Quem está falando em nome de “nós, o povo”?

Mouzar Benedito reúne as melhores frases e ditados sobre "o povo" em nova coluna da série "Cultura inútil".

“Réunion de 35 têtes d’expression”, de Louis Leopold Boilly, imagem usada na capa do livro Tempos difíceis, de Charles Dickens.

Por Mouzar Benedito.

“O povo unido jamais será vencido”

Faz décadas que usamos esse lema. Foi muito gritado no fim da ditadura, enquanto se entoava “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré. Podíamos não estar tão unidos assim, mas a ditadura acabou. Só que esperávamos que com o fim dela tudo melhoraria. As coisas melhoraram, sem dúvida, mas sobraram muitas mazelas, e finge-se que esses males não existiam durante a ditadura. E tem gente que pra mim é muito besta falando em nome de “nós, o povo”, pedindo a volta dos militares. Nos jornais e na mídia em geral, vejo colunistas, comentaristas e leitores com as mais variadas ideias e opiniões se dizendo porta-vozes de “nós, o povo”, muitas vezes esbaforindo besteiras.

E voltando ao “povo unido”, depende de como está unido e fazendo o que com essa união. Povo unido no silêncio e no conformismo pode ser vencido, sim, e está sendo. Uma minoria esperta e poderosa fala em nosso nome e impõe grandes derrotas ao povo brasileiro atualmente. Estão aí, para comprovar, a destruição da Previdência e da legislação trabalhista. E… bem… podemos dizer que “nós, o povo” elegemos esse pessoal que manda, inclusive os atuais prefeitos? Em São Paulo, por exemplo, estávamos unidos nas eleições? O certo é que com a apatia de grande parcela do povo, estamos fritos!

Mas há um conceito definitivo sobre as qualidades e defeitos do povo? Nada! Fuçando em ditados e frases de famosos sobre “povo”, dá para se ver que os conceitos sobre povo passam longe da unanimidade. Umas frases são exatamente a contradição de outras. Fiz uma seleção delas e apresento aqui.

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San Tiago Dantas: “A Índia tem uma elite maravilhosa, mas um povo de merda. No Brasil nós temos um povo maravilhoso, mas uma elite de merda”.

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Ditado popular: “Cada povo tem o governo que merece”.

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Roquette Pinto: “Forte é o povo honesto, que não entesoura violências para esmagar vizinhos e roubá-los pelas mãos de seus guerreiros”.

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Karl Marx: “O povo que subjuga outro forja suas próprias cadeias”.

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Guerra Junqueiro: “O povo, coitado, é soberano como fora Jesus para beber o fel, para morrer na cruz, para pagar impostos, para morrer na guerra”.

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Guerra Junqueiro, de novo: “Povo é uma criança eterna. Aquele que mais lhe bate é quem melhor governa”.

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Cecília Meireles: “A terra tão rica / E – ó almas inertes! /O povo tão pobre… / Ninguém que proteste!

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José do Patrocínio: “Somos um povo que ri, quando devia chorar”.

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Ralph W. Emerson: “O povo deve ser tomado em doses bem pequenininhas”.

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Não sei quem: “A paciência do povo é a manjedoura dos tiranos”.

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Miguel Couto: “Não há raças humanas, nem superiores nem inferiores, o que há são povos adaptados ao meio em que nasceram e se formaram”.

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Heitor (um amigo meu, depois de repetidas cutucadas de barbatanas no rosto, durante um chuvisqueiro): “O povo brasileiro não está preparado para andar de guarda-chuva”.

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Ditado popular: “O povo aumenta, mas não inventa”.

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Eu: “Se a voz do povo é a voz de Deus, Deus anda muito reclamão”

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Renato Russo: “Já me falaram muitas vezes que a voz do povo é a voz de Deus. Será que Deus é mudo?”.

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Carlos Drummond de Andrade: “É fácil falar em nome do povo, ele não tem voz”.

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Drummond, de novo: “Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder”.

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Oscar Wilde: “Democracia quer simplesmente dizer o desencanto do povo, pelo povo, para o povo”.

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Napoleão Bonaparte: “Não tenhais, sobretudo, medo do povo, ele é mais conservador do que vós”.

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Confúcio: “O mestre disse: pode-se induzir o povo a seguir uma causa, mas não a compreendê-la

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Maquiavel: “Como é perigoso libertar um povo que prefere a escravidão!”.

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Maquiavel, de novo: “Um povo corrompido que atinge a liberdade tem maior dificuldade em mantê-la”.

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Stalin: “Líderes vão e vêm, mas o povo permanece. Apenas o povo é imortal”.

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Stalin, de novo: “O povo deve ser educado com o mesmo cuidado e ternura com que um jardineiro cultiva uma árvore frutífera de estimação”.

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Benito Mussolini: “Somente um país inferior, ordinário, insignificante, pode ser democrático. Um povo forte e heroico tende para a aristocracia”.

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João Baptista Figueiredo: “Prefiro o cheiro de cavalo do que o cheiro de povo”.

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Figueiredo, de novo: “Todo povo é uma besta que se deixa levar pelo cabresto”.

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Ditado taoísta: “Quanto mais instruído o povo, tanto mais difícil de governar”.

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Tom Zé: “Um povo que lê, um povo alfabetizado, que sabe escrever, não tem medo de perder sua cultura. Escreve livros, bota nas bibliotecas e vai ver novelas”.

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Millôr Fernandes: “Quando os eruditos descobriam a língua, ela já estava completamente pronta pelo povo. Os eruditos tiveram apenas que proibir o povo de falar errado”.

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Papa Francisco: “Deus não pertence a nenhum povo”.

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Joãosinho Trinta: “O povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”.

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Georg Wilhelm Friedrich Hegel: “Povo é a parte da nação que não sabe o que quer”.

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Madame de Staël: “Uma Constituição que faça entrar nos seus elementos a humilhação do soberano ou do povo, deve, precisamente, ser derrubada por um deles”.

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Chico Buarque: “Ao povo nossas carícias / Ao povo nossas carências / Ao povo nossas delícias / E nossas doenças”.

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Ortega y Gasset: “Eis ao que leva o intervencionismo do Estado: o povo converte-se em carne e massa que alimenta o simples artefato e máquina que é o Estado”.

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Octavio Paz: “Poeta é aquele que sabe ouvir seu povo e transformar o que ouviu em imagens, ritmos e metáforas. O poeta é a memória de seu povo”.

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François Guizot: “A música oferece à alma uma verdadeira cultura íntima e deve fazer parte da educação do povo”.

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Rui Barbosa: “A degeneração de um povo, de uma nação ou raça, começa pelo desvirtuamento da própria língua”.

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Simone de Beauvoir: “É preciso erguer o povo à altura da cultura e não rebaixar a cultura ao nível do povo”.

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George Sand: “Os ricos só fazem o mal porque o povo lhes estende o pescoço”.

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Eu: “Banqueiros alegres, povo triste”.

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Raul Seixas: “O povo brasileiro não tem tempo pra ler, anda muito ocupado para poder pensar”.

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Patativa do Assaré: “Eu sou de uma terra que o povo padece mas não esmorece e procura vencer”.

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José Saramago: “Os políticos são a mentira legitimada pela vontade do povo”.

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Ludwig Börne: “Os governos são as velas, o povo é o vento, o Estado é o barco, e o tempo é o mar”.

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Ditado popular: “Um povo de cordeiros sempre terá um governo de lobos”.

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John Lennon: “Eles me criticaram por cantar ‘Poder para o Povo’, dizendo que nenhuma facção pode deter o poder. Bobagem. O povo não é uma facção. Povo significa todas as pessoas”.

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Eduardo Galeano: “Na luta do bem contra o mal, é sempre o povo que morre”.

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Pablo Neruda: “Ninguém sabe onde enterraram os assassinos estes corpos, / porém sairão da terra / para cobrar o sangue derramado / na ressurreição do povo”.

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Gustave Le Bon: “Dominam-se mais facilmente os povos excitando as suas paixões do que cuidando dos seus interesses”.

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Gilberto Gil: “O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”.

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Fernando Pessoa: “O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre que possível, dos interesses alheios”.

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Rousseau: “O povo, por ele próprio, quer sempre o bem, mas, por ele próprio, nem sempre o conhece”.

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Gianbatista Vico: “No início, a natureza dos povos é cruel, depois torna-se severa; em seguida, benevolente; mais tarde, delicada, e finalmente, corrupta”.

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Eu: “O povo mau-mau conhecia bombom?”.

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John Milton: “O povo não existe por causa do rei, mas o rei existe por causa do povo”.

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Ditado taoísta: “Apto para governar está quem ama tanto o seu povo como se ama a si próprio”.

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Adam Smith: “A riqueza de uma nação se mede pela riqueza do povo e não pela riqueza dos príncipes.

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Cézar Zama: “Os povos livres e felizes não se revoltam”.

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Marquês de Maricá: “Os povos desencantados tornam-se insubordinados”.

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Lao-Tsé: “Quando o governante é indulgente, o povo é virtuoso. Quando o governante é rigoroso, o povo prevarica”.

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Lao-Tsé, de novo: “Quando a obra dos melhores chefes fica concluída, o povo diz: fomos nós que a fizemos”.

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Victor Hugo: “A plebe apenas pode fazer tumultos. Para fazer uma revolução, é preciso povo”

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Nietzsche: “Um povo é o rodeio da natureza para chegar a seis ou sete grandes homens. Sim: e para depois se desviar deles”.

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Barão de Montesquieu: “Qualquer povo defende sempre mais os costumes do que as leis”.

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Nelson Rodrigues: “Se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo a Canudos para contar a história do povo brasileiro”.

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Guimarães Rosa: “Povo quando fala, fantaseia”.

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Eu:

“Grita o povo!
Os políticos fingem escutar…
Não há nada novo.”

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Quando pensava nesta coluna eu me lembrei do livro Nós, o povo, de Leo Huberman, que conta a colonização e a riqueza dos Estados Unidos do ponto de vista dos trabalhadores. É também de Leo Huberman, escritor marxista estadunidense, um livro chamado História da riqueza do homem, presente em todas as estantes de repúblicas de estudantes de esquerda nos anos 1960 e 70. São livros que merecem ser lidos por todos nós, o povo. Eu li.

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Gostou? Clique aqui, para ver todas as outras colunas da série “Cultura inútil”, de Mouzar Benedito, no Blog da Boitempo!

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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças. 

5 comentários em Quem está falando em nome de “nós, o povo”?

  1. Antonio Elias Sobrinho // 20/06/2017 às 5:18 pm // Responder

    O povo sempre foi uma bela abstração para deleite dos oportunistas, porque quando o povo deixa de ser essa geleia e, de forma organizada consegue discutir e levar a frente algo concreto porque, nesse caso, ele deixa de ser uma abstração e passa a ser um agente efetivo capaz de mudanças imprevisíveis para o senso comum.

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  2. Fundo musical possível :

    Admirável Gado Novo
    – Zé Ramalho

    Ôôô, boi

    Vocês que fazem parte dessa massa
    Que passa nos projetos do futuro
    É duro tanto ter que caminhar
    E dar muito mais do que receber

    E ter que demonstrar sua coragem
    À margem do que possa parecer
    E ver que toda essa engrenagem
    Já sente a ferrugem lhe comer

    Ê, ô, ô, vida de gado
    Povo marcado, ê!
    Povo feliz!
    Ê, ô, ô, vida de gado
    Povo marcado, ê!
    Povo feliz!

    Lá fora faz um tempo confortável
    A vigilância cuida do normal
    Os automóveis ouvem a notícia
    Os homens a publicam no jornal

    E correm através da madrugada
    A única velhice que chegou
    Demoram-se na beira da estrada
    E passam a contar o que sobrou!

    Ê, ô, ô, vida de gado
    Povo marcado, ê!
    Povo feliz!
    Ê, ô, ô, vida de gado
    Povo marcado, ê!
    Povo feliz!

    Ôôô, boi

    O povo foge da ignorância
    Apesar de viver tão perto dela
    E sonham com melhores tempos idos
    Contemplam essa vida numa cela

    Esperam nova possibilidade
    De verem esse mundo se acabar
    A arca de Noé, o dirigível
    Não voam, nem se pode flutuar

    Não voam, nem se pode flutuar
    Não voam, nem se pode flutuar

    Ê, ô, ô, vida de gado
    Povo marcado, ê!
    Povo feliz!
    Ê, ô, ô, vida de gado
    Povo marcado, ê!
    Povo feliz!

    Ôôô, boi

    _________________
    https://www.letras.mus.br/ze-ramalho/49361/

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  3. mari santos // 27/06/2017 às 3:10 am // Responder

    Sr. Mouzar, amo seus escritos.Consegue recolher dizeres de personalidades ,dos mais diferentes pontos de vista.Mas um deles aqui chama a atencão por falar exatamente de algo que vimos acontecer quando parte da populacão saiu às ruas empurrada pela mídia a pedir a queda da presidente eleita :” Dominam-se mais fácilmente os povos excitando suas paixões do que cuidando dos seus interesses” (Gustave Le Bon) Conseguiram.

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  4. Edimilson Cantalice Noronha da Trindade Edimilson // 28/06/2017 às 1:10 pm // Responder

    Eu digo, quem quer ser povo é aquele que vive na pobreza.

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  5. fabioaristimunho // 30/06/2017 às 12:50 am // Responder

    Caro Mouzar, escrevo sobre sua biografia do Barão de Itararé. Por acaso você teria o contato dos filhos dele? Estou organizando uma antologia de palíndromos e preciso de autorização para incluí-lo.
    Obrigado
    fabioaristimunho@gmail.com

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