Cultura Inútil: “Pobre não sabe fazer nada”

Mouzar Benedito reúne as melhores frases e ditados sobre pobreza em nova coluna da série "Cultura inútil".

Por Mouzar Benedito.

“Pobre não sabe fazer nada”. Assim disse Jair Bolsonaro, quando era vereador no Rio de Janeiro, segundo a Folha de São Paulo. Ele defendia a contenção da explosão demográfica “em cima da classe mais humilde”.

Uma nota aí: ele usou a expressão pobre e depois humilde. Pobre, hoje em dia, é considerada uma palavra ofensiva. Não é mais “pessoa que tem poucos recursos ou bens materiais”. Quando vão falar de alguém com essas “qualidades”, chamam de “humilde”.

Vivemos na era dos eufemismos. Assim como favela virou comunidade, pobre virou “humilde”. Parece pecado falar que alguém é ou foi pobre. “Nasceu em uma família humilde”, li ou vi várias vezes em matérias jornalísticas sobre jogadores de futebol que hoje nadam em dinheiro.

Mas em certas circunstâncias, humildade é sinônimo de submissão. “O fulano é humilde” significa “o fulano é submisso”. Odeio isso.

Bom, há vários graus de pobreza. De morador de rua (para ele também tem um eufemismo: “em situação de rua”) e mendigo a assalariado que vive sem luxos, mas também sem humilhações. Lendo tudo por aí, e ouvindo também, coletei várias referências a pobres nos seus mais variados graus. Aí vão algumas expressões usadas:

Necessitado, pobrete, pobretão, mendigo, pedinte, indigente, miserável, desgraçado, zé-ninguém, piranga, sacomão, cabaneiro, favelado, esfarrapado, roto, joão-panão, destituído, despossuído, descamisado, rafado, depecuniado, depauperado, falto de dinheiro, de poucas posses, digno de lástima, que inspira compaixão, pouco favorecido, pé-de-chinelo, pé-rapado…

Há várias maneiras de dizer que alguém é pobre. Entre elas: vive em apuros, passa necessidade, tem poucos recursos, tem escassos meios de subsistência, vive sob o constrangimento de tremendas aperturas, vive na pindaíba, está sempre no vermelho, não tem onde cair morto, vive abaixo da linha de pobreza, sem eira nem beira, está baldo ao naipe, está à dependura, está na indigência, leva vida de cão, vai remediando com o pouco que tem, vive da graça de Deus, leva vida difícil e laboriosa, risca a cama no chão com giz, está quebrado, está falido, ficou a zero, ficou sem nenhum, está em petição de misericórdia, carece de tudo, está reduzido à expressão mais simples, está com as algibeiras despejadas, vive às sopas de caridade, está mendigando, passa fome, está para morrer de fome, vive tempos bicudos, está arruinado, oprimido pelas necessidades, com uma mão atrás e outra à frente, está numa penúria extrema, está em dolorosa situação econômica, vive de brisa…

O substantivo “pobreza” também tem muitos sinônimos. e com tons variados de gravidade: penúria, indigência, inópia, precisão, míngua, aperto, paupérie, miserê, pauperismo, curteza de meios, desamparo, necessidade, pindaíba, piranga, apuro, dificuldades, sufoco, inclemência da miséria, circunstâncias difíceis, pobreza franciscana, mendicância, insolvência, bolsa vazia, algibeiras secas, vida de arrasto…

Antes de entrar nas frases que encontrei sobre pobres e pobreza, quero comentar uma coisa: a palavra pindaíba. Pindá em tupi é anzol. Iba é ruim. Então, pindaíba é “anzol ruim”. Entre os povos que viviam da pesca, ter um anzol ruim significava fome, miséria. Herdamos essa gíria dos povos indígenas.

Há várias maneiras de ver a pobreza. Pode ser com humor, com raiva da desigualdade ou juntando as duas coisas. Ou com cinismo.

Tem também outras formas, como as que atribuem a pobreza ao azar ou, pior, à preguiça. E também outras glorificadoras, como a de que os pobres herdarão o reino do céu. Deixo estas de lado.

Começo com uma coletânea do Barão de Itararé, humorista comunista. Nos tempos em que carne de frango era mais cara (bem mais cara) do que a de vaca, pois não havia granjas, criava-se galinhas nos quintais, ele disse: “Quando pobre come frango, um dos dois está doente”. Uma variante dessa frase (dele mesmo) é: “Quando o queijo e a goiabada se encontram na mesa do pobre, devemos suspeitar dos três: do queijo, da goiabada e do pobre”.

É do Barão, também, esse diálogo, intitulado “dramas da vida”:

O mendigo ao grã-fino à porta do restaurante:

– Tenha compaixão de um pobre cego carregado de família!

– Quantos filhos tem você? – pergunta o grã-fino.

– Não sei dizer. Sou cego…

Algumas frases do Barão:

“Pobre, quando mete a mão no bolso só tira cinco dedos”.

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“Quem dá aos pobres… adeus!”

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“Em pé de pobre é que o sapato aperta”

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“A pobreza não é desonra, mas é uma porcaria”

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“Cleptomaníaco: ladrão rico.
Gatuno: cleptomaníaco pobre”

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“Só o que bota pobre pra frente é empurrão”

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“Um imbecil pobre é um imbecil; um rico imbecil é um rico”

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“Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado”

Agora, mais frases…

Florbela Espanca: “A dor dos pobres é resignada e calma; traz às vezes a aparência de revolta, mas, no fundo, é cheia dum imenso, dum infinito desapego por tudo. Os pobres vêm ao mundo já sem nada; o pouco que a vida lhes deixa é emprestado. Que lhes hão-de tirar que seja deles? Aos pobres toda a gente chama desgraçados”.

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Guimarães Rosa: “De homem que não possui nenhum poder nenhum, dinheiro nenhum, o senhor tenha todo medo!”.

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Guimarães Rosa, de novo: “Alegria de pobre é um dia só: uma libra de carne e um mocotó”.

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Guimarães Rosa, mais uma vez: “Só o pobre é que tem direito de rir, mas para isso lhe faltam os fins ou motivos”.

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Ditado popular: “Filho de pobre não nasce, aparece”.

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Anônimo (ouvida em Guaxupé – MG): “A gente deveria ter um espaço de experiência na vida para ser pobre. Se não gostasse, mudava”

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Millôr Fernandes: “Ser pobre é um pecado venial. Se conformar com isso é um pecado mortal”.

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Millôr, de novo: “Ser pobre não é crime, mas ajuda a chegar lá”.

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Millôr, mais uma vez: “A pobreza não é, necessariamente, vergonhosa. Há muito pobre sem-vergonha”.

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Gino Meneghetti, o grande ladrão: “…Quando chegavam ao empório e não podiam comprar, por exemplo, um quilo de açúcar, pedindo só duzentos gramas ou meio quilo, [eu] mandava o proprietário embrulhar cinco quilos e dar ao pobre, e pagava tudo, porque sabia o quanto era duro não ter o que comer”.

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Ditado popular: “Pobreza não é vileza”.

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Walter Bagehot: “Para os ricos, a pobreza é incompreensível. Eles não entendem por que as pessoas que querem jantar não tocam simplesmente a campainha”.

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Mário Quintana: “Pobre se engasga com cuspe”.

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Jerry Brock e Sheldon Harnick (no musical “Um violinista no telhado”):
“Bom Deus, sei que não é vergonha ser pobre. Mas também não é nenhuma honra”.

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Não sei quem: “Uma das poucas vantagens de ser pobre é a de que sai muito mais em conta”.

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Ricardo Bacchelletti: “A miséria também é uma herança”.

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Ditado popular: “Quando a miséria entra pela porta, a virtude foge pela janela”.

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Bertolt Brecht: “Primeiro, comer; a honra, depois”.

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Provérbio russo: “Os ricos teriam de comer dinheiro se, por sorte, os pobres não fornecessem a comida”.

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Georges Benanos: “O pobre prefere um copo de vinho a um pão, porque o estômago da miséria necessita mais de ilusões que de alimento”.

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Victor Hugo: “Quem não é capaz de ser pobre, não é capaz de ser livre”.

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Kirk Douglas: “Meus filhos nunca gozaram de um privilégio que eu tive: nascer pobre”.

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Max Eastman: “Meus pais não tinham dinheiro para me comprar um ioiô no Natal. Então me compraram um iô”,

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Ditado popular: “Pobre só alevanta a cabeça pra comer pitomba”.

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Nelson Rockfeller: “O principal problema das pessoas de baixa renda é a pobreza”.

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Madre Teresa de Calcutá: “A falta de amor é a maior de todas as pobrezas”.

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Jean-Paul Sartre: “Os pobres não sabem que sua função na vida é exercitar a nossa generosidade”.

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Dostoievsky: “A pobreza e a miséria formam o artista”

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Clarice Lispector: “Tenho medo de revelar de quanto eu preciso e de como sou pobre”.

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Mia Couto: “Na guerra, os pobres são mortos. Na paz, os pobres morrem”.

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Eu: “O inferno é aqui na terra mesmo, mas só para os pobres. Para os ricos, aqui é um céu”.

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Provérbio turco: “A morte é o consolo do pobre”.

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Ditado popular: “Pobre com rica casado, mais que marido é criado”.

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Outro ditado: “Pobre, quando acha um ovo, o ovo é goro”.

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George Bernard Shaw: “A diferença entre um assaltante e um homem de bem é que o assaltante rouba dos ricos”.

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Shaw, de novo: “Pouquíssimas pessoas podem dar-se ao luxo de ser pobres”.

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Luís Fernando Veríssimo: “Já tem gente que sonha em subir na vida para ser, um dia, classe baixa”.

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Laing Hancock: “A melhor maneira de ajudar os pobres é não se tornando um deles”.

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Anatole France: “A pobreza é indispensável à riqueza, a riqueza é necessária à pobreza. Esses dois males engendram-se um ao outro e sustentam-se um ao outro. O que é preciso não é melhorar a condição dos pobres, mas acabar com ela”.

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Anatole France, de novo: “Só os pobres pagam à vista, mas não por virtude: é porque não têm crédito”.

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Groucho Marx: “Veja o meu caso: saí do nada e cheguei à extrema pobreza”.

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James Thurber: “Os pobres herdarão a terra. Sete palmos dela, pelo menos”.

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Nietzsche: “Eu não dou esmolas. Não sou pobre bastante para isso”.

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Kurt Vonnegut Jr.: “Não é vergonha ser pobre. Mas devia ser”.

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Marquês de Maricá: “Nada agrava mais a pobreza que a mania de querer parecer rico”.

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Gregório de Matos: “O honesto é pobre, o ocioso triunfa, o incompetente manda”.

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Baltasar Gracián y Morales: “Aplaudem-se as tolices de um rico enquanto nem se dá ouvidos às máximas de um pobre”.

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Afrânio Peixoto: “Um idiota pobre é um idiota; um idiota rico é um rico”.

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Afrânio Peixoto, de novo: “Ser pobre é uma garantia de boa vida. Só o desejo é a vida”;

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Provérbio árabe: “Era tão pobre que as formigas saíram da cozinha dele com fome”.

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Chalote Brontë (no romance Jane Eyre): “Você acha que porque eu sou pobre, pouco conhecido, pouco atraente e pequeno, eu não tenho alma e não tenho coração? Você pensa mal! Eu tenho tanta alma quanto você, e cheio de coração puro”.

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Gondim da Fonseca: “Até hoje no Brasil, conforme diz o povo, só topada é que leva o pobre para a frente”.

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Humberto de Campos: “Com dois ou três pobres o mundo seria mais desejável do que com cinco miseráveis!”.

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Abraham Lincoln: “Nosso Senhor ama os pobres, por isso fez tantos”.

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Napoleão Bonaparte: “A religião é o que impede o pobre de matar o rico”

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Coco Chanel: “Algumas pessoas pensam que o luxo é o oposto de pobre. Não é. É o oposto de vulgar”.

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Oscar Wilde: “A verdadeira tragédia do pobre é que só pode aspirar à renúncia. Os belos pecados, como as coisas belas, são privilégios dos ricos”.

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Anne Frank: “Nunca ninguém se tornou pobre por ser generoso com os outros”.

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Nelson Mandela: “A pobreza não é um acidente. Assim como a escravização e o Apartheid, a pobreza foi criada pelo homem e pode ser removida pelas ações dos seres humanos”.

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Provérbio chinês: “Eu me queixava de não ter sapatos, até que vi um homem sem pés”.

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2017, e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

5 comentários em Cultura Inútil: “Pobre não sabe fazer nada”

  1. Antonio Tadeu Meneses // 07/08/2018 às 12:53 pm // Responder

    O Bolsonaro não deveria ser contra pobres. Porque se todos fossem ricos, quem iria trabalhar para ele?

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  2. Essa é de Bolsonaro:
    ” Só tem uma utilidade o pobre no nosso país: VOTAR.”

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  3. Zillah Branco // 08/08/2018 às 5:00 am // Responder

    Ha pouco mais de um século Jack London foi a Londres onde descobriu a importância da pobreza, seguida da extinção de ex-trabalhadores da terra, para o fortalecimento do império britânico (O povo do Abismo). Este método foi aplicado pelos paises colonizadores e continuou pelas nações imperialistas (EUA) e hoje pela UE através da OTAN. Para não reconhecerem isto apontam Stalin que mandava para a Sibéria os que se opunham à sua política de construção do sistema socialista e a vitória militar contra o exército fascista. Nem reparam que essa crueldade era cometida no ambito nacional para povoar o território russo e não para se apropriar de nações alheias. A História precisa ser contada sem preconceitos e explicitando a época em que os fatos ocorreram. Sem isto ficamos apenas com a visão literária dos fenomenos sociais e não a compreensão científica que a História proporciona.

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  4. “Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado”

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  5. João Damah // 11/08/2018 às 3:52 pm // Responder

    Gente, mesmo sem ler o artigo completo, paremos para pensar: “Pobre não sabe”. “Não sabe” o que? “Fazer nada”! Ou seja, o que ele sabe então? Se ele não sabe fazer nada, então ele sabe fazer tudo! Vamos dar a mão a palmatória? Não, não e não! Pois nem todos sabemos fazer uma análise de coerência textual E sendo assim, sou obrigado a concluir que o nosso des-querido Bolsonaro faltou às aulas de gramática da língua portuguesa e às de lógica formal..aliás como muitos de nós..

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