A ciência política na encruzilhada do golpe: o novo livro de Luis Felipe Miguel
"Construída acadêmica e institucionalmente como resposta à ditadura militar de 1964, a ciência política brasileira se encontra em uma dramática encruzilhada. Neste sentido, a resposta formulada por Luis Felipe Miguel é, ao mesmo tempo, imperativa e magnífica."
Por Juarez Guimarães.
Pela coragem do que afirma, pela riqueza intelectual dos diálogos que estabelece, pela inteligência com que argumenta e, não menos importante, pelos valores humanistas e feministas que mobiliza, o novo livro de Luis Felipe Miguel, Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória, é incontornável para pensar com rigor o desafio democrático hoje.
Construída acadêmica e institucionalmente como resposta à ditadura militar de 1964, a ciência política brasileira se encontra em uma dramática encruzilhada. Caso se ajuste, em suas correntes dominantes e em seu pluralismo, ao horizonte do status quo criado pelo golpe parlamentar que, em evidente inconstitucionalidade, retirou do governo uma presidente eleita pelo voto popular, ela se desmoralizará.
Mas o desafio não é menos dramático para suas correntes progressistas ou críticas. Direcionando reflexão e pesquisa sobretudo ao progressivo aperfeiçoamento das instituições vigentes da democracia, elas trabalhavam fortemente com as noções normativas de consensos ou negociações de razões formados em espaços deliberativos, com certo universalismo de direitos como critério de justiça a partir de uma posição original de neutralidade, com um sentimento de reconhecimento inclusivo dos excluídos ou marginalizados. Ora, a dinâmica crescente da política nas democracias contemporâneas, e de forma trágica na brasileira, operou de forma escandalosa no sentido inverso: no sentido do conflito e da antipactuação, de padrões crescentes de desigualdade social estrutural, de culturas de legitimação da exclusão e até de ódio. Entre o campo normativo dessas teorias da democracia e a verdade efetiva, criou-se uma cisão paralisante.
Neste sentido, a resposta formulada por Luis Felipe Miguel é, ao mesmo tempo, imperativa e magnífica: é preciso colocar no centro da democracia o conflito entre os que querem dominar e os que resistem a essa dominação. O fundamento da resposta é maquiaveliano; é, aliás, a partir de uma chave de leitura mais clássica de Maquiavel que o autor faz a crítica do “republicanismo sui generis” de Philip Pettit. Se o conflito está no centro da democracia, há uma disputa central com os liberais sobre o próprio sentido da democracia.
Este é, sobretudo, um livro esquerdo. No sentido mesmo de Drummond, que faz do sentimento do mundo sua inteligência.
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A Boitempo acaba de lançar o novo livro de Luis Felipe Miguel: Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória.
A obra apresenta uma discussão sobre o sentido da democracia e sua relação com os padrões de dominação presentes na sociedade. A ordem democrática liberal não pode ser entendida como a efetiva realização dos valores que promete, pois a igualdade entre os cidadãos, a possibilidade de influenciar as decisões coletivas e a capacidade de desfrutar de direitos são sensíveis às múltiplas assimetrias que vigoram na sociedade. Porém, tampouco pode ser lida segundo a crítica convencional às “liberdades formais” e à “democracia burguesa”, que a apresenta como mera fachada desprovida de qualquer sentido real. Assim, a democracia não é um ponto de chegada, e sim um momento de um conflito que se manifesta como sendo entre aqueles que desejam domá-la, tornando-a compatível com uma reprodução incontestada das assimetrias sociais, e quem, ao contrário, pretende usá-la para aprofundar contradições e avançar no combate às desigualdades. Portanto, o conflito na democracia é um conflito também sobre o sentido da democracia, isto é, sobre quanto ela pode se realizar no mundo real como projeto emancipatório e quanto as instituições vigentes contribuem para promovê-la ou para refreá-la.
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Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê, que mantém o Blog do Demodê, onde escreve regularmente. Autor, entre outros, de Democracia e representação: territórias em disputa (Editora Unesp, 2014), e, junto com Flávia Biroli, de Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014). É um dos autores do livro de intervenção Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Seu livro mais recente é Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória (Boitempo, 2018). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente às sextas.
Talvez obstante do golpe, o que permeia em nossa sociedade ainda é a inversão de valores.
Devemos também refletirmos e questionarmos tal situação, isto vem causando sérios malefícios
à nossa sociedade.
Sds
Ricardo Mauricio Contel
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