil, foi feita em nome da democracia. Muitos brasileiros posam de democratas para defender a ditadura.
Há alguns anos, a Folha de S. Paulo tentou relativizar a ditadura de 1964-85, disse que foi uma “ditabranda”, comparando o número de mortos pela repressão aqui com os de mortos pelas ditaduras chilena e argentina. Foi um tiro no pé, pois muitos outros fatores caracterizaram a ditadura brasileira, além dos mortos, presos, desaparecidos e exilados.
E pensando nessa comparação infeliz feita pela Folha (que não usou mais o termo “ditabranda”, reconheça-se), acredito que muitos dos eleitores brasileiros (e seus líderes) querem mesmo é uma aparência de democracia, mas só aparência. Métodos ditatoriais, Estado policial, perda de liberdades e de direitos, perseguições por motivos ideológicos e religiosos, imposição de políticas baseadas em crenças religiosas, fanatismo, intransigência e muitas outras coisas nada democráticas estão no perfil de muitos eleitos e eleitores nas últimas eleições. Quem sabe podemos rotular o que querem de “democradura”?
Bom… Enquanto é possível escrever essas coisas, coletei pensamentos sobre democracia e ditadura e publico aqui. Tem para quase todos gostos. É curioso ver que praticamente ninguém exalta a ditadura, mas são muitos os criticam a democracia. Estranho, não? E tem também umas frases de figurinhas carimbadas da ditadura. Vamos a elas:
Mário Sérgio Cortella: “Numa ditadura não daria para fazer uma passeata pela democracia. Na democracia você pode fazer uma passeata pedindo ditadura”.
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Gerald Barry: “Democracia é o regime em que você diz o que quer e faz o que lhe mandam”.
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Millôr Fernandes: “Todo homem tem o sagrado direito de torcer pelo Vasco na arquibancada do Flamengo”.
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Millôr, de novo: “Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim”.
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Alberto Moravia: “A ditadura é um Estado em que todos temem alguém”.
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G. K. Chesterton: “A democracia é o governo dos deseducados. E a aristocracia é o governo dos mal-educados”.
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Barão de Itararé: “O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato”.
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James Dale Davidson: “Democracia é aquela forma de governo em que todos têm o que a maioria merece”.
Adolph Hitler: “Que sorte para os ditadores que os homens não pensem”.
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Antônio Lobo Antunes: “A cultura é uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo escravo”.
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Lilia Schwarcz: “Há um desejo de ver a ditadura como uma utopia que melhoraria a segurança, a economia, a estabilidade, tudo o que vai mal agora. O brasileiro tem essa mania, de projetar a responsabilidade por suas desgraças. E não há nada como se projetar em um governo militar. É distante, autoritário e recebe todas suas responsabilidades como cidadão. No Brasil, tudo é sempre culpa do outro”.
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Robert de Flers: “Democracia é o nome que costumamos dar ao povo sempre que precisamos dele”.
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Hubert Humphrey: “Numa democracia, o direito de ser ouvido não inclui automaticamente o direito de ser levado a sério”.
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Clement Atlee: “A democracia é uma forma de governo que prevê a livre discussão, mas que só pode ser atingida se as pessoas pararem de falar”.
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H. L. Mencken: “Sob a democracia, um partido devota suas principais energias à tentativa de provar que o outro partido é incompetente para governar – e ambos conseguem e ambos estão certos”.
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Mencken, de novo: “A democracia é a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos”.
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Laurence J. Peter: “Democracia é um processo pelo qual as pessoas são livres para escolher quem levará a culpa”.
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Maria Cecília D’Araújo: “Ditaduras são parteiras de versões que se distanciam dos fatos”.
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Charles Bukowski: “A diferença entre uma democracia e uma ditadura consiste em que numa democracia se pode votar antes de obedecer ordens”.
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Rui Barbosa: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.
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Silas Malafaia: “Liberdade de expressão para todo mundo dizer a mesma coisa é ditadura de opinião”.
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Getúlio Vargas: “Nos períodos de exaltação e de luta não é raro vermos a democracia matando em nome da liberdade e a fé religiosa trucidando em nome de Deus”.
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Eduardo Galeano: “O mundo é um grande paradoxo que gira no universo. Do jeito que está indo, daqui a pouco os proprietários do planeta proibirão a fome e a sede para que não faltem o pão e a água”.
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Churchill: “O melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano”.
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Ulysses Guimarães: “Na ditadura, à sombra de Marco Aurélio, pululam e ficam impunes os Calígulas sanguinários, os Torquemadas da Inquisição e da intolerância, os enxundiosos Faruks da corrupção”.
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Aristóteles: “A democracia é um governo nas mãos de homens de baixa extração, sem posses e com empregos vulgares”.
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Jorge Luis Borges: “A democracia é um erro estatístico, porque na democracia decide a maioria, e a maioria é formada de imbecis”.
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Nelson Rodrigues: “A maior desgraça da democracia é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade”.
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Einstein: “O meu ideal político é a democracia, para que todo homem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado”.
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Fernando Sabino: “Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um”.
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Carlos Lamarca: “Eu vim servir ao Exército pensando que o Exército estava servindo ao povo. Mas quando o povo grita por seus direitos é reprimido”.
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Granz Lebowtiz: “A democracia é uma ideia interessante e até louvável. Comparada ao comunismo, que é muito chato, e ao fascismo, que é muito excitante, não há dúvida de que se trata da forma mais palatável de governo”.
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Leôncio Basbaum: “A verdadeira democracia é o governo da maioria e garante apenas a liberdade da maioria”.
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George Bernard Shaw: “O fato de um camponês poder tornar-se rei não torna este reino democrático”.
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Oscar Wilde: “A democracia quer simplesmente dizer o desencanto do povo, pelo povo, para o povo”.
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Johan Goethe: “A democracia não corre, mas chega segura ao objetivo”.
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Wilson Aguiar (chefe da Censura Federal, durante a ditadura): “Quando tomei posse, assumi o compromisso de fazer da censura uma atividade artística e cultural”.
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General Garrastazu Médici (“presidente” na fase mais cruel da ditadura): “Vejo tanta notícia desagradável sobre a Irlanda, o Vietnã, os índios americanos, e, no que diz respeito ao Brasil, está tudo em paz”.
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General Ernesto Geisel: “Eu sou um sujeito profundamente democrático”.
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Heitor Moniz: “Se o Estado intervém ao lado do forte para esmagar o fraco, essa intervenção é reacionária e não pode merecer o apoio dos homens justos”.
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Paula Nei: “A democracia seria ideal se não tivesse sovaco: tudo!, tudo, menos tal cheiro de suor honrado”.
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Jânio Quadros: “Quem afirma em conceito dogmático que a democracia é o governo das liberdades, está errado”.
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Susan Sontag: “A política de uma democracia que implica desacordos, que promove a sinceridade, foi substituída pela psicoterapia. Vamos chorar juntos. Mas não vamos todos ser idiotas juntos”.
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Leoni Kaseff: “A democracia só deve ser governada por elites intelectuais que sejam, ao mesmo, tempo elites morais”.
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Godofredo de Alencar: “Nada mais estúpido que a democracia. O povo pensa que lhe dão o direito de julgar quando o fazem apenas o derrubador de superiores”.
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Eu: “Se é duro ver velhas figuras da ditadura dando as cartas na ‘democracia’ atual, mais duro é ver suas ex-vítimas assanhadinhas rasgando seda para elas”.
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Eu, de novo: “No Brasil, democracia é o jeito de transformar em políticos normais os expoentes odiados da ditadura”.
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Emiliano Zapata: “Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo”
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Carlos Drummond de Andrade: “Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder”.
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Conceição Evaristo: “Para dizer que temos democracia racial, a pessoa tem de ser alienada ou cínica”.
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Mahatma Gandhi: “O único ditador que eu aceito é a voz silenciosa da minha consciência”.
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Ambrose Bierce: “Ditador é o chefe de uma nação que prefere a peste do despotismo à praga da anarquia”.
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Bertolt Brecht: “Não há nada mais parecido com um fascista do que um burguês assustado”.
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Elói Felipe da Silva (acusado de ser do Esquadrão da Morte do Rio de Janeiro): “Eu não mato, quem mata é Deus: só faço os furos”.
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Frei Tito: “A Igreja não pode omitir-se. As provas das torturas trazemos no corpo”.
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General João Baptista Figueiredo: “Prefiro cheiro de cavalo ao cheiro de povo”.
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Figueiredo, de novo: “A solução para as favelas é jogar uma bomba atômica”.
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Aldous Huxley: “Os súditos do ditador do futuro serão governados em sofrimentos por um corpo de engenheiros sociais altamente instruído”.
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Adhemar de Barros (depois do golpe de 1964): “Agora caçaremos comunistas por todos os cantos, mandaremos mais de dois mil, uma verdadeira Arca de Noé, para uma viagem de turismo à Rússia”.
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Costa e Silva (quando ainda era ministro da Guerra e queria substituir Castello Branco no governo): “Nunca seria um ditador, inclusive porque no Brasil não há lugar para ditadores”.
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Juracy Magalhães (ministro das Relações Exteriores durante a ditadura): “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
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Georges Clemenceau: “A democracia: Vocês sabem o que é? O poder de os piolhos comerem os leões”.
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Platão: “A democracia é uma constituição anárquica e variada, distribuidora de igualdades indiferentemente a iguais e desiguais”.
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Curzio Malaparte: “A ditadura é a forma mais acabada do ciúme”.
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Alexis de Tocqueville: “Creio que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la”.
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Termino com uma frase de Hilda Hilst, que não é bem sobre democracia e ditadura, mas acho que cabe aqui: “Há sonhos que devem ser ressonhados, projetos que não podem ser esquecidos”.
Boitempo nas eleições // Na nossa cobertura das eleições 2018 realizamos uma série de ações que buscam contribuir com a reflexão coletiva durante o período, entre as quais a publicação de textos inédito no Blog da Boitempo, vídeos na TV Boitempo e um serviço gratuito de indicações de leituras pelo WhatsApp, com curadoria da equipe editorial. Clique aqui para conferir.
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2017, e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
Muito bom Mozart estas suas colocações em frases de terceiros e até tuas, mas sugiro que do ponto de vista popular que diga além do nome mas um rápido dizer de o que fazem ou sua profissão.
Baitabraço
Paulo Barbosa
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fico com Emiliano Zapata
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