O Sartre de Mészáros
Franklin Leopoldo e Silva escreve sobre o livro "A obra de Sartre", do filósofo húngaro István Mészáros
Por Franklin Leopoldo e Silva.
O livro A obra de Sartre: Busca da liberdade e desafio da história, de István Mészáros, pode ser visto como o encontro de duas atitudes que convivem num mesmo autor e o vinculam àquele que é o seu objeto de estudo: a profunda afinidade política e a enorme discordância filosófica que se pode constatar na relação entre ele e Jean-Paul Sartre.
Se estivéssemos diante de uma contradição intransponível, o livro não teria sido possível, mas, felizmente, trata-se de uma diferença produtiva, aquela que ocorre entre figuras intelectuais comprometidas com a história e a verdade, no sentido concreto em que nessa relação se passa o drama da emancipação humana. O que se eleva acima das controvérsias conceituais é a defesa de uma causa, o resgate de esperanças e expectativas maiores do que os instrumentos doutrinais que utilizamos para tentar realizá-las.
E disso dá testemunho o texto do próprio Mészáros na introdução à edição da Boitempo de 2012: o que ele admira em Sartre é a intransigência e a coragem que sempre pautou sua conduta pessoal, intelectual e política. O filósofo da existência e da história, que na sua trajetória afrontou todos os preconceitos das tradições e das doutrinas, passando ao largo de todos os dogmatismos; e o militante político, que, sem concessões de qualquer espécie, sempre se colocou decisivamente contra todas as opressões independente de onde elas ocorram.
Existência e história são temas de uma filosofia da liberdade, e autenticidade e emancipação são os fins concretos a serem incansavelmente perseguidos pelos que vivem e agem com consciência da responsabilidade histórica. Todavia, é na linha contínua que se estabelece entre as exigências filosóficas de rigor reflexivo e as questões suscitadas pela práxis histórica que se encontram o filósofo e o comentador, na mais pura comprovação de que, autor e leitor, se envolvidos no mesmo engajamento, completam-se pelas próprias divergências, contribuindo dessa forma para o esclarecimento das ideias e a pertinência da ação.
Dentre os elementos que foram revistos e introduzidos na nova edição publicada pela Boitempo em 2012, destacam-se as considerações críticas acerca da filosofia sartriana da história, a partir da “crítica da razão dialética”. Noções como indivíduo e escassez são examinadas com grande argúcia, os pressupostos e os limites dos argumentos são claramente desvendados, nunca com propósito negativo ou desqualificador, mas sempre na linha de uma compreensão da originalidade de Sartre e da reconhecida grandeza de seu empreendimento, que conserva a singular virtude, apontada com insistência por Mészáros, de incomodar a consciência acomodada do nosso tempo.
A pergunta de Sartre para que e também para quem serve a democracia é para mim uma das perguntas mais pertinentes do século passado.
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Texto de boitempo
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