Guilherme Boulos escreve sobre o novo livro de Ruy Braga
"A dinâmica do precariado fez surgir resistências de novo tipo que carregam uma nova gramática e um potencial de rebeldia que têm deixado marcas indeléveis no mundo contemporâneo."
Por Guilherme Boulos.
A Boitempo acaba de lançar o livro novo de Ruy Braga, um dos mais importantes sociólogos marxistas do Brasil hoje. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global mobiliza o arcabouço teórico marxista para compreender as resistências populares às políticas de espoliação social que acompanham a difusão do neoliberalismo e da precarização do trabalho na semiperiferia do sistema capitalista global. Através de uma audaciosa análise comparativa desse processo em três países diferentes do Sul global (Brasil, Portugal e África do Sul), a obra apresenta uma leitura original das dinâmicas de classe no capitalismo contemporâneo e fornece uma poderosa contribuição para as lutas sociais do presente. Leia, abaixo, o texto de orelha que Guilherme Boulos escreveu para o livro.
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Em seu novo livro, Ruy Braga ousou entrar em um terreno pantanoso. Compreender as novas formas de mobilização social a partir da dinâmica de classe que representam, reconhecendo sua potência, mas sem deixar de perceber suas contradições. Estas não são tarefas fáceis. No entanto, apesar das dificuldades, o sociólogo soube se sair muito bem no desafio.
A rebeldia do precariado é um assunto espinhoso. De um lado, há sempre o risco do dogmatismo teórico, incapaz de enxergar vida fora das relações tradicionais de trabalho, mesmo quando a precariedade é antes regra que exceção. De outro, um entusiasmo ingênuo que idealiza essas novas formas de rebeldia social, ignorando seus limites e, portanto, o necessário esforço de combinação com outras, historicamente construídas.
Mas é fato inquestionável que o precariado tem feito um bom barulho ultimamente, especialmente no que Ruy Braga chamou de “Sul global”. Dos piqueteiros na Argentina aos sem-teto no Brasil e chegando à “juventude sem futuro” do 15M espanhol, importantes lutas sociais e deslocamentos de eixos foram protagonizados pelo precariado global. Da fábrica ao território, do enfrentamento aos patrões ao enfrentamento ao Estado.
Evidentemente, não se trata de uma substituição. Os conflitos em torno do trabalho, assim como a organização sindical, permanecem fundamentais na luta de classes. Mas a dinâmica do precariado fez surgir resistências de novo tipo que carregam uma nova gramática e um potencial de rebeldia que tem deixado marcas indeléveis no mundo contemporâneo.
Ainda mais quando vivemos em um contexto histórico explosivo, no qual o regime de acumulação do capital demonstra cada vez mais sua incapacidade de conviver com a democracia. A dinâmica dos mercados revela-se intolerante mesmo ao exercício democrático formal. Os exemplos se acumulam. Na Grécia, o povo votou contra o ajuste e de nada valeu. No Brasil, a agenda financeira mais selvagem estabeleceu-se por meio de um golpe parlamentar, sem voto. Apenas neste cenário, pode-se compreender como um ministro da Fazenda garante ao país que permanece no cargo, ainda que o governo caia.
Os tempos são duros, mas também promissores. Afinal, quando as instituições aparecem fechadas, as rebeldias se multiplicam, florescendo em lugares antes considerados insuspeitos. Nisso, é inegável o protagonismo do precariado, mesmo com suas contradições. E Ruy Braga segue nos ajudando a decifrar seus complexos sinais.
Guilherme Boulos.
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Apesar das condições terríveis que descreve, a tese de Ruy Braga em seu novo livro é cativante e otimista. O sociólogo procura mostrar como, apesar de desigual, os movimentos sociais protagonizados pelo precariado têm pressionado as formas tradicionais de organização dos trabalhadores, sobretudo os sindicatos e os partidos políticos, obrigando-as a mudar. A pesquisa comparativa realizada pelo autor para demonstrar sua hipótese, a qual se abriu não apenas para o Brasil, mas olhou também para África e Europa, contém uma atualidade e uma abrangência raras no trabalho acadêmico. No vértice da grande crise pela qual passamos, o trabalho de Ruy Braga esclarece e combate ao mesmo tempo. – André Singer.
Neste livro, Ruy Braga recolocou o processo de desenvolvimento brasileiro dos últimos anos no interior de um movimento global de realinhamento do capitalismo contemporâneo, fornecendo com isto uma perspectiva analítica ímpar entre nós. Sua tese central é de que a lógica das políticas socioeconômicas a qual fomos submetidos só é compreensível a partir do jogo de forças necessário para a ampliação da nova classe dos sem classe, a saber, o precariado. As articulações propostas por Ruy Braga entre as políticas implementadas no Brasil, na África do Sul e em Portugal, compõem uma investigação comparativa das políticas “austericidas” que impressiona pela articulação entre a abordagem sociológica estrutural e o olhar atento às especificidades do processo histórico. Acrescente-se a isto a aguda sensibilidade política, presente na análise das Jornadas de Junho de 2013, de um dos intelectuais brasileiros mais completos de nossa geração. – Vladimir Safatle.
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