Jorge Grespan: A nova biografia de Marx

Jorge Grespan escreve sobre a nova biografia de Karl Marx escrita por Michael Heinrich

Por Jorge Grespan.

A Boitempo acaba de lançar uma nova biografia de Karl Marx. Escrita pelo cientista político alemão Michael Heinrich, um dos maiores especialistas na obra marxiana, esse projeto de três volumes promete ser o trabalho definitivo para compreender, de forma integrada, a vida e a obra do filósofo alemão. Neste texto, o historiador Jorge Grespan escreve sobre a importância desta obra para a renovação dos estudos marxianos.

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Inúmeras biografias de Karl Marx foram já escritas e outras tantas estão sendo lançadas neste ano de 2018 em que se comemora o bicentenário de seu nascimento. A que a Boitempo coloca agora nas prateleiras brasileiras, Karl Marx e o nascimento da sociedade moderna, se distingue por ser resultado de pesquisas inteiramente novas em arquivos pouco conhecidos, mesmo do público alemão.

Seu autor, Michael Heinrich, há muitos anos estudioso da obra de Marx, publicou livros importantes sobre a teoria do valor e a crítica da economia política a partir da investigação dos mais recentes volumes da Edição Completa da Obra de Marx e Engels, a MEGA, na sigla alemã. Com sua perspectiva filológica e crítica, a MEGA propiciou discussões que levaram a uma revisão profunda de vários aspectos da obra de Marx até pouco tempo considerados inequívocos por seus leitores e pelos especialistas em teoria marxista. O mesmo ocorreu em relação ao conhecimento de sua vida, com a publicação não só das cartas escritas por Marx e Engels mas também das que eles receberam de terceiros, de modo que foi possível reconstituir toda a rede de correspondentes na qual estavam envolvidos.

Essas duas dimensões, vida e obra, mantêm uma relação complexa que o livro de Heinrich procura descrever e interpretar em seus diversos matizes. Em vez de uma linha contínua de evolução do pensamento, a obra de Marx apresenta inflexões e mudanças de rota, temas e conceitos que são muitas vezes simplesmente abandonados em favor de outros, cujo surgimento se deve a circunstâncias casuais na vida do autor. Não se pode retificar o caminho sinuoso de uma obra ou completar as lacunas de informação sobre uma vida com ideias e fatos deduzidos; é preciso deixar abertos esses espaços e apontá-los ao leitor. Fazê-lo é uma das importantes características da biografia escrita por Heinrich. Outra delas é a exaustiva pesquisa de documentos aos quais não se havia prestado a devida atenção, mas que se revelam decisivos, em especial para a matéria deste primeiro volume da biografia, que trata da infância e da juventude de Marx.

Por fim, é digno de nota o empenho e a dedicação de Heinrich em reconstituir com detalhes o contexto social e intelectual no qual Marx viveu, as correntes de pensamento e os interlocutores decisivos em sua formação. Embora em geral se acredite que tudo de relevante já tenha sido dito sobre a obra e a vida de Marx, livros como este demonstram quase o contrário: estamos apenas no começo de amplos e renovados debates. O leitor de Heinrich é convidado a tomar parte neles.

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Jorge Grespan é professor de Teoria da História na FFLCH-USP e autor, entre outros, de O negativo do capital (Hucitec, 1998) e de Curso livre Marx-Engels: a criação destruidora, organizado por José Paulo Netto. Confira a aula dele sobre a crítica da economia política no Marx maduro no IV Curso Livre Marx-Engels. Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.

2 comentários em Jorge Grespan: A nova biografia de Marx

  1. Frank Gramunt // 30/05/2018 às 10:56 am // Responder

    Prezados,

    Aconselho a leitura do livro “Dinheiro sem Valor”, de Robert Kurz, Ed.Antigona, onde pode se encontrar uma longa demonstração sobre as ideias errôneas e anacrônicas do marxismo tradicional de autores da chamada “Nova Leitura de Marx” como Michael Heinrich. Para expressa-lo melhor com as próprias palavras de Kurz: “Esta concepção (à de Heinrich), que consciente ou inconscientemente se alinha com a tendencia regressiva da ideologia da circulação própria da ideologia burguesa até ao pós-modernismo, radica na confusão da constituição e do “movimento” em se mesmo”, ou da génese e da vigência.”. Heinrich dessubstancia todas as categorias de Marx, convertendo-as em meras funções do pensamento e perdendo, pois, a poderosa analise de Marx sobre a origem do fetichismo da mercadoria na formação mesma do valor a traves do trabalho abstrato, no mesmo momento onde o homem é convertido em mercadoria. Heinrich, ideólogo do marxismo tradicional.

    Frank Gramunt

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  2. Entendei nada ou ele detonou o trabalho do Heinrich?
    Sei que o debate de ideias é importante e muitas vezes surgem os antagonismos. Mas pelo que vi o Frank coloca o Kurz como carrasco e desvaloriza a obra do Heinrich como inútil.
    Digam lá o que acham.

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