Vilma Reis: Cultura e política na obra de Angela Davis
"A publicação de Angela Davis pela Boitempo já é em si um ato revolucionário para o Brasil que segue tão colonial."
Por Vilma Reis.
Os temas da cultura e da política, secularmente vedados como pautas públicas para nós mulheres e mulheres negras, são material central, desde os anos 1960, nas abordagens políticas de Angela Davis, ativista, pensadora e grande inspiração para várias gerações dos movimentos de mulheres e dos movimentos negros nas Américas e no mundo. Ao longo dos últimos cinquenta anos, Davis tem se mantido uma rocha forte, capaz de nos dar forças para o enfrentamento necessário contra o racismo, o sexismo e a lesbofobia e na luta pelo abolicionismo penal em nossos países.
Ao retomar, na obra Mulheres, cultura e política, seus discursos, a autora deixa evidente tanto sua conexão direta com as lutas ao longo dos anos como sua identificação com os campos do pensamento da crítica radical, o que lhe permitiu avaliar as alianças, interceptar os silêncios e politizar as ausências de possíveis aliados/as nas agendas políticas mais estruturantes para nós mulheres e mulheres negras, a fim de impedir uma ampla amnésia política nos estudos de gênero, que insistem em contar a história do feminismo sem considerar as lutas das mulheres negras.
Davis incorpora tudo isso com profundidade e, ao mesmo tempo, muita leveza política – características daqueles e daquelas que já caminharam bastante pelas areias movediças das incertezas de um mundo sob o controle secular do pensamento colonial. Angela se move nesses terrenos inóspitos, hostis, para afirmar sua crença em uma agenda política pautada na afirmação de que, sem as mulheres negras e sem as outras não brancas do mundo, os direitos não são humanos. Aproxima, assim, lutas que parecem distantes, como as nicaraguenses, as curdas, as palestinas, as sul-africanas e as brasileiras, que pautam dois grandes temas que mobilizam a autora, o abolicionismo penal e o enfrentamento da guerra às drogas.
Ao trazer Winnie Mandela e a luta contra o apartheid para a cena, como exemplo das razões que temos para lutar, Angela destaca como aquele regime, que levou mulheres e crianças a tomarem as ruas da África do Sul, mostra a longevidade de suas raízes e, como modelo de dominação, dá sinais de continuidade em tantas outras partes do mundo, evidenciando que precisamos seguir na luta por uma virada civilizatória, na qual as opressões de raça e gênero possam ser enfrentadas por todos e todas que acreditam nos direitos humanos e no direito de as mulheres negras se autorrepresentarem.
Ao final, Angela Davis destaca ainda os feitos das mulheres afro-americanas nas artes, linguagem que sempre pode dizer mais que qualquer discurso, pois rompe com todos os padrões estabelecidos e não está amarrada a modelos narrativos, mesmo aqueles mais pautados na revolução dos feminismos. Como água, a arte traz e leva mensagens de libertação, perturbando consciências, movendo-se contra uma cadeia sistêmica de opressão que está desde o acesso aos espaços onde se mostra a cultura do povo sem o povo até seus principais expoentes, encarcerados nos salões do poder. A cultura é, portanto, uma das formas para montar a contraofensiva capitalista.
Neste livro, Angela Davis nos ensina a resistir à violência racial e a combater com veemência o capitalismo, que dilacera a todas nós. Por isso, sua publicação pela Boitempo já é em si um ato revolucionário para o Brasil que segue tão colonial.
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Onde encontrar?
- Livraria da Travessa
- Saraiva Online
- Livraria Cultura
- Cia dos Livros
- Fnac Brasil
- Livraria Martins Fontes
- Amazon.com.br
- Boitempo Editorial
“A política não se situa no polo oposto ao de nossa vida. Desejemos ou não, ela permeia nossa existência, insinuando-se nos espaços mais íntimos.” – Angela Davis
“Eis o coração e a mente de Angela Davis: aberto, implacável e oportuno! Ela é tão radiante e verdadeira como aquele invencível nascer do sol – ela deseja avançar, com toda a esperança e toda a graça de sua vida absolutamente dedicada.” – June Jordan
Angela Davis é uma daquelas pessoas que Brecht considerava imprescindível, porque luta a vida toda ao lado dos mais frágeis, que não possuem poder nem voz. Se o resultado tem sido significativo não importa muito, o mais importante é que sua atuação estimula as consciências e provoca as vontades para uma mobilização maior para o futuro.
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