A revolta do jovem István Mészáros
"O leitor brasileiro tem agora à disposição um libelo decisivo contra o stalinismo e a erradicação cosmética anunciada por Khruschov. Na melhor tradição do marxismo húngaro, herdada principalmente da crítica filosófica de Lukács e da perspicácia literária de Déry, Mészáros constrói uma clara exposição sobre o sentido antidialético dado à 'linha política perfeita' e à propagada 'verdade em marcha', bem como desvenda os meandros de um regime que esterilizou a política, instrumentalizou a arte e aprisionou o pensamento."
Um ano após a morte do filósofo marxista István Mészáros, a Boitempo publica A revolta dos intelectuais na Hungria, primeira obra do autor num exílio que se tornaria definitivo. Publicado originalmente na Itália, em 1958, menos de dois anos após a Revolução Húngara de 1956, esse testemunho de grande valor histórico completa sessenta anos sem perder sua atualidade. Um jovem Mészáros fornece ao leitor uma série de informações e análises em primeira mão sobre as atividades dos intelectuais e das instituições e a grande “reviravolta” que levaria à involução e à supressão de todas as liberdades democráticas. Esses eventos marcaram de forma profunda o desenvolvimento de seu pensamento e de sua vida. Leia abaixo o texto escrito por Maria Orlanda Pinassi sobre o livro. Ao final deste post, um vídeo especial do sociólogo do trabalho Ricardo Antunes, coordenador da coleção “Mundo do trabalho”, que abriga todas as obras de Mészáros no Brasil, sobre o legado do filósofo marxista húngaro e a importância desta publicação que chega agora aos leitores brasileiros.
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Por Maria Orlanda Pinassi.
István Mészáros tinha 28 anos quando escreveu A revolta dos intelectuais na Hungria, obra publicada em Turim, em 1958, menos de dois anos após a Revolução de Outubro Húngara (23 de outubro a 10 de novembro de 1956) e da incursão das tropas soviéticas sobre Budapeste. Por seu envolvimento com a Associação dos Escritores, a Academia de Ciências e, sobretudo, com o Círculo Petöfi, focos de urdiduras e enfrentamentos contra as opressões da política rákosiana e os métodos cruéis de silenciamento da crítica aplicados por János Kadar, Mészáros refugia-se na Itália, principiando um caminho sem volta à terra natal.
Este livro é, portanto, sua primeira produção de exílio: uma narrativa bela e seminal sobre liberdade, sensibilidade, tomada de consciência e radicalismo político, têmperas da experiência singular de seu valente país, cuja literatura assume o lugar da crítica social e do vácuo deixado pela política de ofício. Como ele mesmo afirma no prefácio,
“[…] em nosso século, em que, em praticamente todos os lugares do mundo, a literatura quase sempre se refugia numa torre de marfim, nasceu na Hungria um movimento de caráter decisivamente político, social e literariamente considerável, o dos chamados ‘populistas’, que suscitou enorme interesse nas grandes massas e que, com seus planos de reforma político-social, participou diretamente da vida política do país”.
Aquela breve experiência democrático-popular, cuja ousadia soou insuportável à disciplina castrante do socialismo realmente existente, além de marcar profundamente a vida do jovem filósofo e ativista socialista, fundou as bases de seu poderoso arsenal de sínteses radicais.
O leitor tem aqui um libelo decisivo contra o stalinismo e a erradicação cosmética anunciada por Khruschov. Na melhor tradição do marxismo húngaro, herdada principalmente da crítica filosófica de György Lukács e da perspicácia literária de Tibor Déry (a quem dedica o livro), Mészáros constrói uma clara exposição sobre o sentido antidialético dado à “linha política perfeita” e à propagada “verdade em marcha”, bem como desvenda os meandros de um regime que esterilizou a política, instrumentalizou a arte e aprisionou o pensamento.
Este texto de juventude custou a seu autor a acusação de reformista, o que, entretanto, não o intimidou. Pelo contrário, em sua gigantesca obra ulterior, ele reforçou pontos determinantes que já estavam aqui presentes. Um dos mais fecundos ancora a concepção de que é possível, aliás, necessário fazer política radical para além do partido; de que arte, literatura, intelectualidade, movimento estudantil devem expressar seu poder de crítica e de intervenção política desde que com as massas e não acima delas.
Tal como afirmam os editores da Einaudi, pela qual este livro foi originalmente publicado, a “fundação teórica [deste texto] nada tem em comum com a abstrata indignação das belas almas”. Por suposto, é muito mais do que isso. É explosivo.
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Maria Orlanda Pinassi é professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp (campus de Araraquara, São Paulo), autora de Da miséria ideológica à crise do capital: uma reconciliação histórica (Boitempo, 2009) e integrante do conselho editorial da revista semestral da Boitempo, a Margem Esquerda. Colabora para o Blog da Boitempo esporadicamente.
Excelente resenha de um trabalho tão importante. Fiquei bastante interessa em conhecer o autor mais profundamente. Valeu
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A informação que recebi sobre este episódio é que foi um grande desserviço à construção do socialismo. Um movimento de sabotadores. Mas boa parte da esquerda hoje, mesmo com a ameaça do fascismo do novo presidente, continua não reconhecendo a ditadura do proletariado e sua importância na garantia do poder popular e seu desenvolvimento. E a questão da ditadura é assegurar justamente o combate a essas sabotagens contra-revolucionarias que colocam a perder todas as etapas de luta anteriores. Enfim, mais do que nunca, na atual conjuntura, o que eu sugiro é mais coragem de vocês pra enfrentar esse mal que está por vir e parar de renegar o marxismo e seus reais valores.
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