Mészáros e o poder da ideologia
José Paulo Netto escreve sobre uma das principais obras do filósofo húngaro István Mészáros "O poder da ideologia".
Por José Paulo Netto.
Na esteira das homenagens ao filósofo húngaro István Mészáros, o Blog da Boitempo publica o texto escrito por José Paulo Netto por ocasião da publicação da obra O poder da ideologia. Nesse livro, Mészáros combina com rara erudição conhecimentos nos campos da filosofia, da sociologia e da economia política. Transita do abstrato ao real, do global ao local, do passado ao presente com impressionante força e densidade. A apreensão ontológica da obra de Marx é o fio que conduz a análise do autor sobre o poder da ideologia dominante, reafirmando a validade do materialismo dialético como quadro estratégico essencial da emancipação humana. O autor avalia o movimento socialista, de suas origens à socialdemocratização dos partidos comunistas, situando a ideologia em seu próprio contexto histórico e sublinhando suas funções transformadoras. Boa leitura!
O poder da ideologia é um inarredável marco da teoria social contemporânea – e da sua crítica. Com esta obra excepcional, o húngaro István Mészáros consolidou a sua inscrição no pensamento marxista como exemplo máximo de radicalidade polêmica e de criatividade.
As operações críticas de Mészáros reúnem o exaustivo conhecimento do objeto sobre o qual incide uma coragem intelectual que não vacila em franquear – quando preciso – a fronteira da iconoclastia. A modos nada diplomáticos, que certamente causam frisson aos bem-pensantes deste nosso tempo de capitulações e concessões, subjaz um tipo de fundamentação teórica cada vez menos encontrável no mundo universitário: Mészáros é pensador de estirpe clássica, que mobiliza sólido acervo cultural no trato das expressões ideais que, no século XX, serviram, intencionalmente ou não, para legitimar o jugo do capital. Ele conduz esse tratamento, ao mesmo tempo, com artilharia pesada e esgrima florentina, num estilo de crítica haurido nos melhores escritos de Marx e Lukács. Que o leitor confira-o nas páginas que seguem, no enfrentamento, entre tantos, de ícones da academia, como Weber, Adorno e Habermas.
A alusão a Marx e Lukács não é casual: Mészáros é legatório de ambos. Não é, jamais, um discípulo: é continuador, distingue o que é vivo do que é morto, serve-se da herança marxiano-lukacsiana para fazer avançar criadoramente a crítica revolucionária do presente.
É suficiente que o leitor desta obra percorra algo da parte um e toda a parte dois para dar-se conta de que a radicalidade polêmica antes referida não se esgota em si mesma: abre a via seja para a compreensão renovada de complexos processos societais, seja para o afinamento dos parâmetros teórico-metodológicos necessários à sua análise.
Na terceira e última parte do livro comparecem questões pertinentes à problemática da emancipação humana (isto é, o comunismo). Nela, o leitor verifica como a qualificação teórica conjuga-se à paixão revolucionária. Mészáros continua, sem ilusões e sem utopismos – como Marx e Lukács –, identificando no movimento real que derrói a ordem de hoje o vetor da alternativa socialista.
O poder da ideologia, na paisagem do final do século XX, permanece, contra ventos e marés, como demonstração da vitalidade e do potencial crítico-analítico da tradição marxista.
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José Paulo Netto nasceu em 1947, em Minas Gerais. Professor Emérito da UFRJ e comunista. Amplamente considerado uma figura central na recepção de György Lukács no Brasil, é coordenador da “Biblioteca Lukács“, da Boitempo. Recentemente, organizou o guia de introdução ao marxismo Curso Livre Marx-Engels: a criação destruidora (Boitempo, Carta Maior, 2015). No Blog da Boitempo escreve mensalmente, às segundas, a coluna “Biblioteca do Zé Paulo: achados do pensamento crítico“, dedicada a garimpar preciosidades esquecidas da literatura anticapitalista.
O que o marxismo produz nunca foi discípulos, mas sim “continuadores” da ideologia. Boa observação do Sr. Netto.
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