Nem todo Lênin é leninista
Por Mouzar Benedito.
Lênin era leniente?
Esta foi a primeira coisa brincalhona que me ocorreu, quando pensava em escrever algo sobre ele.
Mas pensei em seguida nas “homenagens” que pais e mães fazem aos seus ídolos, dando os nomes deles aos filhos. Até há algum tempo, sempre tive a ideia de que quem faz isso acaba dando com os burros n’água. Começo por mim mesmo. Meu nome é uma variante de Mozart, mas nasci em Minas Gerais, numa cidade pequena em que o escrivão registrava os nomes de acordo com o que lhe dava na cabeça.
Não que meu pai fosse ouvinte de Mozart, estava mais para Tonico e Tinoco. Fui o primeiro filho a nascer na cidade (que não era tão cidade assim: tinha dois mil habitantes na área “urbana”). Era o quinto filho. Os anteriores nasceram na roça. O primeiro amigo que ele arrumou na cidade era, sim, um homem culto, apreciador de música clássica, e deu a um dos filhos o nome de Mozart. Quando nasci, meu pai quis homenagear o amigo dando a mim o nome de um dos filhos dele, e assim virei Mouzar, nome que fui saber que era escrito dessa maneira só quando entrei no ginásio, pois inclusive na escola primária não pediam documentos. Quando me exigiram a certidão de nascimento para entrar no ginásio, fui ao cartório, pedi e recebi com esse nome. Fiquei brabo. “Esse u no meio do meu nome não vale. Mouzar parece nome de mulher”, protestei machisticamente.
Tentei fazer o escrivão corrigir, ele insistia dizendo que não podia fazer isso, que já estava registrado, eu falava que ele podia apagar e mudar, mas não teve jeito. Acabei tendo que me acostumar com o “novo” nome.
Mas o que tem isso a ver com Lênin? É que por causa do nome muita gente pensa que eu sou um bambambã em música. Ora, apesar de gostar muito, não toco nada. Nos tempos de faculdade, nas batucadas, conseguia tocar tamborim, mas só depois de muitas cachaças que me ajudavam a entrar no ritmo. E o Mozart filho do amigo do meu pai, pelo que sei, não era lá grande coisa em música também.
Já jovem, soube que numa cidade do Paraná um homem era admirador de Marco Polo e dos grandes navegantes, e quando nasceu o primeiro filho deu a ele um nome comprido, juntando prenomes e nomes de Cabral, Colombo, Fernão de Magalhães, Américo Vespúcio e outros navegadores famosos, além de marco Polo. Pois o filhote, segundo o que eu soube, era um antiviajante: nunca saiu de sua cidade. E conheci um homem chamado Jesus que era ateu convicto.
Então concluí: as homenagens, com nomes, acabam virando anti-homenagens. O “homenageante” acaba contradizendo o homenageado. Minha opinião (besta?) se fortaleceu depois que conheci no estado de São Paulo três sujeitos que receberam o nome Lênin ou Lenine. Certamente eram filhos de comunistas ou simpatizantes. Mas os três eram, se não direitistas, pelo menos totalmente alienados. Um deles, do interior paulista, era de direita mesmo, e tentava disfarçar o nome. Era conhecido como Leninho, que poderia ser apelido de outro nome qualquer, como Heleno.
E fui me lembrando de outras “homenagens” em forma de nomes. Conheci um monte de Luís Carlos, nascidos nas décadas de 1940 e 50. Dá pra dizer que todos, ou quase, receberam esse nome porque o pai e/ou a mãe quis(eram) homenagear Luiz Carlos Prestes. Até um boliviano, cujo pai conheceu Prestes quando, no fim da Coluna Prestes, ele se refugiou na Bolívia. Mas, que me lembre, nenhum desse Luís Carlos era comunista.
Assim, eu pensava, a melhor maneira de fazer com que o herdeiro não desencaminhasse para um rumo que consideramos odioso, seria dar a ele um nome de um odioso desses. Um Hitler, por exemplo, seria antinazista. Mas quem gostaria de ter um filho chamado Hitler, Mussolini ou Garrastazu? O então Paulo Maluf, Michel Termer, Sarney ou Jucá? Fora isso, pensei nas exceções: o sujeito podia se afeiçoar ao nome e fazer jus a ele.
Volto ao Lênin. Há dois músicos chamados Lenine. Bons músicos, por sinal. O Lenine mais famoso, pernambucano, é filho de pai comunista e mãe católica, mas não tenho a menor ideia do ideário político dele. O outro, nascido em Brasília, também deve ser filho de comunista, mas dele sei menos ainda. Lembro-me também do Meneghetti, grande ladrão com ideias anarquistas, que só roubava ricos, e teve dois filhos: Lenine e Espártaco. Pelo que me consta, não foram revolucionários.
Bom… Tem os muitos Vladimir. Nem todos homenageando Vladímir Ilitch Uliánov, o Lênin, mas boa parte sim. E desses cujos pais eram comunistas, entre os que conheci, há vários Vladimir de esquerda.
Lembrei-me agora de duas moças da zona leste paulistana, filhas de pai comunista. Leninira e Estalinira. Conheci a Estalinira. Parecia ser fiel aos pensamentos do pai. E falando em lembranças, uma coisa que não tem nada a ver com o que escrevo aqui: um amigo, não vou dizer o nome dele, totalmente materialista, teve uma filha e a família da mulher queria que ela fosse batizada. Ele cedeu, para agradar a mulher e a família. Mas exigiu que o padrinho fosse eu. Quando me chamou, brinquei: “Como revolucionário que você é, o nome da sua filha só pode ser um nome de mulher revolucionária”. Pediu sugestão e eu sugeri: Krúpskaia, nome da mulher de Lênin. Achou divertido e saiu contando que a filha se chamaria Krúpskaia. A família da mulher ficou furiosa. Era só brincadeira, mas a menina, cujo nome também não vou contar, ficou um bom tempo sendo chamada de Krupinha.
Para terminar, lembro que certas homenagens podem, com o tempo, ter sentido inverso. É o caso de um amigo que deu o nome de Ernesto ao filho, homenageando Che Guevara. Só que, quando o menino chegou à idade de ir para a escola, acharam que o nome dele era homenagem a outra pessoa: o então general-presidente-ditador, Ernesto Geisel. Para o moleque, tanto fazia. Mas para o pai, que desgosto!
Continuo em dúvida sobre nomes-homenagens. Vale arriscar?
P.S.: Segundo Isaac Asimov (1920-1992), escritor russo que viveu nos Estados Unidos, diz em seu Livro dos fatos que Lênin é apenas um dos pseudônimos do líder da Revolução Russa. Segundo ele Vladímir Ilitch Uliánov teve 151 pseudônimos.
***
O dossiê especial “1917: o ano que abalou o mundo“, reúne reflexões de alguns dos principais pensadores críticos contemporâneos nacionais e internacionais sobre a história e o legado da Revolução Russa. Aqui você encontra artigos, ensaios, reflexões, resenhas e vídeos de nomes como Alain Badiou, Slavoj Žižek, Michael Löwy, Christian Laval, Pierre Dardot, Domenico Losurdo, Mauro Iasi, Luis Felipe Miguel, Juliana Borges, Wendy Goldmann, Rosane Borges, José Paulo Netto, Flávio Aguiar, Mouzar Benedito, Ruy Braga, Edson Teles, Lincoln Secco, Luiz Bernardo Pericás, Gilberto Maringoni, Alysson Mascaro, Todd Chretien, Kevin Murphy, Yurii Colombo, Álvaro Bianchi, Daniela Mussi, Eric Blanc, Lars T. Lih, Megan Trudell, Brendan McGeever, entre outros. Além de indicações de livros e eventos ligados ao centenário.
***
Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
Leninira e Estalinira são nomes muito engraçados. Viva o humor de Mozart Benedito!!!
CurtirCurtir
Como sempre, divertido, irreverente e com muito charme!
Gostei, passei adiante.
CurtirCurtir
Obrigada, Mouzar + Benedito! por nos fazer rir nesses tempos!
CurtirCurtir
Conheci um Adolfo, filho de japoneses. Os amigos diziam que o pai dele colocou o nome em homenagem a Adolf Hitler. E o Adolfo daqui era um atuante esquerdista, de grande coração e sempre engajado nas causas humanitárias.
Uma vez conheci um Hiroito. Este não tinha nenhuma descendência japonesa e sim filho de nordestinos. De cara já foi falando que seu nome era em homenagem a um imperador japonês, mas que era tudo culpa dos pais.
CurtirCurtir
Oi, Satoru,no Brasil temos nomes de tudo quanto é origem: portuguesa, árabe, judaica, inglesa, sueca, indígena, africana… mas japonesa é quase exclusiva da comunidade nipônica. Eu também conheci um Hiroito que não tinha ascendência. Era paranaense, um grande intelectual, mas que ficou conhecido como “Rei da Boca”, porque dominava a malandragem na Boca do Lixo, em São Paulo, na década de 1950 e início dos anos 1960.
CurtirCurtir