Cultura inútil: está faltando poesia!
De Confúcio a Cora Coralina, passando por Rimbaud e Shelley, Mouzar Benedito reúne as melhores frases sobre poesia.
Por Mouzar Benedito.
Pior: não é só no Brasil. O mundo todo parece estar num tempo apoético, duro, ruim. Assim, a vida vai ficando muito sem graça. É preciso resgatar a poesia que está ausente até nas letras das músicas de sucesso.
Não sou poeta, nem um leitor de poesia. Poderia dizer que sou um “ouvidor” de poesia. Gosto de ouvir. Lendo, não sou bom em dar aquele ritmo da declamação, e a poesia precisa de ritmo.
Geralmente, as pessoas identificam poesia com amor, romantismo, coisas assim. Mas há poemas que são uma “tijolada” na gente. E acho que poesia, romântica, de protesto ou seja lá o que for, tem que ter uma pegada, incomodar. Se leio ou ouço um poema e não me sinto provocado, mesmo que achando bem escrito, não identifico como “poesia”.
Há quem pense que fazer poesia é só quebrar um texto em versos. Não é. Tem que ter esse algo mais, ir fundo, mexer com a gente, seja no “bom” ou no “mau” sentido. Por exemplo: quando Drummond escreveu que “Tinha uma pedra no meio do caminho”, teve quem achou maravilhoso e quem disse que era uma bobagem total. Sua leitura não permite “neutralidade”. Gosta-se ou odeia-se.
Epa! Odeia-se? Essa palavra combina mais com os tempos em que vivemos do que com tempos mais poéticos. E já que falei em poesia de protesto, acho que muito poucos poetas sabem fazê-las (ui! Dei uma de Temer aqui). Muitos acham que basta fazer um texto de denúncia ou protesto e quebrar em versos. Fica uma chatice. Não funciona.
Por falar nisso, Karl Marx tinha também seu lado poético, pouco conhecido. Flávio Aguiar, grande descobridor de coisas que eu desconheço e grande entendedor de poesia, escreveu um texto para a recém publicada revista Margem Esquerda n.30, chamado “Karl Marx, poeta romântico” e dois trechos de poemas dele. Um deles é intitulado “O canto rebelde da noiva”. O outro trecho, apenas duas estrofes, é bem irônico. Com a devida permissão (ou “vênia” para usar a palavra tão na moda nestes tempos judiciarizados) dos editores da revista, publico estas duas estrofes aqui:
O Juízo Final: que piada!
Caramba! Tal vida na morte,
Com seus hinos sacros de louvor,
Deixa-me os cabelos em pé por tal sorte
E minh’alma tomada de horrorTeremos de louvar Deus, o eterno,
Aleluia! todo o tempo gritando
Sem cessar este canto sempiterno,
Prazer e dor para sempre olvidando.
Bem… Selecionei um monte de frases sobre poesia. Antes de entrar nelas, coloco quatro imitações de haicai de minha autoria (como disse, não sou poeta. Mas às vezes gosto de brincar de ser). São meras provocações. Depois, seguem-se as frases e no final o texto “Poesia” que publiquei no meu livro de causos, chamado “Trem Doido”.
Descubra o outro lado
Do poeta:
Vide verso!
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Poeta pornô,
Quando faz verso
Dizem que é perverso
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Façamos um trato:
Poesia concreta
Só com verso abstrato
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Como o patrocinador almeja
O poeta versátil
Verseja
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Thomas Gray: “Poesia são pensamentos que respiram, e palavras que queimam”.
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John Keats: “Se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo”.
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Alexander Pushkin: “Nunca encontrareis a poesia se não a tiverdes dentro de vós”.
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Cecília Meireles: “A arte de amar é a mesma de ser poeta”.
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Clarice Lispector: “A palavra é meu domínio sobre o mundo”.
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Rebelo da Silva: “A indignação, o poeta o disse, forja o verso, e aonde ela clama, agitada e comovida, tudo aquece e se torna incisivo e elevado”.
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Pablo Picasso: “A pintura nunca é prosa. É poesia que se escreve com versos de tinta plástica”.
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Voitaire: “Um mérito inegável da poesia: ela diz mais e em menor número de palavras que a prosa”.
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Voltaire, de novo: “A pintura é poesia sem palavras”.
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Leonardo da Vinci: “A pintura é poesia muda; a poesia, pintura cega”.
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Plutarco: “A pintura é poesia silenciosa. A poesia é pintura que fala”.
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Don Xiquote: “Na poesia medíocre a rima é uma tapeação; barulho de guizos que distrai os ouvidos, para que eles não percebam que a frase oca está vazia de ideias”.
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Manoel de Barros: “Tem gente que nasce poesia”.
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Manoel de Barros, de novo: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”.
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Manoel de Barros, mais uma vez: “Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando”.
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Mais uma do Manoel de Barros: “Poesia não é para compreender, mas para incorporar. Entender é parede: procure ser árvore”.
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Edgar Allan Poe: “Defino a poesia das palavras como Criação rítmica da Beleza. O seu único juiz é o Gosto”.
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Drummond: “Se eu gosto de poesia? Gosto de gente, bichos, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está contida nisso tudo”.
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Charles Baudelaire: “Embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia e com virtude”.
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José Hierro: “O ritmo é o que faz a poesia persuasiva e não informativa”.
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Mário Quintana: “Por isso é que os poemas têm ritmo – para que possas profundamente respirar. Quem faz um poema salva um afogado”.
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Quintana, de novo: “Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente… e não a gente a ele!”.
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Júlio Diniz: “A poesia precisa de ter quem a entenda e quem a faça; nem sempre os que a entendem a fazem, nem os que a fazem a entendem”.
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Charles Bukowski: “A poesia abre os olhos, cala a boca e estremece a alma”.
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Malba Tahan: “Calculista é o poeta que conta as sílabas e mede a cadência dos versos”.
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Marguerite Duras: “Os romances dos homens nunca são poemas. E os romances ou são poemas ou não são nada, são pura recompilação”.
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Camilo Castelo Branco: “Poetas são capazes de povoar um céu devoluto; mas não têm iguais faculdades criadoras para algibeiras vazias”.
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Camilo Castelo Branco, de novo: “A poesia não tem presente. Ou é a esperança ou a saudade”.
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Camilo Castelo Branco, mais uma vez: “Atrás da poesia do amor vem a prosa do casamento”.
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Medeiros e Albuquerque: “Em regra na poesia, a sinceridade tem um efeito: torna simples os autores complicados”.
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Madame de Staël: “A poesia é a linguagem natural de todos os cultos”.
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Virginia Woolf: “Algumas pessoas procuram os padres; outras a poesia, eu os meus amigos”.
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Alfred de Vigny: “A poesia é uma doença cerebral”.
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Michel de Montaigne: A filosofia não passa de uma poesia sofisticada”.
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Joaquim Nabuco: “Os mais belos ideais não são os que se cristalizam em versos. São os que os poetas deixam de dissolver em lágrimas”.
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Jacinto Benavente: “As lembranças têm mais poesia que as esperanças, assim como as ruínas são muito mais poéticas que as etapas de construção de um edifício”.
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Mary Shelley: “A poesia imortaliza tudo o que há de melhor e mais belo no mundo”.
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Joaquim Nabuco, de novo: “O gênio sem paixão é o asceta da poesia, não é o poeta”.
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Berilo Neves: “A poesia está para a realidade assim como o perfume para o caroço”.
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Confúcio: “Deixa o caráter ser formado pela poesia, fixado pelas leis do bom comportamento e aperfeiçoado pela música”.
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Octávio Paz: “Se os líderes lessem poesia, seriam mais sábios”.
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Carmem Sylva: “É mais essencial para o poeta ser verdadeiro de sentimento do que de invenção”.
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Gondim da Fonseca: “Toda a poesia popular é produto de analfabetos”.
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Benedetto Croce: “A mais humilde canção popular, quando imbuída de humanidade, é poesia”.
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Marquês de Maricá: “A poesia deleita na mocidade e enfastia na velhice”.
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Miguel Couto: “A poesia é a música da alma”.
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Orson Welles: “É impossível fazer um bom filme sem uma câmera que seja como um olho no coração de um poeta”.
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Clarice Lispector: “A poesia dos poetas que sofreram é doce e terna. E a dos outros, dos que de nada foram privados, é ardente, sofredora e rebelde”.
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Carlos Maranhão: “O sofrimento é o gerador de poemas imortais, e quem não apurou, na dor, a emoção, jamais poderá transmitir aos seus semelhantes, pelos caminhos da arte, essa mesma sensação de amor e tristeza”.
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Pablo Neruda: “A poesia tem comunicação secreta com os sofrimentos do homem”.
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Neruda, de novo: “Refugiei-me na poesia com ferocidade de tímido”.
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Cora Coralina: “Poeta não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso”.
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Dalmiro Saénz: “A poesia não é outra coisa que a sublevação do homem contra a razão”.
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Marguerite Youcenar: “Vocês, poetas, fizeram do amor uma imensa impostura: o que por acaso nos sucede sempre nos parece menos formoso que suas rimas emparelhadas como duas bocas uma sobre a outra”.
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Balzac: “O amor é a poesia dos sentidos. Ou é sublime, ou não existe. Quando existe, existe para sempre e vai crescendo dia a dia”.
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Cazuza: “Para poesia que a gente não vive transformar o tédio em melodia…”.
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Chico Buarque: “Quem sabe um dia, por descuido ou poesia, você goste de ficar”.
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Emílio de Meneses: “Os bons versos não têm pés: têm asas”.
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José Martí: “Uma pitada de poesia é suficiente para perfumar um século inteiro”.
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Aristóteles: “A história só conta o que aconteceu e a poesia só conta o que poderia ter acontecido”.
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Arthur Rimbaud: “O poeta faz-se vidente através de um longo, imenso e sensato desregramento de todos os sentidos”.
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Machado de Assis: “Uma coisa é citar versos, outra é crer neles”.
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Jean Cocteau: “Para o poeta a maior tragédia é se o admiram porque não o entendem”.
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Romário: “O Pelé, calado, é um poeta”.
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João Cabral de Melo Neto: “Mesmo sem querer fala em verso quem fala a partir da emoção”.
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Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”.
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Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa): “A poesia é toda aquela forma de arte literária em que se recebe uma emoção estética por motivos independentes do sentido na frase”.
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Vinicius de Moraes: Misturo poesia com cachaça e acabo discutindo futebol…”.
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Vinicius, de novo: “Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia”.
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Federico García Lorca: “Mas o que vou dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu? Olhar, olhar, olhá-las, olhá-los, e nada mais. Compreenderás que um poeta não pode dizer nada da poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia”.
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Lorca, de novo: “Todas as coisas têm o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas”.
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Adélia Prado: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”.
Poesia
Em São Paulo, com frequência, quando alguém quer falar de um fim de mundo, lugar distante e inacessível, diz “lá em Xiririca da Serra”. A maior parte das pessoas pensa que esse é um lugar imaginário. Mas Xiririca da Serra existe, fica no Alto Vale do Ribeira, só que mudou de nome: passou a chamar-se Eldorado Paulista.
A cidade fica na entrada de uma região que tem a maior quantidade de grutas do Brasil, talvez do mundo. Entre elas, a Caverna do Diabo, que virou ponto turístico uma época e fez algumas pessoas da cidade pensarem que Eldorado passaria a receber muita gente, muitos turistas. Um morador chegou a abrir um hotel grande para os padrões da região, esperando a chegada desses turistas. Mas eles passavam reto, iam à Caverna do Diabo e voltavam sem parar em Eldorado. A cidade continuou parada, sem “progresso” e por isso mesmo um lugar que eu gostava muito.
Numa das vezes que fui lá, vi um monte de gente entrando no antigo prédio de um cinema que não funcionava mais e parei num boteco ao lado. Um rapaz com aparência muito nervosa tomava uma cachaça e perguntei a ele o que estava acontecendo. Era um concurso de declamação de poesia que começaria dali a pouco. Ele era professor de uma escola rural e iria participar, declamando um poema de Francisca Júlia, grande poeta local. Estava nervoso por isso. Muito nervoso. Gostei. Paguei mais uma cachaça pra ele e tomei algumas também, e conversamos até um pouco antes de chegar a vez dele declamar, já bem mais calmo, mas um pouco chumbado pelo álcool.
Numa viagem pesquisando artesanato feito de cipó e barro, rabecas e violas feitas artesanalmente e manifestações artísticas em geral, saí de Eldorado rumo a Iporanga, por uma estradinha de terra, e acabei chegando a um lugar chamado Barra do Braço, na margem esquerda do rio Ribeira. Era preciso deixar o carro na beira da estrada de terra e atravessar o rio de canoa, com um menino de cerca de dez anos remando, enfrentando a correnteza forte, carregando alguns marmanjos como eu.
Na Barra do Braço, fiquei muito surpreso com o “atraso” de uma parte do estado mais rico do Brasil, a menos de duzentos quilômetros da maior e mais rica cidade do país. Lá, muita gente não conhecia luz elétrica. Não havia um povoado, mas casas esparsas, e o único meio de transporte de carga era burro. Nem carro de boi passava pelas trilhas.
Uma velhinha nascida ali e sempre moradora do lugar estava admirada fazia alguns dias. Ela havia conhecido uma cidade! Nos mais de setenta anos que antecederam aqueles dias, ela nunca tinha visto uma área urbana. Mas, enfim, já podia morrer sossegada: conheceu uma cidade, Iporanga, que na época tinha cerca de 900 habitantes. E estava admirada demais, não parava de falar:
— Nunca imaginei que existia tanta gente no mundo!
***
Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2017, e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
Muito obrigada ao Mouzar Benedito pela criatividade e sensibilidade de nos brindar com este texto que toca a alma. A leitura de cada um destes “poetas” pensadores nos inspira e nos leva a voltarmo-nos para nós mesmos e para a vida que construímos. Gostei muito.
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Parabéns! Excelente matéria e vamos falar mais de poesia, pode ser que com reportagens como essa os poetas sejam mais valorizados. Poeta é provedor de raciocínio e pensamento individual.obrigada!
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Poesia não tem que ver só com os poetas, tem que ver conosco também que devíamos ler mais poemas. Tive uma fase de ler mais poemas do que prosa, e que foi muito bom para mim, pois notei que minha percepção estava bem aguçada.
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Amigos…Considero como amigos vocês todo(a)s que leram e, mais ainda, que comentaram. Obrigado.
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Em nenhum desses citados eu vi poesia. Poesia fazia Pinto De Monteiro que disse :
Essa nossa triste vida
Eu comparo a letra “s”
Tem uma ponta que sobe
Tem outra ponta que desce
E a curva que da no meio
Nem todo mundo conhece.
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Excelente compilação de definições de poesia, daí eu não me atrever a dizer o que seja ou não poesia,prefiro simplesmente fazê-la.
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Maravilhoso o texto ,amei a forma como descreveu a poesia, penso da mesma forma vivemos de hipocrisia,se vejo uma folha seca
Caída no chão ,vejo um ser humano sem alma nem coração,triste é viver num mundo aonde ninguém tem compaixão…..
BOM DIA!
Cleoma dos Santos Silva
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Eu também tenho essa impressão. Parece que há por esses dias um culto do feio, do grotesco, ao mesmo tempo que não há reflexão sobre esse estado de coisas. Por isso, creio que não é apenas falta de poesia, mas também, falta filosofia.
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Amigo se lhe bateu tristeza, receito um remédio caseiro
a cada dia tome uma dose de poesia!
Álvaro Mestre Ramos
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muito bom, como sempre voce acertou de novo no tema, parabens.
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Maravilha, Mouzar. Obrigada por nos encantar com humor, prosa e poesia.
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