Por uma nova síntese programática para o marxismo ocidental

João Quartim de Moraes escreve sobre o novo livro de Domenico Losurdo

Por João Quartim de Moraes.

A Boitempo acaba de lançar o novo livro de Domenico Losurdo: O marxismo ocidental: como nasceu, como morreu, como pode renascer. Nele, o filósofo italiano conta a parábola do marxismo ocidental: seu nascimento, sua evolução e sua queda. Nascido no coração do Ocidente, o marxismo se disseminou, com a Revolução de Outubro, por todos os cantos do mundo, desenvolvendo-se de maneiras diferentes e contrastantes, de acordo com o contexto histórico, social e econômico. À diferença do oriental, Losurdo assinala que o marxismo ocidental perdeu o vínculo com a revolução anticolonialista mundial – ponto de virada decisivo do século XX – e acabou sofrendo um colapso. Uma obra polêmica e combativa, que pode ser considerada uma espécie de acerto de contas com o percurso do marxismo ocidental, repassando toda a sua trajetória até suas figuras atuais, como Slavoj Žižek, David Harvey, Alain Badiou, Giorgio Agamben e Antonio Negri, sem deixar de visitar pensadores já clássicos como Theodor W. Adorno, Max Horkheimer, György Lukács, Herbert Marcuse, Louis Althusser, Ernst Bloch e Jean-Paul Sartre. Losurdo diagnostica a “morte” do marxismo ocidental, retraça sua gênese e coloca as questões decisivas: seu renascimento seria possível nos dias atuais? Sob quais condições? Leia, abaixo, o texto que João Quartim de Moraes escreveu sobre a obra. Boa leitura!

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O marxismo ocidental é um título que remonta ao balanço do marxismo e do comunismo feito por Merleau-Ponty nos primeiros anos da Guerra Fria. O filósofo francês observava, de um lado, um desnível entre o programa máximo (instaurar a sociedade sem classes e sem poder de Estado) e as perspectivas concretas do “marxismo ocidental”; de outro, os objetivos do comunismo oriental, empenhado a fundo na luta contra o colonialismo e no esforço de desenvolvimento das forças produtivas sociais. Ele não visava a valorizar um em detrimento do outro, mas apenas a apontar os motivos do distanciamento entre os dois marxismos. Esse contraste geográfico-programático não deve, entretanto, obnubilar a interdependência das lutas anticoloniais e das lutas anticapitalistas: distribuir aos operários migalhas da pilhagem das colônias sempre foi um expediente das potências imperialistas.

O culto explicitamente eurocêntrico do marxismo ocidental começou mais tarde, com o livro que Perry Anderson lhe consagrou em 1976, em que rejeitou em bloco não somente o comunismo soviético, mas também os demais partidos inspirados na Revolução de Outubro de 1917, inclusive o italiano, cuja distância crítica em relação à União Soviética era notória. A recusa em admitir que as lutas de libertação nacional impunham aos comunistas “orientais” métodos, alianças e programas muito diferentes daqueles próprios ao combate socialista dos movimentos operários europeus levou os marxistas “ocidentais” a deixar na penumbra, quando não a desqualificar, as mais grandiosas revoluções do século XX, notadamente a chinesa, a cubana e a vietnamita.

Domenico Losurdo põe em evidência, entre outros, os efeitos politicamente esterilizantes do radicalismo retórico dos pensadores eurocêntricos: Hannah Arendt, Michel Foucault, Giorgio Agamben, Antonio Negri, Slavoj Žižek etc. Mas a crítica, para ele, não se exaure em seu momento negativo; ela se inscreve na construção histórica da ideia de uma humanidade efetivamente universal. É indispensável, para a reativação do marxismo nos países ocidentais, uma nova síntese programática que ultrapasse a separação entre as lutas diretamente anticapitalistas e as lutas anti-imperialistas e incorpore, em escala internacional, todas as grandes lutas de nosso tempo contra as diferentes modalidades de opressão étnica, racial e sexual.

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Trecho da obra

“A história que me proponho reconstruir começa a se delinear entre agosto de 1914 e outubro de 1917, entre a eclosão da Primeira Guerra Mundial e a vitória da Revolução de Outubro. Na esteira desses dois acontecimentos históricos, o marxismo conhece uma difusão planetária que o projeta para além das fronteiras do Ocidente em que permanecera confinado na época da Segunda Internacional. No entanto, há o outro lado da moeda desse triunfo: o encontro com culturas, situações geopolíticas e condições econômico-sociais tão distintas entre si estimula um processo interno de diferenciação, com o surgimento de contradições e conflitos antes desconhecidos. Para compreendê-los, somos obrigados a nos questionar sobre as motivações de fundo que levam à adesão ao movimento comunista e marxista que toma forma naqueles anos.”

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João Quartim de Moraes é professor colaborador na Unicamp, onde aposentou-se como professor titular, e pesquisador do CNPq, com ênfase em história do pensamento político, instituições brasileiras, materialismo antigo e moderno e marxismo. Graduou-se em ciências jurídicas e sociais e em filosofia na USP e doutorou-se na Fondation Nationale de Science Politique da Academia de Paris. É autor, junto com Roberto Schwarz, Emir Sader e José Arthur Giannotti, de Nós que amávamos tanto ‘O capital’: leituras de Marx no Brasil e organizador de História do marxismo no Brasil (Unicamp, 2007).. Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.

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