Michael Löwy e Daniel Bensaïd: marxismo e revolução no século XXI
A lucidez crítica de Michael Löwy e Daniel Bensaïd, assentada numa leitura avessa a qualquer ortodoxia marxista, é mais necessária do que nunca para a formação de uma nova geração de militantes de esquerda.
Por Isabel Loureiro.
Ótima iniciativa de José Correa Leite a organização da obra Centelhas: marxismo e revolução no século XXI, coletânea de artigos de dois dos mais expressivos representantes da esquerda contemporânea, Michael Löwy e Daniel Bensaïd. Os textos abrangem o período que vai do fortalecimento da onda neoliberal até a crise de 2008 e seus primeiros desdobramentos, os quais, anunciados por eles de maneira perspicaz, sentimos até hoje.
A lucidez crítica dos autores, assentada numa leitura avessa a qualquer ortodoxia marxista, é mais necessária do que nunca para a formação de uma nova geração de militantes de esquerda. Não basta a hostilidade ao pragmatismo da política partidária, voltada somente ao calendário eleitoral, para dar o pontapé inicial na renovação da esquerda hoje moribunda. É preciso apresentar uma concepção de mundo em que os elementos estejam articulados, em oposição à fragmentação social vigente, que obnubila o horizonte e dificulta o combate aos limites impostos pela ordem do dinheiro. Esta coletânea – didática e combativa introdução ao debate político atual – pode servir como ponto de partida teórico para essa renovação.
Os autores compartilham um mesmo ideário, alicerçado na rejeição do marxismo economicista e na defesa de uma concepção de história aberta à ação humana, ao possível, que não elimina a dimensão espiritual e ética da luta revolucionária. Apesar desse fio comum, as ênfases são diferentes: enquanto Michael Löwy foca mais na ideia de romantismo revolucionário, que engloba vários autores críticos da modernidade capitalista (sobretudo Walter Benjamin), a reflexão de Daniel Bensaïd, centrada no problema da estratégia, tem caráter mais diretamente político, preocupa-se com respostas práticas. Ao voltar-se à temporalidade própria do político, oposta ao tempo cronológico, ele vê a “política como arte das conjunturas propícias e da decisão”, não como uma ciência. Nesse sentido, a política implica aposta.
Sobre esses alicerces comuns é construído um grande e multicolorido painel de temas: o comunismo herético; a religião não só como ópio do povo, mas como horizonte utópico; a contribuição involuntária dos bolcheviques para a burocratização da Revolução Russa; o abismo entre Marx e a degenerescência stalinista; a atualidade de Walter Benjamin; o romantismo revolucionário; a crítica do produtivismo e das ilusões do progresso; o ecossocialismo; o novo internacionalismo; o questionamento da oposição entre democracia direta e representativa; a contradição entre parlamento e rua; a crise histórica da lei do valor; a inviabilidade das receitas keynesianas na solução da crise contemporânea do capitalismo; a ideia de comunismo, que não pode ser confundida com os crimes praticados em seu nome durante o século XX.
Numa referência à contradição basilar das revoluções modernas que é sintetizada nos versos da “Internacional”, um tópico particularmente sugestivo – como do nada tornar-se tudo? – ainda dá muito que pensar. As revoluções precisam de um povo politicamente formado, mas a formação só é possível com a tomada do poder. E ainda mais inquietante: sem a participação da grande maioria dos explorados, a catástrofe ecológica que se anuncia mergulhará a todos na barbárie. O que fazer?
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